sábado, 3 de julho de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 77


O PAQUETE INGLÊS “HILARY” ESCALA O PORTO DE LEIXÕES NA SUA VIAGEM INAUGURAL AO AMAZONAS



A 18/08/1931, pelas 07h00, demandou o porto de Leixões na sua viagem inaugural, fundeando a meio do porto a dois ferros, o paquete Inglês HILARY, piloto Joaquim Matias Alves, pertencente ao armador The Booth Steamship Co. Ltd (Booth Line), Liverpool, cujo agente na cidade do Porto era a firma Garland, Laidley & Co., Ltd. Aquele paquete que foi assistido pelo rebocador da companhia MARS 2º, procedia de Liverpool com carga e passageiros, e ao anoitecer abandonou o porto, pilotado pelo piloto Manuel Pinto da Costa, rumando aos portos de Belém do Pará e Manaus, no rio Amazonas, com escala pelos portos de Lisboa e Funchal, após ter carregado carga diversa e embarcado passageiros.

O HILARY, que foi um dos mais emblemáticos paquetes a escalar o porto de Leixões, antes e no pós-guerra fora construído em 1931 pelos estaleiros Cammel Laird & Co., Ltd., Birkenhead, apresentava, ao contrário da maioria dos navios do seu tempo, as antigas linhas tradicionais, que sempre lhe deram um aspecto agradável e elegante. As suas principais características eram muito aproximadas às do velho HILDEBRAND, que iria substituir na famosa linha do Norte do Brasil e Amazonas – “1.000 miles up the Amazon” – , embora com lotação para menor número de passageiros, que totalizava acomodação para 330 passageiros de 1ª e 3ª classes. O seu comprimento f.f. era de 135m e deslocava 7.403tb, atingindo uma velocidade de 14 nós. Tinha alguma tripulação de nacionalidade Portuguesa, sobretudo na área de cabine e messe. Como todos os vapores da Booth Line, no porto de Leixões era mais identificado como “Pará e Manaus”. Embora o seu destino final fosse o porto fluvial de Manaus, muita da carga destinava-se aos portos fluviais de Letícia, na Colômbia e Iquitos, no Peru. Aquela carga era baldeada naquele porto Brasileiro para navios fluviais da própria companhia, que também recebiam carga de exportação para a Europa e Estados Unidos.

A sua actividade calma de navio de passageiros foi interrompida durante o período da guerra de 1939/45, durante a qual desempenhou importantes missões recordadas num quadro patente no seu salão principal. Requisitado pelo Almirantado em Dezembro de 1940, foi primeiramente utilizado no serviço de vigilância marítima e em Maio de 1941 interceptou o petroleiro Italiano RECCO, 350 milhas a Norte dos Açores, contudo a tripulação Italiana sabotou o seu vapor, Também interceptou e capturou o vapor Italiano GIANNA M e uma tripulação de presa levou-o para o porto de Belfast. A partir de Abril de 1942 como transporte naval de infantaria, tomou parte activa nas operações de desembarque aliadas na Europa, sendo navio chefe das forças navais, que participaram nos desembarques da Sicília e Anzio. Em Maio de 1942, em pleno Atlântico Norte, foi perseguido e torpedeado por dois submarinos Alemães, felizmente o torpedo, que o atingiu a meia-nau não detonou e em Junho de 1944 comandou uma das forças navais na invasão da Normandia – “D-Day” –, tendo sido atingido por uma bomba perdida, que lhe causou uma pequena avaria. Regressou ao porto de Liverpool, após a rendição da Alemanha Nazi e, depois de sofrer beneficiações, retomou o seu lugar na linha do Norte do Brasil e Amazonas.

Com a entrada ao serviço do novo paquete HILDEBRAND e mais tarde do HUBERT, falou-se muito na sua retirada do serviço o que não chegou a concretizar-se. Partiu então para os estaleiros de Anvers, onde foi submetido a demoradas reparações, que incluíram melhoramentos nas instalações destinadas aos passageiros, cujo número foi reduzido para 230, e, quando reentrou em actividade apresentava uma particularidade na Booth Line, a cor preta do casco tinha sido substituída pela branca, o que lhe dava um aspecto muito deslumbrante.



Retomou as actividades em Abril de 1956 com alteração da rota, pois passou a incluir escalas em Port of Spain, Trindade e Tobago, nas Caraíbas, onde embarcava emigrantes nativos para Liverpool, os quais na sua escala em Leixões, espalhavam-se pela vila de Matosinhos e pela cidade do Porto, dando um certo colorido a ambas as urbes. Foi, posteriormente fretado à Elder Dempster Line, realizando algumas viagens à costa ocidental de África, até que a perda do HILDEBRAND em 25/09/1957, próximo de Cascais, o levou de novo a sulcar águas Portuguesas e Brasileiras, acabando algum tempo depois por amarrar no porto de Liverpool, de onde largou em Setembro de 1959 para o Inverkeithing na Escócia, onde foi demolido pelos sucateiros T.W.Ward Ltd., após 28 anos de intensa actividade.

