sexta-feira, 30 de novembro de 2012

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 258



TRÊS SUBMARINOS DA ARMADA NACIONAL DESCEM O APERTADO RIO DOURO SOB DENSO NEVOEIRO

Da esquerda para a direita, NRP ESPADARTE, NRP GOLFINHO e NRP DELFIM, amarrados no lugar da Ribeira, Porto, vendo-se o NRP DOURO amarrado ao cais do Terreiro /foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral - Porto /.

O contratorpedeiro NRP DOURO / autor desconhecido /.

02/07/1946, pelas 06h30, junto da lingueta do Terreiro, lugar da Ribeira, margem direita do Douro, estavam prontos para largar com destino ao porto de Viana do Castelo, os submarinos da armada nacional, NRP DELFIM, NRP GOLFINHO e NRP ESPADARTE, todos eles em 14 pés de calado, que juntamente com o contratorpedeiro NRP DOURO, que largaria no dia seguinte de rumo ao Tejo, estavam de visita à cidade do Porto, a que se juntara também a lancha de fiscalização das pescas NRP DOURADA, afecta ao Departamento Marítimo do Norte. O nevoeiro era cerradíssimo sem que se vislumbrasse maneira de se dissipar, e os submarinos tinham de sair naquela manhã, muito cedo.
Chegado perto das 09h00, o nevoeiro desvaneceu um pouco, e como os pilotos não poderiam esperar mais, porque a maré estava-lhes a fugir, aproveitaram e conferenciando com os comandantes, decidiram-se por largar pelos seus próprios meios, não necessitando da assistência de rebocadores.
O primeiro a desandar proa à barra foi o NRP DELFIM, piloto José Fernandes Amaro Júnior, que entretanto se vê embaraçado com o recrudescimento da névoa junto da penedia das Lobeiras de Gaia, ficando incapaz de distinguir ambas as margens para uma boa orientação, mas agora há que seguir enfrente e silvando, seguido dos outros dois. A lancha das amarrações P5, conduzida pelo seu  experimentado mestre João Luís Gonçalves (Nené), toma a dianteira, para prevenir qualquer obstáculo, pois somente no lugar do Ouro, é que se posicionavam as primeiras bóias.
Seguem rio abaixo, orientando-se pelos ruídos de terra, já de há muito conhecidos. Ruídos das fainas fluviais, da Alfandega, dos carros eléctricos, da Central da Carris, da Fundição de Massarelos, das várias oficinas metalúrgicas, dos estaleiros navais, até que a lancha buzina, assinalando que tem a bóia do Ouro pela proa, e pouco depois a da Ínsua, seguindo-se-lhe a da Cantareira, e passa diante do cais do Marégrafo (Pilotos) e do dique da Meia Laranja sem conseguir ver terra, contudo vale-se do toque do sino do farolim da barra, situado no molhe de Felgueiras, que lhe vai servindo de orientação para passar safo da bóia da barra, e também orientado pela lancha P4, timonada pelo seu experiente mestre Eusébio Fernandes Amaro, e entretanto, o comandante é informado via rádio, que o NRP GOLFINHO e o NRP ESPADARTE por receio dos respectivos comandantes fundearam. O primeiro junto da Afurada, e o segundo no lugar do Ouro, contra vontade dos seus pilotos, respectivamente Joaquim Alves Matias e Bento da Costa. O NRP DELFIM já fora da barra, desembarca o piloto. Note-se que naquele tempo, aqueles submarinos não estavam providos de radar, também pouco ou nada ajudariam.
O piloto José Fernandes Amaro Júnior, antes de desembarcar às 09h45, aconselha o comandante a navegar algumas milhas para oeste e só depois rumar ao porto de Viana do Castelo, a fim de evitar a perigosa e fatídica penedia dos Cavalos de Fão, ao largo da costa de Esposende, sepultura de muitas embarcações, seu procedimento usual, mesmo com outros navios que rumassem a norte. Entretanto, quando a lancha se dirige para a Cantareira, ao aproximar-se da bóia da Ponta do Dente, o nevoeiro levanta um pouco e então vislumbra-se o NRP DELFIM, inexplicavelmente virado a norte à face da costa, o que a continuar nesse posicionamento arriscar-se-ia a encalhar na penedia e talvez devido à rápida intervenção, que aquele piloto teve, não só de assinalar o perigo através da sirene da lancha mas também de abordar, novamente o submarino e indicar o rumo certo a tomar pelo comandante para sair daquele perigoso local, o acidente não se tenha concretizado. O NRP ESPADARTE safou-se na maré da tarde e deixou a barra do Douro sem mais percalços.
O NRP GOLFINHO, após o nevoeiro se dissipar um pouco, e já com a maré a descer passa a barra, sem qualquer percalço. No que respeita ao NRP ESPADARTE, parece que depois de já se encontrar fundeado junto à margem, com o vento e a corrente do rio descaiu e sem que se desse por isso, por falta de visibilidade, ficou encalhado num banco de lama, muito junto à margem, safando-se e saindo a barra ao final do dia, sem mais novidade.
Curiosamente, e se não estou em erro, nesse mesmo dia, o NRP DELFIM encalhava num banco de areia à entrada da barra de Viana do Castelo, tendo sido safo pouco depois.


