quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 200

O PORTO DE LEIXÕES NOVAMENTE SOB OS EFEITOS DE TEMPORAL DESFEITO
 
O vapor de pesca ALTAIR varado junto da praia do Pescado e pela sua popa o vapor BROHOLM acabado do encalhar / foto do jornal O Comercio do Porto /.

13/04/1937, na manhã de ontem passou por Leixões um tufão que produziu grandes prejuízos, um vapor encalhado e outros em perigo de naufragar, dentre os quais o NRP BARTOLOMEU DIAS, que esteve na iminência de encalhar, tudo isto dentro do porto de Leixões.
O temporal que mais uma vez assolou o porto de Leixões, começou sentir-se mais acentuadamente ao princípio da noite de anteontem Domingo. O vento soprava do quadrante sudoeste, aumentando de momento a momento a sua intensidade. O mar agitou-se muito, por tal motivo tornou-se perigosa a situação das embarcações ancoradas na Bacia. Como medida preventiva o capitão do porto de Leixões, Comandante Carlos Rodrigues Coelho, ordenou que fossem reforçadas as amarrações das embarcações ali surtas, ordenando que algumas procurassem fundear nos ancoradouros mais abrigados, nomeadamente traineiras e fragatas que se encontravam ancoradas a meio da Bacia.
O paquete Inglês HILARY, da Companhia Booth Line, de Liverpool, que havia chegado no Domingo, procedente daquele porto, para receber passageiros e carga para o Amazonas, mais propriamente para os portos de Belém do Pará, Manaus e Iquitos teve de suportar durante bastante tempo o forte temporal. O comandante do HILARY vendo a segurança do seu vapor muito ameaçada, dada as grandes dimensões do paquete e o atravancamento do porto, tomou a decisão aconselhada pela sua larga experiência de homem do mar e com longa pratica do porto de Leixões, mandando pôr as caldeiras em pressão para o que desse e viesse.
O temporal longe de abrandar redobrava de violência cada vez mais, não permitindo sequer que mesmo dentro do porto, desembarcasse o piloto, empregados da agência consignatária Garland, Laidley, Roberto Spratley da Silva, Aurélio Ramos, etc., mestre-estivador António Lourenço, chefe-conferente José Soares, estivadores, conferentes e autoridades, que no exercício das suas funções se encontravam a bordo.
Pelas 22h30, o comandante do HILARY vendo que a tempestade ameaçava agravar-se, e aconselhado pelo piloto da barra Mário Francisco da Madalena, suspendeu ferros, saindo para o mar de rumo a Lisboa, porto regular de escala, levando todo aquele pessoal a bordo. Como as manobras de saída eram de certo risco, o rebocador MARS 2º, da companhia, conduzido pelo mestre Marcelino Justino e tendo como maquinista Firmino Neves, manteve-se junto, até o paquete da linha Pará/Manaus cruzar os molhes, fazendo-se ao largo, sob maresia desfeita, e foi uma decisão acertada do piloto da barra e do comandante, pois se o paquete permanecesse dentro do porto, e com o temporal a crescer, talvez se viesse a assistir a um grande desastre, a juntar aos outros navios ainda encalhados, aquando do ciclone de 27 de Janeiro passado e à carcaça do paquete ORANIA, semi-afundado, o que dava a entender haver interesses para que não fosse salvo ou demolido para "lhesrender mais alguns cobres".
Aqueles funcionários da casa de navegação Garland, Laidley, no inicio da década de 60, quando o autor do Blogue entrou ao serviço daquela firma, contavam-lhe, que passaram uma viagem tormentosa, com o mar a saltar aos tombadilhos superiores, mesmo à entrada da barra do Tejo.
Entretanto, cerca da meia-noite o temporal aumentou demasiadamente, soprando o vento com velocidade de autentico ciclone, pelo que algumas embarcações estiveram em risco de partir as amarras e soçobrarem, apitando as sereias em aflitivos pedidos de socorro, pelo que o salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, em rigorosa e continua prevenção, acorria pressuroso ajudando a mudar de ancoradouro uns e reforçando as amarras de outros num labor constante e exaustivo. Uma dessas embarcações, o iate-motor Português JOÃO JOSÉ 1º, chegou a garrar descaindo, perigosamente sobre uma fragata que esteve quase a afundar-se.
