RECORDANDO O ENCALHE DO NAVIO-MOTOR
“COLARES” NA BARRA DO DOURO
O COLARES saindo a barra do Douro em 17/08/1965 /Rui Amaro/.
Várias imagens do COLARES encalhado na barra do Douro e do seu desencalhe em 04/02/1954 / Imprensa diária da cidade do Porto /.
TRANSFRIO demandando o porto de Leixões em 1967 /Rui Amaro/.
Este
meu relato do encalhe do navio-motor COLARES na barra do Douro é baseado no meu testemunho visual, assim como na consulta da minha colecção de recortes de
notícias dos jornais diários, sobre acidentes marítimos.
O
COLARES surgiu a duas milhas diante da Foz do Douro, cerca das 07h45 de 04/02/1954,
manhã ameaçadora de chuva e vento bonançoso do quadrante sul. Em face da fraca
ondulação e do pouco calado de água do navio não ser motivo impeditivo para a
sua entrada, apesar da preia-mar já ter passado há cinquenta minutos, pois a
corrente da vazante já levava alguma intensidade provocando alguma vaga de escarcéu,
mas atendendo que aquela moderna unidade mercante era de boa marcha e excelente
governo, além do seu agente ter necessidade que as operações de descarga se
iniciassem pela manhã, o piloto-mor José Fernandes Tato ordenou, e muito bem,
que o navio fosse pilotado e que a bandeira vermelha, sinal de barra franca,
fosse içada nos mastros do cais do Marégrafo e do castelo da Foz, a fim do
COLARES, conduzido pelo piloto da barra Jaime Martins da Silva e capitaneado
pelo Cdte Eugénio Noé Rodrigues, dois experimentados veteranos nas andanças da
barra, demandasse o rio Douro.
O
COLARES, que se fez à barra pelo enfiamento da marca das Três Orelhas pelo
farolim da Cantareira, com a máquina em meia força avante e os dois ferros
descativados, ou seja prontos a largar, passa agora junto da bóia da Ponta do
Dente, mas, devido à forte corrente, deriva para estibordo e o piloto da barra
ordena ao comandante e ao timoneiro, leme a bombordo, para não ir embater ou
mesmo encalhar na restinga do Cabedelo, e aproveita para se aproximar da margem
norte, onde a corrente da vazante não é tão violenta.
Entretanto,
por alturas da Forcada, o navio desgovernou para bombordo e em tal situação
carregou-se leme a estibordo e mais força na máquina para suster a estocada e tentar
levar o navio ao canal. Logo a seguir, volta a guinar, perigosamente para
bombordo e de novo o timoneiro gira a roda do leme para estibordo e o oficial
ao telégrafo dá sinal para toda força avante na máquina, a fim de o navio
ganhar governabilidade e afastar-se das pedras, mas, devido a um segundo estoque
de água e escarcéu, o navio continua, teimosamente a seguir para bombordo e,
num derradeiro recurso, o piloto da barra manda largar o ferro de estibordo e
máquina a toda força à ré, para tentar retomar o curso normal.
Infelizmente
aquele recurso não resultou. Às 08h15, o Colares embatia de proa, estrondosamente
no enrocamento do cais Velho, a pouco mais de 50 metros para jusante da
pedra do Touro, e ficou encalhado de proa com a máquina a trabalhar à ré no
máximo da sua potência, na vã tentativa de se safar, mas a proa encontrava-se
bem assente nas pedras, parecendo querer galgar o cais. Certamente que as
ordens e procedimentos de manobra na ponte de comando do navio foram assim.
O
piloto da barra Jaime Martins da Silva executou a manobra de acesso ao rio em
condições adversas, que entretanto, se foram deteriorando, mas com grande
experiência e muita perícia, lamentavelmente não foi bem sucedido.