O NRP DELFIM rumando á doca comercial do porto de Viana do Castelo em 02/07/1946 / Jornal O Comércio do Porto /.

Aqueles três submarinos da 2ª esquadrilha, 69m/ 854td à superfície/ 1.105td em imersão, foram construídos de acordo com o programa naval de 1930, da responsabilidade do ministro da marinha vice-almirante Magalhães Correia, pelos estaleiros Ingleses Vickers-Armstrongs Ltd, Barrow-in-Furness, e foram entregues à Marinha de Guerra Portuguesa conforme segue: NRP DELFIM, 01/12/1934; NRP ESPADARTE, 09/01/1935 e o NRP GOLFINHO, 20/02/1935.
Esta esquadrilha viria a desenvolver a sua intensa actividade até finais de 1950, na qual se realça a participação em todas a manobras e exercícios da nossa Marinha de Guerra, nas águas do continente, Açores e Madeira, a viagem de estudo e soberania realizada pelo NRP GOLFINHO  à Guiné em 1939 e a visita do NRP GOLFINHO e do NRP DELFIM a Sevilha nas vésperas de eclodir a 2ª Guerra Mundial.
Durante este período conturbado da História Mundial garantiram também o treino e a experimentação de novas tácticas anti-submarinas às nossas unidades de superfície. Não será demais afirmar que a esquadrilha de submarinos, embora fazendo parte de uma Nação não beligerante se mantinha pronta para combate.
No dia 07/12/1950 efectuava-se a cerimónia de desarmamento daqueles três submarinos, que foram vendidos a um sucateiro com estaleiro localizado numa das margens do estuário do Tejo, depois de se ter negociado com o governo Inglês, a cedência de três submarinos com um pouco mais de três anos de serviço, que foram rebaptizados de NRP NARVAL, NRP NAUTILO e NRP NEPTUNO, e passaram a pertencer à 3ª esquadrilha. O NRP GOLFINHO sofreu um violento incêndio.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Marinha de Guerra Portuguesa
 (continua)
Rui Amaro

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SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 257


A TRAINEIRA ESPANHOLA “EVANGELINA” ´DEMANDA O RIO DOURO DETIDA POR SE ENCONTRAR A PESCAR EM ÁGUAS TERRITORIAIS PORTUGUESAS