O aviso de 1ª classe NRP BARTOLOMEU DIAS que veio a Leixões, pelo motivo da visita do Chefe de Estado, General Carmona, à cidade do Porto, chegou a correr sério risco de encalhar, pois devido á forte ventania e mar a partir dentro da área portuária, garrou sendo impelido na direcção do lugar do Senhor do Padrão, junto ao molhe Sul. Valeu-lhe o facto de a bordo, a guarnição estar a postos na eminência de qualquer eventualidade, prontamente as possantes máquinas entraram em acção, e ao cabo de algumas manobras habilmente dirigidas pelo prático Francisco Soares de Mello, aquela magnifica e moderna unidade da armada nacional, estava de novo em bom fundeadouro.
O balanço do temporal no porto de Leixões não podia deixar de incluir pelo menos mais um acidente marítimo, e de facto mais um vapor de carga lá ficou encalhado, e isto dentro de um "porto de abrigo", que de abrigo só tinha o nome, ali quase junto do vapor de pesca ALTAIR, que o vendaval da noite de 27 de Janeiro passado, arremessou sobre as penedias da praia do Pescado, a poucas centenas de metros da carcaça do paquete ORANIA, que emerge ainda das águas à entrada do porto e continuará sabe se lá até quando.
O vapor naufragado desta vez é de nacionalidade Dinamarquesa, o BROHOLM que entrara Domingo pelas 17h00 procedente de Lisboa com destino ao rio Douro, a fim de receber carregamento de vinho em cascos e caixas, e caixas de ardósias com destino a Copenhaga. Trazia estivados no convés uma grande quantidade de fardos de cortiça tendo fundeado a nordeste na bacia, a fim de se abrigar do mau tempo, por a barra do Douro estar encerrada.
Como o mau tempo se estivesse a deteriorar e o navio a ir de garra, pela manhã o piloto José Fernandes Tato resolveu mudar de fundeadouro para o que reclamou o auxílio do rebocador MARS 2º. Eram 08h30 quando se procedeu à manobra, e suspensos os ferros, e no momento em que o MARS 2º o auxiliava a manobrar, umas rajadas mais violentas de vento batendo-lhe fortemente num dos bordos, pois o vento mudara bruscamente do quadrante sudoeste para oés-noroeste impeliu-o sobre as pedras da praia do Pescado, onde acabou por encalhar, e deve ter ficado preso nos rochedos a meia-nau, porque momentos depois outra rajada de vento fazia-o rodar sobre o seu eixo mudando-lhe a proa para o lado onde estava a popa, a praia do Pescado, de Matosinhos. Do rebocador foi-lhe passado uma forte amarreta sendo feitas várias tentativas para o retirar daquela situação, o que não foi conseguido por rebentarem os cabos. O BROHOLM, que além dos fardos de cortiça trazia muita carga diversa tinha a bordo 28 homens da tripulação, dos quais 16 foram retirados para terra pelo salva-vidas CARVALHO ARAÚJO. Compareceram também os Bombeiros Voluntários de Matosinhos e Leça e os Voluntários de Leixões com o seu material de socorros a náufragos, cujos bons serviços felizmente não chegaram a ser necessários. A bordo permaneceram o capitão A. Henriksen e alguns oficiais e marinheiros. Ao princípio da tarde foi feito a bordo a vistoria da praxe pela autoridade marítima e seguradora, verificando-se que o vapor havia sofrido alguns rombos, tendo água nos porões nºs 2 e 3 e achando-se ainda totalmente inundadas a casa das máquinas e as caldeiras, assim como todas as divisões e compartimentos situados abaixo da linha de flutuação. Na preia-mar verificou-se ainda que a água já tinha alguns pés à popa e avante denunciando claramente achar-se o barco assente e preso nas pedras. Embora sejam mínimas as esperanças de salvar o vapor pelo motivo dos grandes rombos sofridos e ainda da sua critica posição deve ser tentada a sua retirada do local depois de descarregadas por completo as mercadorias. Para esse efeito, vem já a caminho de Leixões o salvadego Dinamarquês GEIR.
Não obstante o mau tempo, foi avultado o número de pessoas que se dirigiu a Leixões para observar o vapor e presenciar os trabalhos de salvamento e da tripulação.
Resta acrescentar que BROHOLM tempos mais tarde foi posto a reflutuar, e voltou ao serviço comercial.

