segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 35



SERVIÇO A BORDO DO VAPOR ALEMÃO “STAHLECK” E DO PETROLEIRO PORTUGUÊS “SUNFLOWER”


O petroleiro SUNFLOWER saindo a barra do Douro / Postal ilustrado da cidade do Porto /.


Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relacionada com os seus serviços a bordo do vapor Alemão STAHLECK e do petroleiro Português SUNFLOWER.

«A 24.01.1930, pelas 10h00, fui saltar a bordo do vapor Alemão STAHLECK, 77m/1.634tb, ancorado na bacia do porto de Leixões, e após suspender passamos entre molhes sob vento fresco de Sudoeste e navegou-se de meia força avante até às proximidades da barra do Douro, a fim de aguardar a hora da entrada. O mar de vaga alterosa, na costa desfazia-se em espuma e na barra começava a tornar-se de andaço e a perigar a passagem de qualquer embarcação. Ao largo da barra, ainda não pilotados, pairavam o vapor Norueguês VAROY, Islandês VESTRI e o petroleiro Português SUNFLOWER.

À hora da maré constatei, que não haveria qualquer hipótese de entrada e visto a ondulação tornar-se difícil para fundear, disse ao capitão para se afastar da costa e rumar a Sudoeste de maneira a regressarmos às imediações da barra pelas 07h00 do dia seguinte. O petroleiro SUNFLOWER arribou ao porto de Leixões e o VAROY e o VESTRI suspenderam e foram fundear nas três milhas.

No dia seguinte, ao alvor, aproximamo-nos de terra, por alturas da pedra do Gilreu e notando que a ondulação na barra era intensa, fiz comunicar com a estação semafórica do Monte da Luz, à rua do Farol, Foz do Douro, através de galhardetes do código internacional de sinais, indagando sobre uma remota possibilidade de entrada na barra. Aquela estação depois de contactar a corporação de pilotos deu de resposta, que a barra estava encerrada a toda e qualquer navegação.

Em face da situação, perguntei ao capitão se queria ir à bacia do porto de Leixões recolher o ferro, que se desmanilhara à saída ou se desejava continuar ao largo a aguardar melhores condições para demandar a barra do Douro. Disse-me que seria melhor ir meter o ferro, contudo logo que este estivesse a bordo e o vapor desembaraçado pelas autoridades marítimo-portuárias sairia para o mar.


http://www.ddghansa-shipsphotos.de/ (ver Frachter 1919-1945 – STAHLECK (3)


Às 10h15, o STAHLECK demandou o porto de Leixões, fundeando ao Sul a um ferro pela popa do paquete Brasileiro ALMIRANTE ALEXANDRINO, tendo-se de imediato tratado de emanilhar o ferro e após suspender manobrei o vapor de maneira a ficar de proa ao enfiamento dos molhes, contudo o capitão não me deixou desembarcar, porque segundo ele me disse, na viagem anterior quando manobrava para abandonar o porto, já com o meu colega na lancha, foi abalroar com o vapor Norueguês FRANK, que se encontrava ancorado na bacia. Logo que o vapor ficou no enfiamento de saída, chamei a lancha P1 e desembarquei entre molhes e o capitão conduziu o vapor para fora do porto e foi fundear nas três milhas, a fim de aguardar melhores condições de mar e água para demandar a barra do Douro.

Chegado a terra, apanhei o carro eléctrico da linha 1, regressando a minha casa na Cantareira, e após o almoço fui para a corporação fazer horas, para ir ao funeral do meu colega, piloto Jeremias dos Santos. Entretanto, pelas 15h00, o sota-piloto-mor António Joaquim de Matos, responsável pela estação de pilotos do porto de Leixões, telefonou requisitando três elementos para reforçar o seu quadro de pilotos, devido à previsão de temporal. Como estava ao terceiro na escala de serviço, recebi ordem para seguir para Leça da Palmeira, juntamente com os meus colegas José Pinto Ribeiro e António Gonçalves dos Reis. Passado algum tempo, tomamos o carro eléctrico da linha 1 para Leça da Palmeira e chegados à paragem dos pilotos, fomo-nos apresentar ao dito sota-piloto-mor, que se encontrava acompanhado dos seus subalternos, no torreão do castelo, posto de vigia dos pilotos, observando e discutindo sobre o evoluir do mau tempo e a distribuir o serviço. Então, disse-nos, que nos requisitara para irmos tomar conta dos três vapores, os quais se destinavam à barra do Douro e encontravam-se arribados devido à ameaça de mau tempo. Em face da ordem recebida fomos os três pilotos para o cais do Marégrafo, equipados de capa de oleado, sueste e botas altas de borracha, onde nos esperava a lancha P3, que conduzida pelo cabo-piloto Paulino Pereira da Silva Soares foi abordar o vapor Português VILA FRANCA, saltando para bordo o piloto José Pinto Ribeiro e de seguida foi atracar ao vapor Norueguês VAROY, subindo a bordo o piloto António Gonçalves dos Reis e por último levou-me para bordo do petroleiro Português SUNFLOWER.



O petroleiro SUNFLOWER junto das instalações da Socony Vaccun, lugar da Encosta da Arrábida, rio Douro, década de 30./ (c) foto do armador/ col, F. Cabral /.


