domingo, 12 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇAO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 6


MUDANÇA DE VAPORES DO LUGAR DA RIBEIRA PARA OS LUGARES DO MONCHIQUE E STO. ANTÓNIO DO VALE DA PIEDADE EM SITUAÇÃO DE CHEIA NO RIO


O DAGBJORG, mais tarde denominado VANG, no rio Douro, lugar dos Vanzelleres, margem de Gaia /(c) postal ilustrado da cidade - colecção F. Cabral/.

Relato do piloto José Fernandes Amaro Júnior, respeitante ao seu serviço de mudança de ancoradouro do vapor Norueguês VANG.
«A 23/11/1927, o capitão do porto do Douro mandou chamar os pilotos da barra para tratarem de mudar ou reforçar as amarras de alguns navios surtos no porto comercial do Douro, devido à ameaça de uma grande cheia, que aliás já levava corrente de água impetuosa e a chuva continuava sem parar. Então, os pilotos Afonso da Costa Pinto, Júlio Pinto de Carvalho, Eurico Pereira Franco, José Pinto Ribeiro, Manuel Pinto dos Reis, Amaro António da Fonseca, Joaquim Matias Alves e eu, equipados com capa de oleado, capuz ou sueste e botas altas de borracha seguimos para cima no carro eléctrico, uma vez que o pessoal assalariado ou eventual das nossas embarcações das amarrações se recusara a embarcar.
Chegados ao lugar da Ribeira, o capitão do porto acompanhado pelo patrão-mor indagou sobre a não presença das catraias, ao que nós o informamos, que a quase totalidade das companhas se recusaram a embarcar porque entendiam, que ganhavam muito pouco quando chamados a trabalhar em águas perigosas de cheia, devido ao enorme risco que corriam. Então, o capitão do porto ordenou para tratarmos de contactar as agências consignatárias dos vapores para arranjarem pessoal e barcos, além de nos apressarmos porque a noite estava a aproximar-se, e esperava-se mais água de cima. O piloto mais antigo, que era o Afonso da Costa Pinto, ficou encarregado de organizar o serviço, que ficou assim distribuído: Lugre português PORTO D’AVE, piloto Manuel Pinto da Costa; vapor norueguês HANSI, piloto Joaquim Matias Alves e o vapor norueguês VANG, ficou sob a minha responsabilidade, cabendo aos restantes pilotos orientar os trabalhos de reforço de amarras de mais navios fundeados no rio Douro. Sendo assim, dirigi-me ao escritório do agente do meu vapor, a firma A. F. Reis & Ca., Lda., da rua dos Ingleses e disse ao empregado, que precisava de seis homens e um barco para prestar assistência às manobras de desamarrar e amarrar o VANG, que iria ter de mudar para fundeadouro mais seguro, visto os remadores dos pilotos terem-se recusado a fazer o serviço. O empregado disse-me que podia ir para bordo, que ele iria dar andamento ao meu pedido e, também avisar o mestre do rebocador BURNAY 2º. Fui para bordo, juntamente com um empregado da agência, que pagou 5$00 ao “boatman”.
Chegado a bordo, comuniquei ao capitão para preparar a máquina, tendo-me dito, que estava tudo em ordem para iniciar a manobra. Virou-se o ancorote dos pilotos à popa, o qual com a quantidade de gravalha e a forte corrente, rapidamente veio ao lume de água e logo a seguir mandei largar o cabo do peoriz do noroeste e fui para o castelo da proa para orientar melhor a manobra, tendo constatado que os ferros estavam com duas manilhas na água, pelo que decidi mandar soltar os cabos do peoriz à proa, que estavam mordidos, os quais tiveram de se virar com auxilio do guincho para ficarem safos. Resolvido o problema, fui, novamente para cima da ponte do comando e suspendeu-se os ferros. Entretanto, dado que o rebocador ainda estava ocupado noutras tarefas fluviais, prescindi do mesmo. Foi-se arriando o vapor de popa com a máquina devagar à ré ou avante conforme as necessidades. Pouco tempo depois, apareceu o barco com os seis homens para as fainas de amarração. Disse-lhes para esperarem à proa do vapor português IBO, pois iria amarrar o VANG pela sua popa, no lugar do cais do Monchique.
Quando, ao sabor da corrente mas de marcha à ré e em certos locais de marcha avante, a fim de passar safo da penedia das Lobeiras de Gaia e do banco de areia da Porta Nova, que ladeiam um restrito e dificil canal de navegabilidade, alcancei o IBO, e após passar safo dos seus ferros, mandei largar os dois ferros de uma só vez e o barco com seis homens foi largar o ancorote dos pilotos, pelo sudoeste ao lançante e passar cabos reforçados para os peoriz em terra.
Finda a manobra de amarração, o barco com os seis homens, que me prestaram uma valiosa colaboração nas manobras, levaram-me de seguida para bordo do HANSI, a fim de eu ir auxiliar o meu colega Joaquim Matias Alves na manobra de amarração daquele vapor em Santo António do Vale da Piedade. Terminado o serviço viemos numa catraia dos pilotos para o Ouro e depois a pé, juntamente com a companha da catraia para a Cantareira, onde chegamos cerca das 22h00.
Note-se, como se deve ter entendido, que não realizei qualquer manobra de rotação, visto o VANG não ir de saida, e mesmo neste caso, com ou sem assistência de rebocador, só o faria diante dos lugares da Ribeira ou em Massarelos, onde havia mais espaçamento para manobrar com um minimo de segurança, dado que o rio Douro é bastante estreito. Os mestres dos rebocadores em ocasiões de cheia no rio, por vezes recusavam-se a pegar nos navios, receosos de perigar as suas embarcações e as respectivas equipagens».
VANG, 60m/678tb, 9 nós, entregue em 06/1901 pelo estaleiro Akers Mekaniska Vaerts, Christiania (Oslo), como DAGBJORG para a A/S Dagbjorg (J.P.Pedersen mgrs), Christiania; 1914 BENEDICTE, A.Andersen, Christiania; 1927 VANG, Vangs Rederi A/S (Severin Lyngholm mgrs), Haugesund; 11/09/1944, quando em viagem de Drammen para Trondheim, foi torpedeado e afundado pelo submarino britânico HMS VENTURER ao largo de Lista, Noruega, 58.03N/06.34E, tripulação salva.
HANSI, 72m/1.028tb, 9,5nós, entregue em 02/1922 pelo estaleiro Verein. Elbe Norderwerft A/G, Boizenburg, como OTRANTO para Hamburg Amerika Linie, Hamburgo; 1923 OTRANTO, Deutsche Levante Linie, Hanburgo; 1924 HANSI, D/S A/S Forto (Leif Erichsen Rederi, mgrs), Bergen; 06/11/1939 Perdeu-se por encalhe devido a falha de máquina, quando em rota de Hommelvik para Ellesmere Port com carregamento completo de pasta de papel encalhou em Reefdyke, Orcadas. Posto a flutuar no pico da maré-alta, devido a entrada de água, acabou por encalhar e mais tarde submergir em Linklet Bay, N. Ronaldsway, tendo a tripulação abandonado o vapor nos botes de bordo, a qual foi acolhida por habitantes locais.
Fontes: Miramar Ship Index. Plimsoll LR, Norwegian Merchant Fleet 1939/45.
(continua)
Rui Amaro

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