quinta-feira, 16 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 7

TRÊS VAPORES DEMANDAM A BARRA DO DOURO COM ÁGUAS DE CHEIA – DOIS CRUZAM-NA SEM PERCALÇOS, PORÉM UM TERCEIRO DETÉM-SE ENCALHADO NO BANCO DE AREIA DA BARRA

O piloto José Fernandes Amaro Júnior na ponte de comando do vapor DARINO

Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relativa ao seu serviço de condução de entrada do vapor inglês DARINO e do acidente com o vapor alemão KURT HARTWIG SIEMERS.
«A 28/12/1927, pelas 13h00, avistavam-se ao largo da costa 14 vapores aguardando entrada na barra do Douro. Às 14h00 a lancha P4 saiu a barra ao encontro de três daqueles vapores. Para o norueguês STROMBOLI saltou o piloto Eurico Pereira Franco e para o carvoeiro alemão KURT HARTWIG SIEMERS foi o piloto Afonso da Costa Pinto e eu subi a bordo do inglês DARINO. Os restantes vapores continuaram fundeados fora da barra na expectativa de melhores condições de água e maré para o dia seguinte.
Às 15h00, o piloto-mor José Pinto de Almeida (Pantaleão) mandou içar nos mastros do cais do Relógio e do castelo da Foz os grupos de bandeiras para 14 pés de água. O DARINO estava em 13 pés e como tal mandei seguir a toda força avante, tomando a dianteira, entrando a barra sob forte corrente de cheia e na popa veio o STROMBOLI. Ao passar no lugar do Ouro, olhando para a barra vi o KURT HARTWIG SIEMERS ir de guinada a estibordo para cima do banco da barra. O capitão observando de binóculos, diz-me o vapor alemão está encalhado e de facto ficara em situação critica.
As bóias de sinalização estavam afogadas ou tinham desaparecido devido à cheia, principalmente as da Cantareira/Arribadouros, se bem que para nós pilotos práticos a falta daqueles meios de referência não era motivo de preocupação, dado o nosso profundo conhecimento da navegabilidade e manhas da barra e do rio, jamais o movimento marítimo ficara paralisado por falta de bóias. No entanto, em caso de extrema necessidade, arranjavam-se alguns pedaços de cortiça sobrepostos, levando no meio uma vara de madeira ostentando no topo um pano vermelho e cordame suficiente amarrado a uma pesada poita, a qual era lançada à água no lugar da bóia submersa ou desaparecida e que durante a maré serviria de baliza ou então, a embarcação do piloto-mor ou da assistência ficava a sinalizar o local.
No lugar do Ouro fazia bastante corrente, pelo que o Doutor Raul Monteiro de bordo da baleeira da Sanidade Marítima fez-me sinal para não parar, que prosseguisse para cima e que quando viesse para a Cantareira, lhe fosse entregar a declaração de saúde preenchida e assinada pelo capitão e sendo assim, após ter pegado a catraia dos pilotos a reboque, continuei a toda força avante para o vapor não perder o governo e vencer a corrente, contudo o avanço pouco ou nada progredia. Chegado ao lugar do Quadro da Alfândega, com quase uma hora de navegação, dei fundo a dois ferros pela ré do vapor alemão VESTA, com reforço de cabos para terra e ancorote pela popa para sudoeste, e após certificar-me que as amarrações estavam em ordem regressei na catraia da amarração à Cantareira, não deixando de passar pela estação da Sanidade Marítima, ao Ouro, para entregar a declaração.
Junto à sede da corporação dos pilotos, na casa da Alfândega, constatei que os rebocadores LUSITÂNIA da praça do Porto e o AMÉRICA da de Lisboa estavam a puxar pelo KURT HARTWIG SIEMERS e após algum tempo conseguiram retirá-lo da situação melindrosa em que se encontrava, levando-o para fora da barra e conduzindo-o de seguida para a bacia do porto de Leixões. Felizmente, durante as manobras de resgate daquele vapor carvoeiro, a ondulação não era perigosa, pois se assim fosse poderíamos ter a acrescentar mais uma tragédia às muitas em que a barra do Douro tem sido fértil. No dia seguinte fez-se à barra do Douro auxiliado pelo LUSITÂNIA, sob a orientação do piloto Eurico Pereira Franco, tendo amarrado no lugar do cais do Cavaco, sem mais percalços».
KURT HARWIG SIEMERS, 75m/1.147tb, 8 nós; 16/02/1918 lançado à água pelo estaleiro NV Wilton´s Scheepswerf & Maschinefabriek, Roterdão, como EIGEN HULP III para NV Stoomvaart Mij. “Eigen Hulp III”, Roterdão; 1918 GRAAF LODEWIJK, NV Scheepvaart Mij. Oranje Nassau, Roterdão, Th. Van Slooten como gestores; 1921 GRAAF LODEWIJK, imobilizado em Roterdão; 1922 KURT HARTWIG SIEMERS, G.J.H. Siemers & Co., Hamburgo; 11/02/1943 em viagem de Nidingen, Suécia, para a Alemanha, transportando 1.000 toneladas de papel, perdeu-se por afundamento, após encalhe em Klockfotsrev, Suécia.


