quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 136

A LAITA "MARIA ADOZINDA" DESFAZ-SE NA PRAIA DO OURIGO DEPOIS DE BATER E ARROMBAR NAS PEDRAS DA PONTA DO DENTE


A 26/04/1928, ao fim da tarde, a população da Foz do Douro, correu alarmada para a entrada da barra, quasi que enchendo por completo o dique da Meia Laranja e o paredão do Farolim da Barra, pois fora dado sinal de que estava a naufragar uma enbarcação.

De facto, assim era, e toda aquela gente assistia impressionada às diversas fases do sinistro.

Acontecera que a 27 entraria em Leixões o paquete Alemão GOTHA, 1907-1933/ 140m/ 6.653tb, da Nordeutscher Lloyd, Bremen, que vinha receber passageiros para os portos do Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires.

Como esse vapor levava carga diversa, a laita MARIA ADOZINDA, pertencente a David José de Pinho, da praça do Porto, esteve durante o dia de ontem recebendo aquela que se lhe destinava e que era constituída m na sua maioria por caixas de vinho do Porto, das firmas Borges & Irmão, Ramos Pinto, Calem e outras.

Logo que a carga ficou toda estivada a bordo, o mestre Candido Monteiro, ordenou, cerca das 18h30, que o rebocador BURNAY 2º levasse a laita para Leixões, onde esperaria a chegada do paquete GOTHA.

Com efeito, a viagem iniciou-se sem novidade a caminho da bsrra.

O mar apresentava-se com alguma agitação, fazendo-se sentir o vento fresco de sudoeste.

Quando o rebocador BURNAY 2º começou a demandar a barra com a laita, parece que devido ao mar e ao vento, a MARIA ADOZINDA foi descaindo até que bateu nas pedras denominadas Ponta do Dente, que resultou abrir rombo e começar a naufragar.

A bordo do rebocador BURNAY 2º deram logo pelo desastre e como vissem que iriram também correr perigo, pois ao largo já se formava mar de andaço, a machado cortaram a amarreta que puxava a laita, livrando-se assim de iminente naufrágio.

O BURNAY 2º vendo-se livre, tratou de prestar socorro ao mestre da laita, Candido Monteiro e ao outro tripulsnte que o acompanhava.

A abordagem, porém, não se podia fazer. Então, aqueles dois homens, metidos em bóias, lançaram-se ao mar, e foram recolhidos, embora com sacrifícios, pelo rebocador, que os trouxe rio acima, sem mais novidade.

Nessa altura, da estação de pilotos da barra, na Foz do Douro, era pedido o socorro do salva.vidas da Afurada, que não se fez demorar, mas já não puderam ser utilizados os seus serviços devido aos dois náufragos estarem já a bordo do rebocador.

A MARIA ADOZINDA, porém, devido às vagas, e meio naufragada, andou balouçando por algum tempo na entrada da barra, até que impelida pelas mesmas vagas foi dar à praia do Ourigo, ao norte do castelo da Foz.

Momenro depois, começou a desfazer-se, arremessando para o areal tanto a madeira do seu casco como as caixas de vinho e outra mercadoria,

Algumas daquelas caixas já vinham desfeitas, vendo-se também ali muitas garrafas espalhadas.

O povo, em grande massa, acorreu àquela praia, começando a transportar para longe tudo o que podia, até os guarda-freios e cobradores dos carros eléctrico e os passageiros iam ao areal buscar caixas para as levar consigo, e os poucos condutores de veículos que naqueles tempos havia também procediam da mesma forma. Pudera!

O guarda-fiscal ali de serviço viu-se impotente para obstar aquela pouca-vergonha, chegando a disparar alguns tiros para o ar.


Paquete GOTHA / NDL, Bremen /


Foi preciso o auxílio da polícia da esquadra da Foz, para obrigar os populares a colocarem-se á distancia.

Rara era a casa junto da praia, que não tivesse um falso ou alçapão, muito bem dissimulado, para esconder o produtos e utensílios do saque dos naufrágios, e o meu avô materno também o tinha.

O guarda-fiscal vasculhava as casas ribeirinhas, mas muito raramente era bem sucedida. Está claro, que a instituição não possuía os meios rápidos de que hoje dispõem, pois iam a pé, a cavalo ou de carro eléctrico, apesar de terem postos ao logo de toda a costa. Aqui na Foz do Douro parece que há quem tenha garrafas de vinho do Porto deste naufrágio.

Contava-me o saudoso mestre de obras Fernando Amaral, aqui da Foz do Douro, que em adolescente, vindo da obra em que trabalhava para os lados de Matosinhos, após um dia de trabalho, usualmente percorria o trajecto até sua casa pela praia, e no dia do naufrágio da MARIA ADOZINDA, começou a encontrar muita caixa de vinho do Porto depositada na restinga, e vai daí há que levar uma caixita ao ombro para casa, quando se vê no meio do silvar de balas disparadas pelas praças da guarda-fiscal, e há que largar a caixita e por-se ao largo. A guarda também exagerava!

Aqui no rio Douro, mais propriamente no lugar do Quadro da Alfandega, um certo dia houve incêndio na carga de fardos de algodão que estava à descarga de um vapor, e há que alijar fardos ao rio, uns afundavam-se outros flutuavam e vinham ao sabor da vazante, e o pessoal ribeirinho, há que sacar uns fardozitos, que ainda valiam uns bons mil reis, para as suas casas, só que passadas algumas horas os bombeiros não tinham mãos a medir, com tanto fardo a arder, pois por fora estavam chamucados e molhados mas no interior como ainda estavam secos, o lume reacendeu-se e começaram a arder, e a guarda-fiscal a levar para o posto os "imprudentes contrabandistas".

Os prejuízos da perda da laita e da sua carga foram importantes mas não se chegou a saber os valores calculados.

Laita (lighter) era a designação muito em uso aqui no Norte para batelão ou fragata.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Imprensa diária.

(continua)

Rui Amaro

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