A traineira EVANGELINA é a primeira a contar da esquerda / O Comércio do Porto /


A lancha de fiscakização NRP DOURADA no rio Douro

A 22/05/1946, pelas 15h00, apareceu à vista a traineira de arrasto Espanhola EVANGELINA, da praça de Vigo, que por se encontrar a fainar em águas territoriais portuguesas, dentro das 12 milhas, foi interceptada e detida ao largo de Esposende pelo NRP DOURADA, lancha de fiscalização das pescas, que a comboiou até ao rio Douro. Pelas 16h00, ambas as embarcações entraram a barra do Douro indo o NRP DOURADA, piloto Hermínio Gonçalves dos Reis, amarrar às bóias do quadro dos vasos de guerra, localizado no lugar do Bicalho e a EVANGELINA, piloto José Fernandes Amaro Júnior, atracar à prancha-cais do Frigorifico do Peixe, Massarelos.
Visto o peixe capturado, possivelmente ir ser apreendido e distribuído por asilos ou instituições de solidariedade, o mestre presenteou, procedimento voluntário normal nestas ocasiões, a lancha de pilotar e a da amarração com três cestas de peixe variado, como pescada, parvo, ruivo, capatão, faneca, etc., peixe esse, que foi distribuído pelos elementos a bordo das duas lanchas e pelos pilotos embarcados no NRP DOURADA e na traineira EVANGELINA. O autor ainda hoje se recorda das quatro enormes pescadas, dentre outras espécies, que couberam por partilha ao seu pai, as quais tiveram de ser consumidas de imediato, visto naquele tempo não haver arcas frigorificas domésticas, tendo parte sido oferecida a vizinhos e amigos.
Alguns dias depois o mestre da EVANGELINA foi presente a tribunal marítimo e condenado ao pagamento da respectiva multa, que foi liquidada pelo seu representante e após as formalidades legais deixou o rio Douro, rumando a Vigo, seu porto de armamento. Alguns meses mais tarde, o NRP CORVINA, lancha de fiscalização das pescas, em poucos dias apresou nada mais, nada menos do que trinta embarcações de pesca Espanholas, por se encontrarem a pescar em águas territoriais portuguesas. Essas embarcações vieram para o porto de Leixões, entre as quais se contava a traineira EVANGELINA, a fim dos respectivos mestres responderem em tribunal marítimo.
Fonte: José Fernandes Amaro Junior
(continua)
Rui Amaro

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terça-feira, 27 de novembro de 2012

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 256


O IATE-MOTOR “OLHANENSE” QUANDO SE PREPARAVA PARA DEMANDAR A BARRA SOFRE UMA AVARIA NO MOTOR

A 07/05/1946, pelas 14h00, o piloto José Fernandes Amaro Júnior embarcara fora da barra no iate-motor português OLHANENSE, 26m/87tb da praça de Olhão, que desde manhã cedo, ancorado ao largo de Carreiros, aguardava piloto e maré para demandar a barra do Douro.
Aquele navio, que procedia de Setúbal com um carregamento de sal, quando acabara de suspender o ferro e se preparava para se aproximar da barra, avariou-se-lhe o motor ficando impedido de navegar pelos seus próprios meios. Em face da situação, dado que o OLHANENSE não estava equipado com radiotelefone, foi içado num dos seus mastros, o grupo de bandeiras correspondente a “Peço rebocador urgente”. Sinalização essa, que deveria ter sido reconhecida pela estação semafórica do Monte da Luz, todavia não tendo havido o sucesso desejado, foram feitos toques consecutivos da sirene de bordo, também sem sucesso.
O piloto José Fernandes Amaro Júnior, visto a maré estar a aproximar-se, não esperou mais. Foi lançado ao mar um escaler e à força de remos veio varar à praia do Molhe de Carreiros e então aquele piloto telefonou para a estação de pilotos da Cantareira, para tratarem do envio urgente de um rebocador, ficando o seu colega de serviço à estação, muito surpreendido por aquele piloto estar a ligar de terra, quando o fazia estar a bordo. Nem o sinaleiro dos pilotos no castelo da Foz, assim como o telegrafista no Monte da Luz, deram pelo aviso de bandeiras nem pelo toque insistente da sirene de bordo. Chegado o rebocador MERCÚRIO 2º, foi o OLHANENSE rebocado, passando a barra às 17h00, já com água de vazante, indo atracar ao cais do Terreiro, sem mais novidade.
OLHANENSE – Data-base não encontrada.
Fonte: José Fernandes Amaro Júnior