O DARINO enfrentando a forte corrente de cheia do rio Douro, entre as bóias dos Arribadouros/Cantareira, que se encontravam afogadas ou desaparecidas em 28/12/1927 / (c) foto de autor desconhecido /.

DARINO, 76m/1.351tb, 10 nós; 10/1917 entregue pelo estaleiro Ramage & Ferguson, Leith, à Ellerman Wilson Line, Ltd., Hull; 1921 transferido para a Ellerman & Papayanni Lines, Liverpool; 19/11/1939, no inicio da conflagração mundial, quando em rota do rio Douro para Liverpool transportando vinho do Porto, sardinha em conserva e minério, foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-41, Kapitanleutnant Gustav Adolph Mugler, ao largo do Cabo Ortegal, Corunha, tendo perdido a vida 16 dos seus tripulantes, entre os quais o seu comandante, Captain William James Ethelbert Colgan, sendo recolhidos pelo próprio submarino 11 sobreviventes, tendo recebido toda a assistência que usualmente é prestada a náufragos, e mais tarde, avistado um navio neutro, foram os ingleses transferidos para o vapor italiano CATERINA GEROLIMICH, 120m/5.430tb, que os fez desembarcar no porto de Dover.
O DARINO deixara a barra do Douro completamente camuflado de cinzento-escuro, e o signatário do blogue, apesar da sua tenra idade de então, pela mão de seu pai, ainda tem uma vaga memória da sua passagem diante do cais dos Pilotos, assim como a do ESTRELLANO.
Extracto da noticia do afundamento no jornal australiano “The Sydney Morning Herald” – 25/11/1939.
“Sobreviventes do vapor britânico DARINO, que foi afundado por um submarino germânico às 03h00 de Domingo, relataram que o submarino ao alvejar o DARINO, destrui-lhe as baleeiras salva-vidas e só depois é que o afundou com torpedos.
Dezasseis membros da tripulação foram atingidos pelas explosões tendo os mesmos desaparecido com o seu vapor. Os onze sobreviventes, que nadando ou agarrados aos destroços nas águas geladas cerca de meia hora, ouviram o comandante do submarino na torre dizer “all right, I’m coming”. Ele recolheu os sobreviventes a bordo, tendo sido agasalhados e acomodados em tarimbas, servido café, conhaque, vinho, pão escuro, manteiga e bifes.
Entretanto, foi avistado um barco de guerra britânico e então o submarino teve que submergir por 20 minutos e a pressão fez com os tímpanos dos ingleses “estourassem”. Ficaram a aguardar as cargas de profundidade, a qualquer momento, que não chegaram a ser lançadas. Algum tempo mais tarde, o submarino emergiu e rumou por algumas horas até se avistar um vapor mercante italiano para o qual foram transferidos os sobreviventes, que desembarcaram no porto de Dover”.
Os vapores CRESSADO, ESTRELLANO, PALMELLA, LISBON e OPORTO eram os principais parceiros do DARINO no referido tráfego, os quais também se perderam por acções de guerra e das suas equipagens também fizeram parte alguns tripulantes portugueses das zonas ribeirinhas do estuário do Douro.
Após o final do conflito e no período de 1947/48 foram construídos os navios-motor gémeos, CROSBIAN, LUCIAN, MERCIAN, PALMELIAN e DARINIAN para preenchimento da vaga deixada pelos seus antecessores e que passaram a ser apelidados em Portugal de “Brancos” e no Reino Unido de “Market Boats”, os quais resistiram até 1967/70, tendo sido vendidos a interesses gregos e cipriotas, excepto o PALMELIAN que acabou os seus dias desmantelado em sucata, no porto de Bilbao. Primitivamente eram pintados com as cores características do seu armador, que era o branco, cinzento e linha de água vermelha, logo após as primeiras viagens, essas cores foram alteradas para branco e linha de água vermelha, regressando à pintura original, aquando da sua disponibilidade. Eventualmente faziam viagens ao Mediterrâneo.

