sexta-feira, 17 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 8


RECORDANDO O NAUFRÁGIO DO VAPOR «MOURÃO» NA RESTINGA DO CABEDELO


A 10/04/1928, pelas 13h00, encontravam-se fundeados ao largo da costa aguardando piloto, a fim de se fazerem à barra, logo que as condições de mar e água o permitissem, os vapores: ingleses LORD RHONDDA e REDSTART; alemães OLDENBURG e ERNST, norueguês SADO e ainda o português MOURÃO.Desses seis vapores, apenas foram pilotados o REDSTART, piloto José dos Santos Jeremias, que foi o primeiro a entrar a barra, seguindo-se-lhe o OLDENBURG, piloto José Manarte, que seguiram rio acima sem qualquer percalço. Cerca das 15h00, pelo enfiamento usual, fez-se à barra o MOURÃO, piloto Manuel Pinto da Costa, procedente de Cardiff com um carregamento de carvão e logo de seguida formou-se um enorme andaço de mar pela sua popa, que acabou por envolver o vapor de lés a lés, originando ter-se quebrado o gualdrope do leme.



O piloto vendo, que o vapor tinha perdido o governo, derivando para estibordo e a ser impelido pelo mar em fúria para cima do banco da barra, mandou largar o ferro de bombordo, no intuito de aproar ao mar e aguardar auxilio. De seguida içou o sinal de bandeiras indicativo de “embarcação sem governo” e com a sirene de bordo a silvar estridentemente, pedindo socorro imediato. O vapor fazendo-se ao ferro virou a proa pelo Noroeste e pouco depois desandou a proa pelo Sul, tendo a maresia tomado posse dele, fazendo-o descair, rapidamente pelo Sul das pedras denominadas de Fogamanadas, a Sul da restinga do Cabedelo, onde acabou por se deter encalhado, com os andaços de mar a cair em cheio sobre o vapor, fazendo perigar o pessoal a bordo.
Dado o alarme foi içado, no mastro da Estação de Socorros a Náufragos, o sinal indicativo de sinistro no mar, saindo imediatamente da Cantareira a lancha salva-vidas da Foz do Douro e várias embarcações dos pilotos da barra, a fim de organizarem o serviço de resgate da tripulação naufragada, já que do vapor e da sua carga não havia qualquer possibilidade.
Assumiu a direcção desses trabalhos, que foram executados com toda a prontidão, o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, experimentado nestas situações, muito especialmente no lançamento do foguetão, coadjuvado pelos seus subalternos, pilotos José Ribeiro, Francisco Piedade, Manuel Pinto dos Reis, Júlio Pinto de Carvalho, Elísio da Silva Pereira, Eurico Pereira Franco, Amaro António da Fonseca, José Fernandes Amaro Júnior, João António da Fonseca, António Gonçalves dos Reis, Afonso da Costa Pinto e Joaquim Matias Alves e um ou outro assalariado da Corporação de Pilotos.
Simultaneamente, foram chegando ao cais do Marégrafo as viaturas dos Bombeiros Municipais do Porto (Secção da Foz do Douro), Voluntários do Porto, Portuenses, Ermesinde, além das auto-macas da Cruz Vermelha e da Cruz de Malta.
Várias embarcações transportaram para o Cabedelo grupos de bombeiros, a fim de colaborarem nas várias acções de socorro aos náufragos, conforme as circunstâncias o permitissem, fazendo a travessia do rio sob fortes bátegas de chuva e bastante vento. No Cabedelo juntaram-se as lanchas salva-vidas da Foz e da Afurada e o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles tratou de lançar vários foguetões, a fim de estabelecer o cabo de vaivém, não dando porém, resultado as tentativas feitas nesse sentido, devido à impetuosidade do vento, que lhes mudava a directriz. Inteligentemente, de bordo do vapor sinistrado lançaram ao mar uma bóia de salvação amarrada a uma retenida. Essa bóia foi arrojada à praia, auxiliada pelos desmesurados vagalhões, a qual foi recolhida pelo pescador da Afurada, José Idaínha, que corajosamente se lançou à rebentação, correndo sério risco de se afogar.



Uma vez, estabelecido o cabo de vaivém, foram todos os tripulantes e o piloto da barra retirados de bordo, um a um pela bóia-calção e conduzidos pelas embarcações dos pilotos e lanchas salva-vidas para a Cantareira, seguindo dali, transportados em auto-macas, seis tripulantes para o Hospital da Misericórdia (Hospital Geral de Santo António), por se encontrarem feridos ou entorpecidos pelo frio. Todos eles estavam completamente encharcados, dando no entanto Graças a Deus por se lhes ter acudido a tempo, livrando-os do martírio de a bordo estarem a ser incessantemente fustigados pelos enormes vagalhões, que varriam o MOURÃO de borda a borda mas também de uma morte certa.
À sua chegada ao cais dos pilotos, deram-se algumas cenas comovedoras com efusões de simpatia, que lhes foram tributadas por familiares ou pessoas amigas. Alguns deles foram levados ao colo, desde o desembarque até várias residências locais, onde eram carinhosamente acolhidos e confortados. Um dos fogueiros, Salestiano Ferreira de Oliveira, foi recolhido na estação dos pilotos da barra, tendo-o piedosamente brindado com uma boa camisola de lã, a gentil senhora D. Maria da Conceição Valadas, da rua do Passeio Alegre.
Os cais próximos do naufrágio, como é normal em acontecimentos destes, encheram-se de populares curiosos, que acorreram ao local alarmados pelos silvos aflitivos do vapor acidentado, pedindo socorro urgente. Aqueles populares perscrutavam para os lados da restinga do Cabedelo, o desenrolar do emocionante drama, receando pela sorte dos tripulantes.
MOURÃO, 62m/832tb, 10 nós, 24/06/1918 entrega pelos estaleiros NV Werft Gusto, Schiedam, como ZEEHOND ao armador Willem van Dam, Roterdão; 1919 HOOGVLIET, Soetermeer Fekkes, Amesterdão; 1923 MOURÃO, Guilherme Machado & Cia., Lda., Porto, que o empregava no transporte de carvão do Pais de Gales para Portugal, particularmente para o porto do Porto, e no retorno carregava toros de pinho para escoramento das minas daquele país do sul das Ilhas Britânicas. Do mesmo armador fizeram parte o vapor de pesca de arrasto MACHADO e o pequeno rebocador fluvial MANOLITO.


Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Imprensa diária, Miramar Ship Index Groninger Kustvaart.
Imagens: Imprensa Diária e Groninger Kustvaart.
(Continua)
Rui Amaro

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