Dado
o alarme, compareceram de imediato no local o piloto-mor José Fernandes Tato,
que desde logo tomou as previdências que o caso requeria, com o auxílio das
lanchas dos pilotos e do rebocador VANDOMA, da APDL, entretanto vindo do porto
de Leixões, que estabeleceu a amarreta ao COLARES, procurando safá-lo. Essa
tentativa não resultou e, como a maré continuava a baixar, é decidido tentar o
desencalhe na preia-mar das 18h00, depois de aliviar a carga dos porões de
vante para o de ré e para barcaças do armador trazidas do ancoradouro do lugar
do cais do Monchique, pelo rebocador fluvial MERCÚRIO 2º.
Entretanto,
avisados do sinistro, compareceram no local as corporações dos Bombeiros Voluntários
Portuenses, do Porto, de Leixões e de Matosinhos-Leça, e ainda o salva-vidas a
remos VISCONDE DE LANÇADA, do lugar da Cantareira, com material apropriado, que
não chegou, felizmente, a ser utilizado por não existir qualquer situação de
perigo. Os Bombeiros Portuenses ainda chegaram a montar um posto de socorros e,
mais tarde, encostaram um lanço de escadas para estabelecer ligação de terra
para bordo.
Ao
embater com a proa nas pedras o navio sofreu um rombo no tanque da proa, no
porão nº 1, por onde começou a entrar água. Embora o rombo não chegasse a
causar apreensões de perigo, certo é que as bombas estanques de bordo
trabalhavam continuamente, expelindo dezenas de toneladas de água para o rio.
As sondagens eram feitas de momento a momento, pelo imediato do barco José
Maximiano, não atingindo a água mais de seis polegadas.
As
autoridades marítimo-portuárias acompanhavam de perto todas as manobras
relativas ao salvamento do COLARES, conservando-se no local do acidente o chefe
do departamento marítimo cdte João Pais, o seu adjunto capitão de fragata
Coutinho Lanhoso, o partrão-mor primeiro-tenente António Costa, e, da APDL os
engenheiros Cuman e Leão.
Para
facilitar o desencalhe do navio, foram ordenadas medidas tendentes a aliviar s
carga dos porões 1 e 2, situados a vante. Com a baixa-mar, o navio que
demandava a barra em 13 pés
de calado, após o encalhe ficou com a proa a 7 pés . Foi pois necessário
retirar carga dos porões.
Uma
ganga de estivadores entrou a bordo e, às 13h00, iniciava-se a descarga. Um grupo
de barcaças rebocadas pelo MERCÚRIO 2º consegue atracar a estibordo e, do lado
de terra, uma grua móvel da APDL com deslocação de 10 toneladas, auxiliava essa
descarga. De bordo e dos porões são retirados seis automóveis e algumas
toneladas de ferro e caixas com chapa de folha de flandres, sendo parte
retirada e depositada no areal da praia das Pastoras. Como o objectivo é
aliviar a proa, são também deslocadas algumas toneladas dessa carga para o
porão nº 3, à ré. Os trabalhos prosseguiam durante a tarde, com bom êxito, e o
mar conservava-se calmo, pelo que tudo indicava, dada a posição favorável do
navio, que o mesmo se safasse.
Com
o aliviar da carga, trabalho que se prolongou até às 17h00, e o encher da maré,
a proa do COLARES começava a ficar menos presa às pedras. As manobras do
desencalhe eram dirigidas do lado do mar pelo piloto-mor José Fernandes Tato,
que se encontrava a bordo da lancha P9. Em terra encontrava-se o
sota-piloto-mor Mário Francisco da Madalena e a bordo o cabo-piloto Aires
Pereira Franco, a fim de auxiliar o seu colega Jaime Martins da Silva, que
dirigia a entrada do COLARES no rio Douro.
