sábado, 30 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 47

O VAPOR INGLÊS “ESTRELLANO” CHEGA À BARRA QUASE EM 20 PÉS DE ÁGUA, QUE ERA O MÁXIMO PERMITIDO EM MARÉS GRANDES E EM CONDIÇÕES DE BARRA LARGA E TEMPO FAVORÁVEL




Relato textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior relacionado com o seu serviço de entrada do vapor Inglês ESTRELLANO.

«A 16.04.1930, pelas 14h00, fui embarcar no vapor Inglês ESTRELLANO, que se encontrava fundeado diante do molhe de Carreiros, a aguardar piloto e maré para demandar a barra do Douro. Chegado à ponte do comando indaguei do capitão sobre o calado de água do vapor, uma vez que na altura da abordagem da lancha de pilotar P4 não se conseguira distinguir a numeração, devido à ondulação e sobretudo porque estava bastante afogada. Então, fui informado, que o calado era de 19 pés. Em face da excessiva água, o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, a bordo daquela lancha, ordenou-me para ir ao porto de Leixões ratificar o calado. Em face da situação disse ao capitão, que enchesse os tanques da popa de maneira a estabilizar o calado e para preparar a máquina, porque às 15h00 iríamos à bacia do porto de Leixões. Àquela hora cruzou-se os molhes e apitei a chamar uma das lanchas dos pilotos. Entretanto aproximou-se a lancha P1 timonada pelo cabo-piloto Paulino Pereira da Silva Soares trazendo a bordo os pilotos Elísio da Silva Pereira, António Gonçalves dos Reis, Alfredo Pereira Franco e o Manuel Pinto da Costa. O cabo piloto disse-me, que o vapor estava muito metido e por isso não conseguia vislumbrar os algarismos. Entretanto, o capitão disse-me, após ter feito os seus cálculos, que conseguia diminuir o calado para 18,5 pés.

O ESTRELLANO abandonou o porto de Leixões e foi dar fundo junto da barra do Douro, ficando a aguardar o pico da preia-mar. Às 16h15 mandei suspender o ferro e de marcha devagar avante fui-me aproximando e acabei por ficar abicado à barra, a cerca de uns cem metros da bóia da ponta do Dente. Às 16h30 foram içadas, em terra, as bandeiras para o calado de 19 pés e às 16h35 cruzei a barra do Douro, marcha meia força avante, seguindo rio acima e passando no seco do Ouro, sem qualquer contrariedade, acabando por parar a máquina no lugar do Cubelo, se bem que o vapor levava algum seguimento. Entretanto, chegado diante do lugar de Massarelos, estava o vapor Norueguês RASK, piloto Manuel Pinto dos Reis, a cambar do lugar do cais das Pedras para o lugar do cais do Terreiro., pelo que dei dois toques de sirene, a fim de assinalar a passagem do meu vapor pelo lado Norte, mas visto o meu colega não ter correspondido ao meu sinal vi-me obrigado a mandar parar a máquina para não interferir na sua manobra. Após o RASK iniciar a sua marcha rio acima, segui na sua esteira de marcha devagar avante.

Por alturas da penedia denominada Lobeiras de Gaia, um dos muitos pontos críticos do rio, vinha rio abaixo o vapor Norueguês VIATOR, auxiliado pelo rebocador DEODATO à proa, pelo que dei um toque de sirene a que o meu colega correspondeu com um toque também, para que o meu vapor guinasse a estibordo, a fim de passarmos bombordo com bombordo, no entanto parei a máquina para cruzarmos no lugar mais espaçoso.

Ao reiniciar a marcha para montante, o meu vapor começou a desgovernar para estibordo e não obedecia ao leme, seguindo aproado à referida penedia. Imediatamente mandei largar o ferro de bombordo, metendo leme àquele bordo e máquina toda força avante mas firmando a amarra e graças a essa manobra não chegou a embater nas pedras nem a colidir com outras embarcações amarradas na margem de Gaia. Solucionado o incidente, mandei virar o ferro e segui para vante, indo o ESTRELLANO dar fundo no lugar do Sandeman a dois ferros, passando cabos para terra e ancorote dos pilotos pela popa ao Noroeste, entre os vapores Noruegueses REGAL e BOTNE sem mais novidade».

O ESTRELLANO, 82m/1.963tb, construído no ano de 1920 pelos estaleiros Hall, Russell & Co., Aberdeen, para os armadores Ellerman & Papayanni, Ltd., Liverpool, que o colocaram na carreira de Liverpool ou Londres para Portugal, que escalava com regularidade, juntamente com os seus parceiros DARINO, PALMELLA, CRESSADO, OPORTO e LISBON, todos eles afundados durante a segunda guerra mundial. Aqueles seis vapores, ainda hoje são recordados nas zonas ribeirinhas do Porto e V. N. de Gaia.

O vapor ESTRELLANO inserido no comboio HG53, foi torpedeado e afundado pelo submarino Alemão U37, quando em viagem do porto de Leixões rumava ao porto de Liverpool, transportando cerca de 2.000 toneladas de carga diversa, incluindo 1.110 toneladas de conservas de peixe, depois de ter ido ao encontro daquele comboio,

Às 04h30 de 09.02.1941, o U37, KapitanLeutnant Asmus Nicolai Clausen, lançou dois torpedos sobre dois vapores do referido comboio, a cerca de 160 milhas a Sudoeste do Cabo de S. Vicente e afundou os vapores COURLAND e ESTRELLANO. Pelas 05h00 um terceiro torpedo foi lançado, contudo falhou o alvo, que era um vapor que seguia na esteira.