Chegado à ponte de comando, fiz ver ao capitão que iria ficar a bordo, enquanto permanecesse o mau tempo, a fim de dirigir eventuais manobras de segurança. O vento era forte de Sudoeste, o mar era bastante, além de entrar, ameaçadoramente pela bacia e a chuva, por vezes, tornava-se intensa. O vapor Dinamarquês TULA, piloto Manuel Pinto da Costa, devido a garrar suspendeu e como estava desembaraçado para sair, o seu capitão resolveu abandonar o porto, após ter desembarcado o piloto da barra no enfiamento da saída, rumando a Copenhaga, seu porto de destino e de armamento. A meio do porto estava ancorado a dois ferros o paquete Brasileiro ALMIRANTE ALEXANDRINO, piloto Elísio da Silva Pereira, que também deixou o porto, tendo o meu colega desembarcado.

Às 22h00 o vento cambou para Noroeste, continuando a soprar forte e cerca das 24h00 começou a aumentar de intensidade, continuando assim durante a madrugada. Às 24h00 disse ao capitão para mandar preparar a máquina e ter tripulação acordada para acorrer a qualquer manobra de emergência. Em face disso a tripulação passou a correr quartos, como se estivessem em viagem, ficando o primeiro quarto sob a responsabilidade do imediato. Durante a madrugada não houve necessidade de suspender e, somente às 10h00 de Domingo mandei virar os dois ferros e fui pelo Noroeste até me colocar à ravessa do molhe Norte, local onde mandei largar os dois ferros, ficando cada um com quatro manilhas ao lume de água. Entretanto, como o vento e a ondulação continuasse bastante forte, o vapor foi descaindo até as 14h00, altura em que procedi a uma nova amarração, contudo continuava a garrar, então mandei virar os ferros e fui largá-los entre o vapor Português CASSEQUEL e o vapor Grego MIRTIS MASNOQUITTIS, porém ao largar o segundo ferro estive quase a fazer avaria, devido a algumas fortes rajadas de vento, que caíram sobre o vapor. Logo que, fiquei safo do CASSEQUEL, tratei de espiar o ferro de bombordo pelo Sudoeste e de seguida mandei arriar um pouco mais aquela amarra, ficando esta a três manilhas e a de estibordo a quatro manilhas, se bem que com a força do mar e do vento o vapor continuava a descair sobre o cais do molhe Sul.

A 27, pelas 16h00, o CASSEQUEL, piloto Júlio Pinto de Almeida, que estava a garrar, içou o sinal de bandeiras assinalando estar com o molinete avariado e como tal impossibilitado de virar os seus ferros. O vapor Norueguês HAV, que desde a sua entrada no porto sem a presença de piloto, sofrera um encalhe, que lhe fizera perder a porta do leme, também içou os sinais de bandeiras, relativos à sua difícil situação. Ao anoitecer o vapor CASSEQUEL continuava a aguentar-se, embora garrando um pouco e dando enormes guinadas a ambos os bordos, correndo o risco de colidir com a proa do SUNFLOWER, que para enfrentar o temporal tinha a máquina a trabalhar a menos de um quarto de força avante. Note-se que a ausência de rebocadores era notória. As traineiras e outras pequenas embarcações espalhadas pela bacia, também estavam a sofrer as consequências do temporal.

A 28, pelas 04h00, a ondulação dentro do porto começou a amainar e a ventania de Noroeste decresceu. Ao alvor o HAV estava a bater, perigosamente contra a muralha do molhe Sul. Às 10h00 fui espiar um pouco mais para terra e para Norte, ficando ali ancorado até ao dia em que saiu para entrar no rio Douro, a fim de ir proceder à trasfega do seu carregamento de gasolina, que transportava desde o porto de Lisboa, para os depósitos da Vacuum Oil, sediados no lugar da encosta da Arrábida. A 29 não havendo necessidade de continuar a bordo desembarquei e regressei à Cantareira, apresentando-me ao piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão, retomando o serviço no rio Douro».



O vapor Holandês DANAE, ex Alemão STAHLECK, no porto de Leixões no inico da década de 50, vindo dos portos do Mediterrâneo / (c) Foto-Mar, Leixões /.


STAHLECK (3) – 77,16m/1.663tb/ 10 nós/ 25 tripulantes/ 6 passageiros; 05.04.1923 entregue pelo estaleiro AG Weser, Bremen ao armador DDG Hansa, Bremen, que o empregou no seu tráfego da Ibéria; 01.09.1939 no eclodir da guerra encontrava-se na Alemnaha, tendo realizado vário tráfego militar; 08.05.1945 encontrava-se em Kiel, tendo sido tomado pelas forças Britãnicas; 17.11.1945 chegava a Bremen para fabricos nos estaleiros Bremer Vulkan; 1946 AARDENBURGH, reparação de guerra, governo da Holanda, gestor KNSM, Amesterdão; 1947 DANAE, KNSM, Amesterdão; 1953 DANAE, Hellenic Levant Line, Pireo; 1962 DANAE, Hassein Ahmest Kasseim, Massawah; 23.10.1965 entregue a sucateiros em Massawah. Gémeo LAHNECK (3).

SUNFLOWER – 65m/1.083m; 01.1925 entregue pelo estaleiro Philip & Son, Ltd. Dartmouth à Empresa de Navegação Luso Marroquina, Lda., Lisboa, a qual servia a Socony Vaccum/Standard Transportation Co.; 1940 TEMARA, Standard Transportation Co. Marrocos; 1944 CALLEBASSE, fretado ao governo Francês; 1945 TEMARA, Standard Transportation Co. Marrocos; 10.1951 chegava a Barowstounness para desmantelamento em sucata.

Fonte: José Fernandes Amaro Júnior; DDG Hansa, Bremen; Miramar Ship Index.

(continua)

Rui Amaro

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