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 255


RECORDANDO O NAUFRÁGIO DO LUGRE-MOTOR “MARIA ONDINA” NO CABEDELO DA BARRA DO DOURO

O MARIA ONDINA encalhado na restinga do Cabedelo

A 16/04/1946, a meio da tarde, a notícia correu pela cidade do Porto com a rapidez com que sempre se propagam as más novas. A passagem do material de socorros a náufragos dos bombeiros – Sapadores e Voluntários – que se dirigiam para os lados do mar, maior volume deu ao alarmante boato de que na Foz do Douro, à entrada da barra, se registara novo e grave acidente.
E, uma vez mais, a já velha e revelha questão do mau estado da barra do Douro – tantas e tantas vezes debatidas nas colunas de “O Comercio do Porto”, se avivou na memória de toda a gente e se produziram os mais acres comentários pelo incompreensível abandono a que a sua solução tem sido votada.
Desta vez, felizmente, não houveram vitimas a lamentar, mas mesmo, assim, as centenas de pessoas que presenciaram o acidente viveram momentos de angústia, dentre as quais o autor do blogue, ainda com nove anos de idade, vendo a dois passos da morte uma dúzia de homens que só a muito custo se salvaram.
O desastre que a seguir se relata nos seus lances principais, não se devia, nem poderia ser atribuído a outra coisa, que não seja à difícil passagem que a barra do Douro oferecia. As últimas cheias do rio e a velocidade da corrente arrastaram grande quantidade de areia deixando o estreito canal um pouco mais livre, mas isto não basta. Segundo testemunho dos práticos, a barra não oferecendo espaço suficiente para a mais pequena manobra, só não é perigosa desde que um “estoque de água” não desvie do seu caminho – do caminho indicado pelos pilotos, que como práticos o conhecem bem – o navio que sai ou entra no rio Douro. Então a passagem é fácil, para qualquer navio.
Um pouco depois do acidente, o vapor Holandês ODYSSEUS, de maior porte foi de saída, sem sofrer qualquer incidente e o enxame de bateiras com os seus tresmalhos da pesca do sável na água, rodeavam o lugre em perigo, como se nada de anormal estivesse a ocorrer.
O sinistro verificou-se pelas 15h00, sem que nada o fizesse prever. O mar, embora ligeiramente picado, não oferecia perigo. E o vento Nordeste, não soprava tão rijo, que impusesse a adopção de providências especiais.
O MARIA ONDINA, um lugre de motor auxiliar, de boa construção, bem posto à prova em longas viagens de alto mar, mesmo nos mares gelados do Noroeste do Atlântico, chegara pelas duas horas da madrugada e fundeara ao largo, a fim de aguardar maré e piloto. Procedia de Setúbal e trazia um carregamento de cerca de seiscentas toneladas de adubos, e vinha consignado aos agentes M. Almeida & Santos, Sucrs, da praça do Porto.
A entrada a bordo do piloto feita à hora em que a maré oferecia melhores probabilidades para demandar a barra, verificou-se pouco antes das 15h00. O MARIA ONDINA com o motor auxiliar no máximo da sua força aproxima-se da bóia da barra, sob as indicações do experimentado piloto Jaime da Silva Martins, e iniciou a travessia do canal. A sua marcha era razoável, e a operaçãp em tudo decorria com absoluta normalidade.
Num momento, porém, tudo se transformou, tomando aspectos de tragédia iminente, com todo o seu cortejo de dúvidas angustiosas, de terriveis ansiedades.