5 tripulantes do ESTRELLANO, Captain Fred Bird, pereceram. O comandante, 20 tripulantes e um artilheiro foram resgatados pelo aviso HMS DEPTFORD (L53) e desembarcados em Liverpool. Um tripulante faleceu, a bordo do aviso, devido a ferimentos sofridos, tendo sido sepultado no mar.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Miramar Ship Index; Uboat.Net

Imagem: Autor desconhecido – Photoship Co., UK

(continua)

Rui Amaro

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 46

O PAQUETE “BELLE ISLE” RECUPERA O FERRO DE ESTIBORDO, CUJA AMARRA SE HAVIA QUEBRADO DURANTE AS MANOBRAS DE FUNDEAR



Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior relativa ao seu serviço de entrada e permanência a bordo do paquete Francês BELLE ISLE.

«A 01.04.1930, pelas 06h10, coube-me de entrada no porto de Leixões o paquete Francês BELLE ISLE, que procedia de Hamburgo, Le Havre e Vigo, em 26 pés de calado de água, transportando passageiros e carga diversa para a América do Sul e vindo a Leixões, como usualmente o fazia, embarcar passageiros e carga diversa. O meu colega Alfredo Pereira Franco tinha subido a bordo, a fim de me auxiliar nas manobras de amarração, procedimento normal entre os pilotos, especialmente quando o porto estava superlotado de embarcações e o espaço de manobra era exíguo. Da mesma forma eu acompanhava-o nos seus serviços e mais tarde passei a dar colaboração ao seu irmão mais novo, Manuel Pereira Franco, motorista das lanchas da corporação, que entretanto fora admitido a piloto da barra.

Após o paquete ter cruzado os molhes, manobrei para ir fundear a dois ferros na covada do Molhe Sul. O primeiro ferro a largar foi o de estibordo e o de bombordo foi largado mais a Sul. O meu colega estava no castelo da proa para orientar as manobras de largar ferros e eu permaneci na ponte de comando. Entretanto, ao aproar ao Norte, a amarra de estibordo quebrou-se pela manilha das 45 braças e de imediato o meu colega fez-me sinal do que se tinha passado. Não tendo outra alternativa mandei suspender o ferro do Sul e fui fundear a meio do porto com o ferro de bombordo, único ferro operacional, ficando o paquete aproado a Sul, devido ao vento começar soprar daquele quadrante.

A fim de se tentar recuperar o ferro de estibordo, o meu colega Alfredo Pereira Franco chamou a lancha P3, tendo ido a terra dar conta do sucedido e pedir a colaboração de outros pilotos e pessoal auxiliar para se gratear o ferro. Eu permaneci a bordo para orientar qualquer manobra de emergência. O rebocador VOUGA 1º veio para junto do paquete por ordem dos agentes do armador e logo que teve conhecimento da perda do ferro, o seu mestre foi ao Sul e veio a rocegar, tendo pegado o ferro perdido, contudo ao virar, quebrou-se a unha do seu ferro e viu-se obrigado a desistir. Entretanto a lancha P1 conduzida pelo meu colega Alfredo Pereira Franco, trazendo alguns pilotos e um mergulhador, começou a gratear e pegou o dito ferro. Então o mergulhador desceu ao fundo da bacia e a lancha P3 veio ao paquete buscar um cabo de arame, a fim de se amarrar o ferro e logo que essa operação foi executada, foi o mesmo suspendido e colocado a bordo para ser emanilhado, com enorme contentamento de todos, muito particularmente do comandante e do agente consignatário do paquete.

O BELLE ISLE continuou fundeado a um ferro, apesar do tempo de Sudoeste ter começado a deteriorar-se. Eu e o meu colega Alfredo Pereira Franco, que passou a ser o piloto de escala para o serviço de saída permanecemos a bordo até à hora da largada. Eu consegui saltar para a lancha e ele não o podendo fazer seguiu a bordo e foi desembarcar ao porto de Lisboa, onde o paquete iria fazer escala, antes de seguir para o Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires.

Os trabalhos de recuperação do ferro, além do mergulhador, tiveram a colaboração dos seguintes elementos dos pilotos: cabo-piloto Paulino Soares Biltes, pilotos Manuel Pinto da Costa, Pedro Reis da Luz, Júlio Pinto de Almeida, Elísio da Silva Pereira, motoristas António Brandão, Júlio Pinto da Costa e os marinheiros Hilário, Artur e Carlos Saragoça. Cooperaram nos trabalhos as duas lanchas dos pilotos P1 e P3. Coube a cada elemento a quantia de 75$00».

O BELLE ISLE, 146m/9.591tb, foi construído em 1917 pelos estaleiros Forges & Chantiers de La Mediterranée, Le Havre, sob encomenda da Cie. Mar. des Chargeurs Reunis, Paris, que o colocou na linha do Brasil e Rio da Prata, escalando Vigo, Leixões e Lisboa, juntamente com os seus irmãos gémeos. Em 1940 era requisitado pelo governo Francês e a 05.01.1943 foi apresado pelas forças nazis invasoras, quando se encontrava ancorado no porto de Marselha. A 24.11.1943 foi danificado e semi-afundado numa das docas secas do porto de Toulon, devido a ter sofrido um ataque aéreo aliado e a 11.03.1944 pegou fogo, provocado por novo bombardeamento aéreo, acabando por ser destruído e considerado perda total,

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Cie. Maritime dês Chargeurs Réunis; Loyd’s Regiter of Shipping.

Imagem: postal da Cie. Maritime des Chargeurs Réunis

(continua)

Rui Amaro