terça-feira, 21 de dezembro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 135

RECORDANDO O ENCALHE E PERDA DO VAPOR PORTUGUÊS "ANGRA" A SUL DA BARRA DO DOURO


O vapor ANGRA numa das suas vindas ao rio Douro /foto de autor desconhecido . colecção F. Cabral, Porto /.


A 27/12./1933, pelas 00h30, navegava o vapor Português ANGRA de norte para sul, rumando à barra do Douro, sob vento fresco de oeste e noroeste, além de vaga alterosa, a cerca de seis milhas a noroeste do farol da Boa Nova, e reconhecida pelo comandante a impossibilidade de poder fundear no ancoradouro usual, a fim de aguardar o piloto da barra e não tendo hipóteses de reconhecer, com precisão, qualquer ponto de referência na costa, foi forçado a pairar ao largo e a tomar todas as precauções, que as condições de mau tempo o exigiam para uma boa segurança e boa navegabilidade do vapor.

Desde então, passou a pairar com proas de 22º NWa e 22º SEa em períodos respectivamente de uma e meia hora, tendo o cuidado de prumar quando o vapor navegava, principalmente a sueste, para assim poder obter uma posição aproximada, acusando essas sondagens entre quinze e dezoito braças. Cerca das 04h50, como se tornavam mais intensos os aguaceiros de noroeste, o que cerrava por completo a visibilidade, o capitão resolveu desandar para oeste, mandando meter leme todo a estibordo e máquina toda força avante, no sentido de conseguir melhor governo.

Apesar de todas aquelas precauções, a força do vento e mar aliada a fortes correntes de água em direcção a terra, ocasionaram o vapor não obedecer de imediato, sendo certamente impelido para a costa. Com grande surpresa, às 05h10, sentira-se um violento choque, a principio tornado como forte golpe de mar, contudo um novo choque veio certificar, que o vapor batera numa rocha.

Desde logo, todos os esforços foram feitos no sentido de se salvar o vapor, seu carregamento e vidas, o que em breve se verificou ser de todo impossível, visto que o vapor não se movia, ao mesmo tempo que o primeiro maquinista se apresentava ao capitão, informando que a casa das caldeiras e da máquina estavam a ser invadidas pelas águas, por cuja razão logo foram pedidos socorros pela telegrafia sem fios e pela sirene de bordo, que silvava intermitentemente.

O mar desde logo, apoderou-se do vapor, ao ponto de se tornar impossível a permanência em qualquer lugar, a não ser à popa, para onde foi ordenada a concentração de toda a equipagem, sem que se pudessem salvar os documentos de bordo e da tripulação, a qual ficou a aguardar a chegada de socorros, até que pelo amanhecer, se reconheceu estar o vapor encalhado junto das pedras denominadas do Cão, na povoação de Lavadores, a sul do cabedelo da barra do Douro

Dado o alarme, compareceram por terra as Corporações de Bombeiros Voluntários de Coimbrões, Carvalhos, Valadares, Esmoriz, Matosinhos-Leça, Leixões, Leixões, Porto e Portuenses com o seu material de salvamento adequado, tendo sido estabelecido com o vapor sinistrado um cabo de vaivém, e reconhecido o perigo iminente da permanência a bordo, foi pelo comandante ordenado o abandono do vapor e o consequente resgate da sua tripulação, através daquele meio de salvamento, lançado pelos Voluntários de Matosimhos-Leça.

Dado a barra do Douro estar encerrada à navegação, devido à forte maresia existente, o que não permitia a saída dos salva-vidas locais, vindo do porto de Leixões aproximou-se o salva-vidas motor CARVALHO ARAÚJO, sendo tripulado pelo seu patrão e o motorista, coadjuvados pelos pilotos Alfredo Pereira Franco e José Fernandes Amaro Júnior e o marinheiro da corporação Carlos Guedes. Às 06h15 o referido salva-vidas iniciou várias tentativas arriscadas de abordagem ao vapor naufragado sem qualquer sucesso, devido à força do mar, pelo que às 09h40, após reconhecerem que a tripulação estava a salvo, regressaram ao porto de Leixões. A 08/07/1934 foram todos aqueles elementos do salva-vidas agraciados pelo ISN com diplomas de louvor, pelos serviços prestados. Os rebocadores TRITÃO, MARS 2º, BURNAY 2º e VOUGA 1º fizeram-se à barra mas foram impedidos de sair, devido à forte agitação marítima, que se começou a fazer sentir.


O vapor ANGRA encalhado junto da povoação de Lavadores, V. N. de Gaia / Imprensa diária - Colecção F. Cabral, Porto /.


Em Lavadores, junto ao naufrágio, maecaram presença as seguintes entidades marítimas:, Cdte Pais Amaral, Chefe do Departamento Maritimo do Norte; Patrão-Mór da Capitania, António Rodrigues; Sota-piloto-mor António Francisco de Matos; Cabo-piloto Alexandre Meireles, e alguns pilotos da barra, que coadjuvaram os bombeiros, tendo-se destacado os pilotos Joaquim Alves Matias e Pedro Reis da Luz.

Este relato é parte do que constava no respectivo “protesto de mar” apresentado pelo capitão à autoridade marítima a 28/12 e do qual constava também o seguinte: Em virtude do que fica exposto, reuniu o capitão, os seus oficiais e principais elementos da equipagem e disse na presença dos mesmos, que em nome do proprietário do vapor, carregadores, recebedores e pessoas outras nele interessadas e no seu carregamento, protestava contra força maior (mar, vento, correntes de águas e nevoeiro), que ocasionou o sinistro sucedido e contra quem de direito for e pertencer posse pela perda total do vapor e seu carregamento. E, por ser assim verdade, mandou o capitão lavrar o presente protesto, que depois de lido o assinou com os seguintes elementos da tripulação: Imediato, 1º maquinista, 2º piloto, contra-mestre e um marinheiro.

O ANGRA, que era capitaneado pelo Cmte Francisco José de Brito e procedia dos portos de Londres, Hamburgo e Le Havre, transportando cerca de 700 toneladas de carga diversa, a maior parte da qual destinada a importadores da região do Porto, e destinava-se a Lisboa e Ilhas.


Os náufragos do vapor ANGRA / O comércio do Porto /.


ANGRA - 86,5m/ 1.525tb/ 10nós; 03/1915 entregue por Sunderland Shipbuilding Co., Ltd., Sunderland, como FLAXMERE a Watson Steamship Co., Ltd., Manchester; 1916 FLAXMERE, Bromport Steamship Co., Ltd., gestores H. R. Greenhalgh, Liverpool; 1923 BOSCAN, Mac Andrews & Co., Ltd., Londres; 17/01/1928 ANGRA, Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada. Gémeo GONÇALO VELHO (2), ex BALBOA, ex LINMERE.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Imprensa Diária; Carregadores Açoreanos e a sus Frota, de A, A. De Moraes; Lloyd's Register of Shipping.

(continua)

Rui Amaro

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