Já dentro da barra, no local denominado Ponta do Dente, o lugre começou a diminuir progressivamente de andamento, e a agitar-se de estranhas sacudidelas, ora guinando para bombordo e logo de seguida para estibordo, e começando a descair para cima da temerosa restinga do Cabedelo, cemitério de navios, fora apanhado pelas assustadoras “águas de ronhenta” ou fortes “estoques de água” muito caracteriscos na barra do Douro, após cheias.
O piloto num esforço supremo para evitar o desastre iminente multiplicou as suas rápidas e ágeis manobras, que a sua experiencia e saber lhe aconselharam, mandou içar a vela do traquete, a fim de auxiliar a marcha, e tudo tentou para impedir de o navio se aproximar da restinga, ali mesmo a estibordo, onde acabou por se deter encalhado, rodeado de bastante agitação marítima, muito usual naquele ponto da barra.
Nada mais havia a fazer, senão tratar de procurar salvar a tripulação. A sorte do MARIA ONDINA estava decidida. De terra, já muitos corações o haviam pressentido, e, por isso, quando o pessoal da lancha de pilotar P4, sob o comando de mestre Eusébio, se fez à abordagem, em área de pouco fundo e cheia de bancos de areia, indiferente a todos os riscos
O salvamento de nove tripulantes e do piloto Jaime da Silva Martins teve lances emocionantes, A lancha-motor P4, que acompanhara as manobras para a entrada do lugre, tinha como mestre Eusébio Fernandes Amaro, motorista Joaquim Jeremias e como marinheiro Alexandre Duarte, Estes três homens, logo que se aperceberam da iminência do perigo que os tripulantes do MARIA ONDINA corriam, esqueceram a sua própria segurança para salvá-los. Mantendo tão próximo quanto lhes era possível, a lancha do costado navio desgovernado, foram-no acompanhando até recolherem a bordo nove dos homens da tripulação e o piloto Jaime da Silva Martins, por diferentes vezes uma ou outra vaga mais alterosa elevou na sua crista de espuma a frágil lancha, ameaçando ora voltá-la, ora projectá-la contra o costado do navio naufragado, mas sempre acabando por afastá-la, e outras tantas vezes se viu a pequena gasolina tentar nova abordagem, recolhendo sempre mais um homem, salvando mais uma vida.
De terra, a multidão, emocionada, gritava e pedia o salvamento dos restantes homens que se viam no convés do navio perdido. Mas a partir de determinada altura, a lancha não podia continuar a arriscada aventura. O MARIA ONDINA descaindo cada vez mais para o sul, tocou na primeira restinga, onde se deteve uns escassos minutos com estremecimentos que se propagavam desde a quilha aos mastaréus. Depois libertado por uma volta de mar maior, soergeu-se num esforço de ser vivo ferido de morte que quer lutar ainda para viver.
Mais adiante novo encalhamento. Caíu sobre a sua língua de areia, que prolonga a restinga pelo mar dentro, o fatídico banco da barra. O seu estremecimento – notaram-no todos - foi maior, mais duradouro, e mais lento. Denunciava o cansaço e o desalento de moribundo que vê toda segurança perdida. O mar ergeu-o, uma segunda vez – e foi depô-lo, agora definitivamente sobre o banco de areia, onde o deixou, finalmente à sua inteira mercê.
Entretanto, dois homens que haviam ficado a bordo, que os bravos homens da lancha de pilotos não tinham podido salvar, o capitão e o seu imediato, agitavam os braços num apelo angustioso para que alguém os socorresse. Mas o mar, naquele local, não permitia que qualquer embarcação se aproximasse.

