quinta-feira, 6 de agosto de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 9



FALHA DE MÁQUINA NUMA MANOBRA DE SAIDA DO RIO DOURO



Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relacionada com o seu serviço de saída do vapor inglês LORD RHONDDA.
«Pelas 11h00 de 04/06/1927, estando eu ao primeiro da esquadra de dentro, foi recebido um telegrama pedindo piloto para a saída do vapor inglês LORD RHONDDA, pelo que o piloto-mor chamou-me ao seu gabinete para me comunicar que aquele vapor estava pronto a largar às 15h00 e o seu calado era de 16 pés, e disse-me para logo que acabasse de almoçar seguisse para cima a fim de colocar o vapor em franquia, dado que os ferros poderiam estar cativos com os de outros navios.
Às 13h45 a catraia, conduzida por dez remadores e o respectivo arrais, largou da lingueta dos Pilotos e seguiu rio acima até abordar o LORD RHONDDA, que estava amarrado no lugar do Sandeman, margem de Gaia, tendo um vapor a montante e dois lugres prolongados a jusante. Verificado o calado e a disposição das amarrações, subi a bordo e já na ponte, o capitão exibiu os usuais documentos de saída (alvará da Alfandega, desembaraço da Capitania e da Policia) e preencheu-me o boletim com os dados do vapor para corporação de pilotos, a fim do respectivo escriturário/claviculário emitir a respectiva cédula dos valores do serviço para a agência do vapor e ainda me comunicou que já experimentara a máquina, leme e sirene, não tendo detectado qualquer falha, pelo que estava tudo em boa ordem para se iniciar a manobra.
Às 15h00 iniciei a manobra, virando os dois ferros à proa e como não vinham safos, pois estavam pegados no cabo do ancorote de popa do vapor de jusante, pelo que mandei soltar os dois cabos de terra, á proa, e também o cabo de popa, ficando apenas com o ancorote à ré, pelo noroeste. Entretanto fui para o castelo da proa para orientar a manobra de safar os ferros à proa, o que passado algum tempo foi resolvido com sucesso, contudo ainda com o ferro de bombordo na água, o vapor começou a descair de popa para terra, para cima de um pião de barcas, pelo que mandei virar o ancorote dos pilotos, à popa, e de seguida o ferro de proa e regressei à ponte e ordenei marcha avante força para se desviar das barcas, contudo o vapor ficou um pouco atravessado pelo que mandei andar à ré toda força e quando vi que estava safo das barcas, dei-lhe toda força avante.
Eu tinha o costume de ir observar qual a direcção que a água do trabalhar do hélice levava, e reparei que ela ia para vante, mas o vapor estava quase a parar, pelo que disse ao capitão para meter máquina avante toda a força, mas o maquinista não atendia aos sinal do telégrafo, que acusava avante toda a força, e o capitão repetiu o sinal quatro vezes, inclusive pelo intercomunicador, mas não havia meio do vapor ir de marcha avante, pelo que algo de anormal se passava na máquina. Então ordenei ao capitão que fosse lá abaixo verificar o que se passava e para o maquinista meter marcha avante, porque o vapor estava a ir, perigosamente sobre os piões de barcas do vapor inglês OTTERBURN, 80m/1.456tb, Smith Hogg & Co., West Hartlepool, carregadas de carvão, e eu já não sabia que mais manobras haveria de realizar, uma vez que o navio parecia estar com falha de máquina e nem largar os ferros resolveria o problema, e isto no meu principio de carreira, o que era uma situação muito desagradável.
O Zé Bexiga, de bordo da catraia que estava à popa, berrava dizendo para eu meter marcha avante, só não sabia que a máquina deixara de funcionar.
Entretanto o vapor foi sobre as barcas, mas um calafate, meu camarada do tempo de tropa no Quartel de Minas e Torpedos Fixos de Paço de Arcos, fazia-me sinal que não houvera avaria alguma, porque o LORD RHONDDA meteu-se por uma aberta de dois piões de barcas, felizmente.
Mais calmo, fiz ver ao capitão, que ia chamar o rebocador, a fim de sair-mos daquela situação embaraçosa, ao que ele recusou, dizendo que não haveria necessidade. O meu colega Afonso Pinto da Costa, que estava a bordo do navio-motor norueguês SEVILLA, 85m/1.383tb, Otto Thoresen, Oslo, amarrado do lado norte, Ribeira, à espera que eu desandasse o meu vapor de proa abaixo, para ele começar a sua manobra de saída, dizia-me para chamar o rebocador. Insistindo com o capitão da necessidade daquele auxílio, o capitão vendo que a situação estava-se a tornar complicada, acabou por concordar comigo, então peguei no manípulo e apitei a chamar o rebocador BURNAY 2º, cujo mestre Marcelino, já se aproximava e pegou à proa, e com a máquina já a trabalhar lá se retirou o vapor dos piões das barcas e desandou-se de proa a jusante.
Rumando à barra, a draga PORTO estava a dragar no Banco de areia dos Banhos ou da Porta Nova, pelo que disse para meter marcha avante devagar e para timoneiro ir com muita atenção, porque íamos entrar no canal muito esganado, que é encostado à penedia das Lobeiras de Gaia, qual foi o meu espanto e do capitão, o maquinista que de certeza estava bêbedo ou tolo, meteu marcha avante força. O capitão muito espantado com a situação, foi ao manípulo do telégrafo e repetiu para a máquina avante devagar mas já não foi a tempo, porque lá cruzamos o canal de marcha avante força, felizmente sem qualquer percalço. Passado o perigo, o capitão muito incomodado foi lá abaixo, insurgir-se com o maquinista, e com muita razão.
Depois seguimos rio abaixo, passando a barra sem mais novidade. Às 16h30 desembarquei para a lancha P4, e o LORD RHONDDA, que viera descarregar carvão de Barry Docks e agora rumava àquele porto do País de Gales com carregamento completo de toros de pinheiro (piptrops) destinados ao escoramento das galerias das minas de carvão.
Chegado à corporação fui dar parte da ocorrência ao piloto-mor, fazendo-lhe ver que felizmente não houve avarias, pelo que me disse que não haveria necessidade de participação ao capitão do porto, e que podia ir-me embora e não me preocupasse com o sucedido».
Note-se que o uso de rebocadores para auxiliar as manobras dos navios no porto comercial do Douro durante anos e anos jamais foi obrigatório, mesmo para aqueles de grande porte, e muitos capitães recusavam-se a aceitar tal auxilio, e os pilotos viam-se e desejavam-se para os convencer, isto pelo menos antes da guerra de 1939/45.
LORD RHONDDA, 84m/1.744tb, 10 nós; 03/1918 entregue por Wood Skinner & Co., Bill Quay, para Rellands Shipping Co. Ltd. ( gestores H.O. King), Londres; 1928 OTTINGE, Constants France (South Wales) Ltd, Cardiff; 1937 TINGE, Soedeco; 1938 RONWYN, Stockwood Rees & Co., Swansea; 1943 capturado pelos alemães e rebaptizado de HOCHHEIMER, governo alemão; 21/05/1944 torpedeado e afundado pelo submarino HMS SCEPTRE (P-215), Lt. I.S. McIntosh, DSC/MBE/RN. No mesmo ataque os torpedos falharam atingir os patrulhas da “Kriegsmarine” V-402 e V-405, que comboiavam o HOCHHEIMER, ao largo de Bilbau, posição 43-24N/03-30W.
Fontes: Miramar Ship Index, WW2 HMS Submarines
(continua)
Rui Amaro

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