O PALMELIAN subindo o rio Douro diante de Massarelos na década de 50 / (c) F. Cabral /.

No final da carreira daqueles navios, entraram ao serviço os navios-motor gémeos MALATIAN, CATANIAN, 82m/1.407tb, construídos em 1958 por Henry Robb Ltd, Leith e o CORTIAN, 72m/537tb, construído em 1962 na Suécia, além de alguns navios fretados. Com o aparecimento do tráfego contentorizado em 1968, passaram a escalar o rio Douro, terminal de contentores do cais de Gaia, que foi o primeiro do país, primitivamente o porta-contentores ESTREMADURIAN, 82m/1.921tb, e algum tempo depois os então recém-construídos MINHO, TAMEGA, TAGUS, MONDEGO, TORMES, TRONTO, TIBER e TUA, 85m/1,578tb, os quais deixaram de o fazer devido ao encalhe do TAMEGA, ocorrido a 12/01/1972 no banco da barra, localizado a cerca de 400 metros para oeste do farolim de Felgueiras, motivado pelo seu grande assoreamento, passando aqueles navios a utilizar o porto de Leixões. O TAMEGA safou-se pelos próprios meios passados cerca de 45 minutos, acabando por atracar ao cais de Gaia. Apesar da vinda de Leixões do rebocador MONTE XISTO, que não chegou a actuar.

O TAMEGA entrando a barra do Douro, após se ter libertado do banco de areia em 22/01/1972 (c) Rui Amaro /.

O DARINIAN, 83m/1.533tb, foi construído em 1947 pelo estaleiro Henry Robb, Ltd para Ellerman & Papayanni Lines, Ltd., Liverpool e eventualmente servia a partir de Londres o armador associado Ellerman Wilson Line, Leith, 1970 KOSTANDIS FOTINOS panamiano, 1971 TANIA MARIA libanês; 1973 NEKTARIOS cipriota. A 16.04.1978 naufragou em Perim Island, perto de Aden, tendo sido abandonado pela sua tripulação de cerca de 12 elementos, que foram resgatados pelo navio-motor indiano JAG DEESH, matriculado em Bombaim. Aqueles navios eram agenciados na praça do Porto durante os seus tempos pelas firmas consignatárias Charles Coverley & Co., Wall & Westray & Co. e por fim pela Wall & Co.
Fontes: Comunicação Social, The Ships List, Miramar Ship Index, Plimsoll Ship data/LR, Time Line, UBoat.Net
(Continua)
Rui Amaro

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