Dois náufragos no cais do Marégrafo da Cantareira, no meio da foto distingue-se o piloto Aristides Pereira Ramalheira. 

Os movimentos que, então, viveram quantos assistiram ao pavoroso quadro não se descrevem. Como se cada pessoa tivesse naqueles dois homens lá longe entregues ao seu destino, um parente querido, um pai, um irmão, todos chamavam e imploravam que alguém os fosse buscar, e os livrasse da morte certa inevitável.
O barco salva-vidas da estação da Afurada, que saiu para o mar, logo após o alarme, tentou, então, a ousada empresa. À força de remos, correndo a todo momento o risco de ir esmagar-se contra o MARIA ONDINA, procurou, a sua equipagem, aproximar-se o mais possível, resultando vãos todos seus esforços. Foi uma luta titânica, emocionante, que ninguém deixou de acompanhar angustiado ante a iminência do perigo e empolgando perante a grandeza de alma daqueles quinze homens simples e corajosos.
O salva-vidas da estação da Foz do Douro, foi o primeiro a fazer-se ao naufrágio, capitaneado pelo seu patrão Zé Bilé e como sota, o piloto José Fernandes Amaro Júnior, mas teve de regressar à Cantareira por indisposição de dois remadores. A ideia daqueles dois homens era saírem a barra e contornar o MARIA ONDINA pelo lado sul, onde a ondulação era menor, e tentar a abordagem ou aguadar que os dois oficiais se lançassem à água, e recolhê-los. Operação essa realizada com êxito, um pouco mais tarde pelo salva-vidas do centro piscatório da Afurada.
Os bombeiros, tanto os Sapadores do Porto, como os Voluntários do Porto e os Portuenses, como os Voluntários de Matosinhos-Leça e os de Leixões, que compareceram com material adequado para socorros a náufragos, prestaram também serviços dignos de todo o louvor.
A Lancha dos Pilotos P4 trouxe para terra os nove homens da tripulação do MARIA ONDINA, e estes, não podendo acreditar na possibilidade do seu capitão e imediato perecerem, juntaram ao das outras pessoas o seu apelo para que esses dois homens fossem salvos.
Muitas embarcações dos pilotos e particulares transportavam os bombeiros e seu material desde a Cantareira para o areal do Cabedelo.
A única possibilidade que então, se apresentava, era a do salvamento ser tentado por meio de um cabo de vai-vem a estabelecer entre terra firme e o navio encalhado. Era esta, a tarefa que se encarregaram sem perda de tempo, os Voluntários de Matosinhos-Leça, sob as ordens do seu segundo-comandante António Neves.
Valiosamente coadjuvados pelos pilotos e por bombeiros do Batalhão de Sapadores Bombeiros, foram lançados, para bordo três foguetões. O primeiro não alcançou o barco; o segundo, por a espia haver partido não teve sucesso. Finalmente, o terceiro atingiu um dos mastros, ao qual a espia ficou presa. E um grito de alívio saiu da boca dos circunstantes.
O perigo para os dois homens que estavam a bordo aumentava de momento a momento, grandes vagas, caindo sobre o convés, varriam-no e tornavam arriscadíssima a manobra para o estabelecimento do cabo de salvação. Então os dois homens, após um sinal feito aos tripulantes do salva-vidas da Afurada, que continuavam a esforçar-se para não se afastarem do local, resolveram lançar-se á água.
Novos e indiscritíveis momentos se viveram. Poderia ser aquele, o último acto da tragédia.
Graças. Porém, à dedicação dos bravos pescadores da Afurada, do patrão Maximino Ferreira, que capitaneava aquela equipa de obscuros heróis, a sanha do mar foi vencida ainda uma vez mais. E os dois homens puderam ser retirados da água. Poupados ao mar que estivera para ser seu epulcro.
A lancha dos pilotos foi ao encontro do salva-vidas, e o trouxe a reboque para as escadas dos Pilotos, no cais do Marégrafo.
E centenas de populares saudaram os náufragos e os seus valentes salvadores: Os dois homens retirados da água, exaustos e encharcados, foram tratados pelos tripulantes do salva-vidas com extremoso carinho. Os pescadores da Afurada despojaram-se das suas roupas para que eles se vestissem e se agasalhassem. Mas isso não chegou a que chegassem a terra em estado de algidez trespassados pela frialdade da água.
Os Voluntários do Porto transportaram-nos logo ao Hospital Geral de Santo António numa auto-ambulancia. E, naquela casa hospitalar, os médicos de serviço drs. Manuel de Araújo e Lemos Ferreira, auxiliados pelos enfermeiros Seixas e Isaías, prodigalisaram-lhes todos os cuidados. Foram-lhes fornecidos café bem quente e “cognac”.
Depois de restabelecidos, foram levados aos escritórios da firma consignatária do lugre, M. Almeida & Santos Sucrs., da Rua Nova da Alfandega, 36, onde se reuniram os outros membros da tripulação: Jerónimo Luis Fernandes, António Soares Vilhão, Amadeu Teixeira, Horácio Sarmento Fernandes, Manuel Domingos Pata, Manuel de Jesus Rocha, Manuel Bitata, Manuel Gomes Soares e Jerónimo Mesquita Fernandes. Com excepção do Amadeu Teixeira, que é de Celorico de Basto, do Jerónimo Fernandes, que é de Viana do Castelo, e do Manuel Gomes Soares, que é de Vila Nova de Gaia, todos os outros são de Ilhavo, de onde são também, o capitão Belarmino de Oliveira, e o imediato Marçal Santos Saltão.
José da Silva Mendonça, gerente da firma consignatária do MARIA ONDINA, prestou aos náufragos toda a assistência de que eles careciam. Além de lhes oferecer bom vinho velho do Porto, forneceu-lhes vestuário, calçado e tabaco, facultando-lhes ainda, o telefone para comunicarem às suas famílias o feliz desfecho da sua aventura.