O paquete HILARY largando do Tejo (note-se que o autor do quadro, certamente desconhecia que o porto de Lisboa sempre foi em Portugal e não no Brasil, olhando às cores da bandeira hasteada no mastro de vante / quadro de autor desconhecido - calendário da Booth Line de 1951 /.

HILARY – imo 1162350 – Aquele que foi um dos mais emblemáticos paquetes a escalar o porto de Leixões, antes e no pós-guerra fora construído em 1931 pelos estaleiros Cammel Laird & Co., Ltd., Birkenhead, apresentava, ao contrário da maioria dos navios do seu tempo, as antigas linhas tradicionais, que sempre lhe deram um aspecto agradável e elegante. As suas principais características eram muito aproximadas às do velho HILDEBRAND, que iria substituir na famosa linha do Norte do Brasil e Amazonas – “1.000 miles up the Amazon” – , embora com lotação para menor número de passageiros, que totalizava acomodação para 330 passageiros de 1ª e 3ª classes. O seu comprimento f.f. era de 135m e deslocava 7.403tb, atingindo uma velocidade de 14 nós. Tinha alguma tripulação de nacionalidade Portuguesa, sobretudo na área de cabine e messe. Como todos os vapores da Booth Line, no porto de Leixões era mais identificado como “Pará e Manaus”. Embora o seu destino final fosse o porto fluvial de Manaus, muita da carga destinava-se aos portos fluviais de Letícia, na Colômbia e Iquitos, no Peru. Aquela carga era baldeada naquele porto Brasileiro para navios fluviais da própria companhia, que também recebiam carga de exportação para a Europa e Estados Unidos. 
A sua actividade calma de navio de passageiros foi interrompida durante o período da guerra de 1939/45, durante a qual desempenhou importantes missões recordadas num quadro patente no seu salão principal. Requisitado pelo Almirantado em Dezembro de 1940, foi primeiramente utilizado no serviço de vigilância marítima e em Maio de 1941 interceptou o petroleiro Italiano RECCO, 350 milhas a Norte dos Açores, contudo a tripulação Italiana sabotou o seu vapor, Também interceptou e capturou o vapor Italiano GIANNA M e uma tripulação de presa levou-o para o porto de Belfast. A partir de Abril de 1942 como transporte naval de infantaria, tomou parte activa nas operações de desembarque aliadas na Europa, sendo navio chefe das forças navais, que participaram nos desembarques da Sicília e Anzio. Em Maio de 1942, em pleno Atlântico Norte, foi perseguido e torpedeado por dois submarinos Alemães, felizmente o torpedo, que o atingiu a meia-nau não detonou e em Junho de 1944 comandou uma das forças navais na invasão da Normandia – “D-Day” –, tendo sido atingido por uma bomba perdida, que lhe causou uma pequena avaria. Regressou ao porto de Liverpool, após a rendição da Alemanha Nazi e, depois de sofrer beneficiações, retomou o seu lugar na linha do Norte do Brasil e Amazonas.
Com a entrada ao serviço do novo paquete HILDEBRAND e mais tarde do HUBERT, falou-se muito na sua retirada do serviço o que não chegou a concretizar-se. Partiu então para os estaleiros de Anvers, onde foi submetido a demoradas reparações, que incluíram melhoramentos nas instalações destinadas aos passageiros, cujo número foi reduzido para 230, e, quando reentrou em actividade apresentava uma particularidade na Booth Line, a cor preta do casco tinha sido substituída pela branca, o que lhe dava um aspecto muito deslumbrante.
Retomou as actividades em Abril de 1956 com alteração da rota, pois passou a incluir escalas em Port of Spain, Trindade e Tobago, nas Caraíbas, onde embarcava emigrantes nativos para Liverpool, os quais na sua escala em Leixões, espalhavam-se pela vila de Matosinhos e pela cidade do Porto, dando um certo colorido a ambas as urbes. Foi, posteriormente fretado à Elder Dempster Line, realizando algumas viagens à costa ocidental de África, até que a perda do HILDEBRAND em 25/09/1957, próximo de Cascais, o levou de novo a sulcar águas Portuguesas e Brasileiras, acabando algum tempo depois por amarrar no porto de Liverpool, de onde largou em Setembro de 1959 para o Inverkeithing na Escócia, onde foi demolido pelos sucateiros T.W.Ward Ltd., após 28 anos de intensa actividade.
O NRP BARTOLOMEU DIAS surto no rio Douro, lugar do Sandeman, margem de Gaia, em 24/05/1952, a fim de em conjunto com NRP TEJO prestarem honras militares ao Chefe de Estado, General Craveiro Lopes, que se deslocara à região do Grande Porto para inaugurar várias obras públicas de grande vulto.  O NRP BARTOLOMEU DIAS com os seus 103,20m foi o vaso de guerra de maior porte que alguma vez demandara o porto do Douro / foto de F. Cabral, Porto /.