O HILARY sofreu um grave acidente, quando a 11/06/1953 descia o rio Amazonas, após ter largado do porto fluvial de Manaus e a cerca de 800 milhas do porto de Belém do Pará, encalhou num banco de areia submerso, então formado, tendo sido assistido por um rebocador, que ao tentar safá-lo, acabou por soçobrar, devido à forte corrente da descida das águas própria daquela via flúvio-aquática, perecendo dois dos seus tripulantes. Em auxilio do paquete, que esteve prestes a adornar, acorreu o navio-motor Inglês SHERIDAN, 1945/98,72m/3.843tb, da Lamport & Holt Line, de Liverpool, e que se encontrava fretado à Booth Line, o qual ancorou nas imediações. Entretanto o HILARY conseguiu safar-se pelos seus próprios meios e iniciou a sua viagem até ao porto de Belém do Pará, já no rio Pará, delta do Amazonas.



Um episódio delicado passou-se num dos últimos anos da década de 40, quando o HILARY, sob denso nevoeiro, e assinalando a sua marcha com o toque característico da sua sirene, navegando de Sul para Norte, muito junto à costa, diante da barra do Douro, quando numa aberta momentânea da névoa, o seu comandante vislumbrou a lancha P9, dos pilotos do Douro, que acabara de recolher o piloto José Fernandes Amaro Júnior, de bordo de um vapor, que saíra da barra. Aquele piloto, que em 1931 ao desembarcar do HILARY entre molhes de Leixões, sob grande agitação marítima, caiu desamparado sobre a caixa do motor da lancha P3, sofrendo traumatismos graves (este incidente será relatado oportunamente em episódio relacionado), ao aperceber-se, que o paquete seguia a esteira da lancha, julgando tratar-se da congénere de Leixões, ordenou ao mestre Eusébio Fernandes Amaro, seu irmão, para desandar, e tocando a buzina, intermitentemente foi ao encontro do paquete e subindo a bordo mandou meter marcha toda força à ré, a fim de evitar o seu encalhe nas pedras da praia do Ourigo, o que por pouco não ocorreu. De seguida, sempre debaixo de nevoeiro cerrado, rumou ao porto de Leixões, onde entre molhes entregou o comando ao seu colega Manuel da Silva Pereira, que entretanto subira a bordo. Após os agradecimentos do comandante e ter sido presenteado com uma lata de cigarros da marca “Navy Cut” e outras duas para o pessoal da lancha, regressou à Cantareira, na Foz do Douro.
Fontes: José Fernandes Amaro Junior; The Booth Steamship Co., Ltd.

(continua)

Rui Amaro

segunda-feira, 28 de junho de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 76


UM PILOTO EFECTIVO AUXILIA O SEU NOVO COLEGA NO SEU PRIMEIRO SERVIÇO DE PILOTAGEM NA SAIDA DO VAPOR “MARIA AMÉLIA”



MARIA AMÉLIA /(c) autor desconhecido /.


A 22/07/1931, pelas 19h30, o ex praticante a piloto da barra António Duarte foi dar saída ao vapor Português MARIA AMÉLIA, seu primeiro serviço como piloto provisório. Aquele vapor estava amarrado no pião das barcaças da Sociedade Geral, no lugar do cais do Monchique.

Visto ser um vapor de algum porte para o rio Douro, mas também devido aos ferros se encontrarem enrascados com os do vapor Norueguês DOKKA, que estava amarrado pela popa, além de junto da amarração e em ambas as margens se encontrarem alguns vapores prolongados, o que iria limitar o espaço e dificultar as manobras, o piloto efectivo José Fernandes Amaro Júnior ofereceu-se para ir ajudar o seu novo colega. Felizmente o MARIA AMÉLIA, safos os ferros desandou proa abaixo sem novidade de maior e passou a barra às 20h30, tomando o rumo do porto de Le Havre.

MARIA AMÉLIA – 92,11m/1,765,54TB/10 nós; 05/1913 entregue por Neptun AG, Rostock; como GIRGENTI, a Robert M. Sloman Jnr., Hamburg; 1914 GIRGENTI, refugiou-se no estuário do Tejo devido à eclosão da 1ª guerra mundial; 1916 GIRGENTI, tomado pelo governo Português para fazer face á falta de transportes marítimos, devido à guerra; 1916 GAIA, TME-Transportes Maritimos do Estado, Lisboa; 12/01/1925 MARIA AMÉLIA, Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda., Lisboa; 1959 MARIA AMÉLIA, vendido para desmantelamento aos sucateiros Dantas & Leal, Lda., Lisboa.

Gémeo: LAGOA da CNCA, Ponta Delgada.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Miramar Ship Index.

(continua)

Rui Amaro