O salva-vidas VISCONDE DE LANÇADA, da estação da Foz do Douro. 

A bordo do MARIA ONDINA, que o mar deve agora desfazer mais ou menos lentamente, se não ocorrer alguma tempestade que abrevie o seu fim, ficou um pobre cão. A tripulação antes de abandonar o barco, tentou trazê-lo consigo, mas não o conseguiu.
Nos escritórios da firma M. Almeida & Santos Sucrs, enquanto aos náufragos era prestada toda a assistência pelo seu gerente, o capitão do MARIA ONDINA falou à imprensa sobre a história da sua aventura: Belarmino de Oliveira, de 50 anos de idade, natural de Ilhavo, residente na Rua Visconde da Granja, Aveiro, disse aos jornalistas:
- Chegamos à barra à duas horas da madrugada. Levantámos ferro de Setúbal, com um carregamento de 550 toneladas de adubos ensacados. A viagem, embora com pouco mar, fez-se normalmente. Há hora da maré, metemos piloto e entramos a barra. O imediato Marçal dos Santos Saltão, de 46 anos, residente em Lisboa, na rua São João da Maia, acrescentou:
- Os “estoques de água” eram grandes. O açoreamento do colo da barra, devido á “ronheta”, fez encalhar o barco. Eu e o capitão ficamos a bordo. O nosso receio era a de que o barco se se atravessasse e, com o mar que fazia eramos arrastados. Assim, atiramo-nos ao mar e nadamos.
O capitão, com timbre, falou do MARIA ONDINA:
- Meu rico barco disse ele, há cinco anos que andava embarcado, e portou-se sempre bem. A força da água, os “estoques da água” e insuficiência da barra, fê-lo guinar para o sul, e perdeu-se.
O rebocador fluvial MERCURIO 2º ainda chegou a vir à barra, mas já era tarde demais.
O piloto Jaime da Silva Martins, durante a sua vida de prático da barra, foi protagonista de dois outros encalhes: 1954 navio-motor Português COLARES encalhado no cais do Touro, quando demandava a barra já com uma hora de vazante, e na década de 60 foi a vez do navio-motor Norueguês SILJA, frente a Sobreiras, devido ao denso nevoeiro, quando ia de largada.
MARIA ONDINA – data base, ver episódio no. 253
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, jornal O Comercio do Porto.
Imagens: Jornal O Comércio do Porto.

(continua)
Rui Amaro

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SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E POR-TO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 254

O PRIMEIRO NAVIO DE BANDEIRA INGLESA A DEMANDAR O RIO DOURO NO PÓS GUERRA 1939/45 FOI O “SPRINGWOOD”



A 27/03/1946, pelas 10h00, demandou a barra do Douro pela primeira vez, o navio-motor Inglês SPRINGWOOD procedente de Midlesborough com carga diversa, ao serviço do armador Joseph Constantine Steamship Line Co., Ltd., Midlesborough, agenciado na praça do Porto pela firma E.A.Moreira & Ca. Lda. O piloto José Fernandes Amaro Júnior, que conduziu a manobra, foi amarrar aquele navio, que vinha em 16 pés de calado, no lugar do Oeste da Cábrea a dois ferros, cabos estabelecidos para terra e ancorote dos pilotos pelo sudoeste.

