sexta-feira, 9 de outubro de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 18



CONDUÇÃO DO VAPOR "LARACHE" DE LEIXÕES PARA O DOURO SOB NEVOEIRO CERRRADO



LARACHE / (c) imagem de publicação alusiva ao armador /.


Narração textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, referente ao seu serviço de condução do vapor LARACHE do porto Leixões para o rio Douro.

«A 15/08/1929, pelas 09h00, manhã de nevoeiro cerrado e mar estanhado, saltei para bordo do vapor alemão LARACHE, fundeado na bacia do porto de Leixões, quadro das quarentenas, a fim de o conduzir ao rio Douro. Após me apresentar ao comandante, mandei suspender o ferro de estibordo e virar o de bombordo, ficando este com uma manilha e meia ao molinete, a fim do vapor sair do porto, logo que a névoa se dissipasse.

Visto o nevoeiro prevalecer, disse ao comandante para tratar de suspender o ferro, porque vamos sair para ir fundear próximo da barra do Douro, pois lá poderá estar menos névoa e como tal poderemos entrar. O comandante concordou com a minha sugestão.

Virou-se o ferro e com a marcha devagar avante, entre molhes, mandei meter rumo sul quarta de Sudoeste, a fim de passar safo do casco submerso do vapor grego VIRGINIA e lá seguimos em andamento moderado, assinalando a presença, com toques de sirene compassados, todavia consultando o relógio, já vinha a navegar há cerca de quinze minutos e como assim já me encontrava um pouco ao largo. Mandei rumar a Sul quarta de Sueste e pelos ruídos de terra, a prática dizia-me estar um pouco a Norte do molhe de Carreiros. Entretanto, pela amura de bombordo, vislumbro dois botes a pescar, cujos pescadores me disseram, que estavam a Sul do castelo do Queijo, mais propriamente a Sul da penedia do Enche Cestas. Então, mandei andar um pouco para Sudoeste e como o nevoeiro continuasse denso deu-se fundo, parecendo-me estar um pouco a Sul de Carreiros e o sino à proa começou a tocar, assinalando navio ancorado. Pedi ao comandante para sondar e o resultado era de dezoito braças, que achei demasiado. Logo a seguir escuto toques de sirene de nevoeiro pela proa, pelo que me apresso a apitar assinalando a presença de embarcação fundeada. Esses toques eram de uma traineira e do paquete Alemão VILLAGARCIA, que já pilotado rumava ao porto de Leixões.

Agora, escuto um bater de remos compassados e, surpreendido vejo surgir por bombordo o salva-vidas da Afurada conduzido por antigos camaradas das artes da pesca. Indagando-lhes do que andavam à procura, disseram-me que iam em socorro do VILLAGARCIA, que alguém avisara ter estado encalhado no baixio da Cachadinha, junto da praia de Lavadores. Então, disse-lhes para se irem embora, porque há alguns minutos, esse paquete passara aqui por estibordo, pelo que já deve ter entrado no porto de Leixões. O pessoal do salva-vidas pediu ao comandante um pouco de tabaco e então, ele deu-lhes duas onças e eu aproveitando, para não estar com dúvidas quanto à sondagem, pedi ao patrão daquele salva-vidas para sondar e a marcação foi de doze braças.

Passado algum tempo, surgiu no meio do nevoeiro a lancha P4 da Cantareira, que também procurava o paquete Alemão, estando a bordo os pilotos Júlio Pinto de Carvalho (Júlio Guerra), Eurico Pereira Franco, Delfim Duarte, Joaquim Matias Alves e José Fernandes Tato e o motorista José da Quinta. Depois rumaram para a Cantareira e foram avisar o piloto-mor, acerca do posicionamento do LARACHE, levando o salva-vidas a reboque.

Permaneci fundeado e passado uma hora, estava eu a observar os astros, e olhando para Sul reparei que a névoa por momentos deixou umas abertas e ao longe vi um barco a pescar nas Longas, pelo que mandei suspender e aproei a Sul em marcha devagar avante e logo a seguir avisto a lancha da barra, que navegava ao meu encontro, dando sinal de buzina ao que eu respondi. Chegada a lancha à fala, os pilotos Eurico Pereira Franco e Joaquim Matias Alves disseram-me para seguir na esteira da lancha, a fim do vapor fundear junto da boca da barra e aguardar pelas ordens do piloto-mor e assim procedi.

O nevoeiro voltou a fechar-se. Entretanto, os meus colegas calculando, que já estavam frente à barra, fizeram a lancha aproximar-se de terra e quando depararam com o farolm de Felgueiras, cujo sino de nevoeiro se fazia ouvir, deram três toques de buzina, ao que eu correspondi com três silvos, assinalando que estava andar à ré e ia fundear, ficando portanto, no enfiamento da barra a cerca de duzentos metros. A lancha P4 entrou a barra e dirigiu-se para o cais do Marégrafo para aqueles pilotos informarem o piloto-mor, que o vapor estava fundeado à entrada da barra.



RIA DE CAMARINAS na bacia do porto de Leixões na década de 50 / (c) Rui Amaro /.



Passados três quartos de hora apareceu à borda do vapor a lancha e a catraia da assistência a reboque, trazendo o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão e o meu colega Eurico Pereira Franco. O piloto-mor disse-me para informar o comandante, que depois do cais do Marégrafo não havia nevoeiro e como tal se ele concordava em entrar. O comandante concordou em entrar a barra. Eu mandei suspender o ferro e de seguida marcha meia força avante com leme a bombordo, a fim de fazer o enfiamento, passei a bóia da barra às 13h00 em 16 pés de água, indo a lancha na minha proa até à Cantareira, onde encontrei o céu, completamente claro e segui rio acima, até dar fundo a dois ferros e ancorote dos pilotos pela popa, com cabos passados aos peoriz do lugar do cais do Cavaco, sem mais novidade».

LARACHE – 81,6m/1.999tb/10 nós; 27/11/1923 entregue pelo estaleiro Schiffsweft u. Maschinenfabriek (Vormals Janssen & Schmilinsky ) Hamburg, à OPDR – Oldenburg Portugiesichen Dampfs. Rhederei, Hamburg, juntamente com os gémeos SEVILLA e PASAJES; 1939 devido à eclosão das hostilidades ficou internado em Cádiz; 09/09/1942 requisitado e apresado pelo governo Espanhol; 25/09/1942 RIA DE CAMARINAS, Empresa Nacional Elcano de la Marina Mercante, Cadiz; 1945 RIA DE CAMARINAS, Cofruna - Cia Frutero Valenciana de Nav, SA, Valencia; 1961 LAGO MAR, Naviera Lagos SA, Bilbao, sofreu uma transformação parcial, ficando com aspecto mais moderno; 1965 LAGO MAR, Castaner & Ortiz, Bilbao; 04/1965 chegava a Santander para demolição.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Oldenburg Portugiesische Dampfschiffs Rhederei – Reinhart Schmelzkopf e Miramar Ship Index.

(Continua)

Rui Amaro

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