NRP BARTOLOMEU DIAS – Aviso de 1ª classe/ imo 6109586/ cff 103,20m/ boca 13,07m/ pontal 6,17m/ Deslocamento máximo 2.478tons/ raio de acção 8.000 milhas à velocidade 10nós/ duas caldeiras aqui-tubulares/ potência de máquina 8.000SHP/ 2 hélices/ armamento 4 canhões de 120mm, 2 de 76mm as., 8 de 20mm aa, 4 morteiros, 2 lança-bombas e, eventualmente, 40 minas, com calhas de lançamento/ capacidade de combustível (nafta), 600tons - velocidade máxima 21nós/ guarnição 13 oficiais e 202 sargentos e praças/ Identificação uma faixa branca; Construído para a Armada Portuguesa, nos estaleiros Britânicos Hawthorn Leslie & co., Ltd., de Newcastle-upon-Tyne, em 1935, foi encomendado juntamente com o gémeo NRP AFONSO DE ALBUQUERQUE, sendo ministro da Marinha, o vice-almirante Magalhães Correia; Ambos sofreram modificações e modernização de artilharia, durante o conflito de 1939/40. Mais recentemente, foram modernizados o NRP AFONSO DE ALBUQUERQUE nos Estaleiros Parry & Son, e NRP BARTOLOMEU DIAS, no Estaleiro Naval da C.U.F; Inicialmente, possuiu um hidroavião para reconhecimento e bombardeamento; A seguir à Segundo Guerra Mundial, foi equiparado a fragata, recebendo o prefixo F471 no seu número de amura; 1967 foi transformado em navio depósito e rwbaptizado de NRP SÃO CRISTOVÃO; 1978 abatido ao efectivo.

 O vapor BROHOLM /(c) cortesia Danish Maritime Museum, Elsinore /.


BROHOLM – imo 5606329/ 82m/ 1.350tb/ 11nós; 01/12/1925 entregue por Fredrikstad Mekaniske Verksted A/S, Fredrikstad, à DFDS – Det Forenede D/S A/S, Copenhaga; 1937 BROHOLM, 90m/ 1.544tb; 1937 BROHOLM, alongado para 90m/1.544tb; 1941 HINDOO, requisitado pela US Maritime Comission, Nova Iorque; 09/09/1944 em viagem de Nova Iorque/ Guantanamo Bay/ Cartagena em comboio afundou-se após colisão com o n/m AUSTRALIA STAR na posição 11,00N/77,57W. Todos a bordo foram salvos.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Jornal O Comércio do Porto, Booth Line, DFDS, Danish Maritime Museum-Elsinore, Marinha de Guerra Portuguesa.
(continua)
Rui Amaro
               
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