Nada de importante mereceria qualquer referência, se o SPRINGWOOD não tivesse sido o primeiro navio de nacionalidade Inglesa a escalar o rio Douro, após o conflito mundial, o que foi motivo de grande regozijo para as populações ribeirinhas do Porto e Gaia, muito especialmente para a classe marítimo-portuária. Seguiram-se-lhe o SPRINGSHAVEN e alguns meses mais tarde os seguintes: ANDONI, COXWOLD, e um duo de maior porte, acabados de construir AVONWOOD e EDENWOOD. Os navios-motores holandeses SAN ANTONIO e ALGARVE foram as primeiras unidades mercantes estrangeiras a entrar no rio Douro no pós-guerra, alguns meses antes.



SPRINGWOOD – imo 1164679/ 72m/ 1.177tb/ 8 nós; 07/1936 entregue por Short Bros, Ltd., Sunderland, a Springwell Shipping, Ltd., Londres; 1937 HIGHWOOD, Springwell Shipping, Ltd., Londres; 19__ SPRINGWOOD, Springwell Shipping, Ltd., Londres; 1954 SPANKER, Witherington Everett, Newcastle-on-Tyne; 07/08/1954 naufragou e foi atirado sobre o molhe norte de Hook of Holland em viagem de Roterdão para Londres, e considerado perda total, foi desmantelado no local. A sua tripulação foi resgatada na totalidade.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Miramar Ship Index, Ships Nostalgia.

(continua)

Rui Amaro


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DESEMBARQUE DE DOIS INTERNAMENTOS HOSPITALARES DO AUTOR DO BLOGUE


O navio-hospital Português GIL EANNES demandando o porto de Leixões em 1959 vindo dos Grandes Bancos da Terra Nova e Gronelândia onde prestou assistência aos navios bacalhoeiros.. 


AGRADECENDO O INTERESSE MANIFESTADO PELA RÁPIDA RECUPERAÇÃO DA MINHA SAÚDE, É COM IMENSA ALEGRIA QUE LHES COMUNICO O MEU DESEMBARQUE DAS NAVES HOSPITALARES “SANTO ANTÓNIO DO PORTO” E “IPO DO PORTO” NO QUAL FUI MUITO BEM TRATADO E ACARINHADO PELO PESSOAL MÉDICO, RESPECTIVAMENTE DE CIRURGIA 1 E UROLOGIA E RESPECTIVA ENFERMAGEM, ETC., QUE DESDE AQUI SAÚDO.
O MESMO NÃO POSSO AFIRMAR DE ALGUNS UROLOGISTAS DO HGSA QUE COM A SUA “SABEDORIA” EM ACTIVAÇÃO/DESACTIVAÇÃO DE ESFINCTER URINÁRIO ARTIFICIAL, POIS TUDO LEVA CRER QUE O DANIFICARAM DADO QUE FUI INTERNADO COM O ESFINCTER EM BOM FUNCIONAMENTO E ACABEI POR FICAR NUM ESTADO LASTIMOSO, TENDO RECORRIDO AO IPO ONDE FELIZMENTE CONSEGUI SOBREVIVER.
AGORA UM POUCO MAIS RECLASSIFICADO SINTO-ME EM MELHORES CONDIÇÕES PARA CRUZAR AS SEMPRE TEMIVEIS E PERIGOSAS ÁGUAS E MARES DAS BARRAS, A FIM DE POSTAR NOVOS RELATOS E EPISÓDIOS.
UM MUITO OBRIGADO A TODOS
SAUDAÇÕES MARITIMO-ENTUSIÁSTICAS
RUI AMARO