Os
rebocadores VANDOMA e o MONTE GRANDE, da APDL, sob as ordens dos seus mestres,
respectivamente Francisco Rosas e José Fernandes, começavam a empregar os seus
esforços no desencalhe do navio. Aos primeiros esticões, rebentou uma das
amarretas. O pequeno rebocador MERCÚRIO 2º, da firma A. J. Gonçalves de Moraes,
Lda, dirigido pelo mestre Domingos, lançou um cabo à proa do COLARES, do lado
de estibordo. Ao largo, pairavam os rebocadores MARIALVA e NEIVA, prontos a
intervir em caso de necessidade.
As
manobras prosseguiam num trabalho exaustivo e enervante. Todos os olhos se fixavam
no navio sinistrado, que estava a trabalhar com a máquina em toda a força à ré
e a virar o ferro para auxiliar os rebocadores, mas, às 17h40, os cabos dos
rebocadores estavam retesados e uns esticões mais violentos obrigaram o navio a
deslizar da sua cama.
O
COLARES está salvo! É um grande alívio! São as exclamações, juntamente com uma
grande salva de palmas por parte da multidão, que, sob chuva por vezes
fustigante, não se retiravam do local. Aturado serviço de polícia não deixava
os populares aproximarem-se da praia, assim como regulavam o intenso trânsito
de viaturas.
O
COLARES deveria ter ficado amarrado diante do lugar do cais do Monchique,
ancoradouro reservado às barcaças do seu armador, mas, desta vez, foi amarrar
no ancoradouro do lugar do cais do Cavaco, o qual era destinado a navios
acidentados ou com mercadorias perigosas a bordo.
Neste
ancoradouro, foi-se proceder à descarga para barcaças da restante mercadoria
destinada ao porto do Douro e efectuar-se-ia pelas competentes autoridades as
vistorias aos danos sofridos e às eventuais reparações provisórias, antes do
navio seguir para Lisboa, possivelmente comboiado pelo potente salvádego PRAIA
GRANDE, do mesmo armador, a fim de dar entrada na doca seca dos estaleiros da
CUF, para as reparações finais.
Ao
fim da tarde, vindos de Lisboa, chegavam ao Porto para se inteirarem,
pessoalmente do encalhe e das consequentes avarias, D. José Manuel de Mello,
administrador da empresa armadora e o Eng.º Rodrigues Santos, seu director
técnico.
O
piloto da barra Jaime Martins da Silva, durante a sua careira, foi protagonista
de outros dois acidentes, sendo um deles com o lugre-motor Português
MARIA ONDINA, que se perdeu por encalhe na restinga do Cabedelo, em 1946,
devido a águas de ronhenta, quando demandava a barra do Douro, tendo sido salvo
a muito custo, juntamente com a maior parte da tripulação, pela lancha dos
pilotos P4, e o outro com o navio-motor Norueguês SILJA, que encalhou diante do
lugar de Sobreiras em 1960, devido ao denso nevoeiro, que, entretanto, surgira
quando deixava o rio Douro, tendo sido safo na maré da tarde.
Resta-nos
acrescentar que o encalhe sofrido pelo COLARES foi um daqueles últimos acidentes
de maior vulto, que se deram com navios em demanda da barra do Douro, motivado
por situações de alguma agitação marítima mas sobretudo devido a águas de
cheia, ronhentas, estoques de água, falha ou pouca força de máquina e também
avaria ou fraco poder de leme, etc, que os faziam desgovernar e guinar à
restinga do Cabedelo ou às pedras da ponta do Dente, cais Velho, dique da Meia-Laranja,
praia de Baixo, etc. Até ao inicio da guerra de 1939/45 o quotidiano da barra
do Douro era verem-se navios em dificuldade, fossem de entrada ou saída a
largarem os ferros, a fim de evitarem as pedras ou os bancos de areia e muitos
deles não o conseguindo lá se perderam.
O
COLARES, imo 5076951, que escalava regularmente os portos do Douro e Leixões,
procedia de Anvers, Bélgica, com carga geral e 22 tripulantes de equipagem,
fazendo parte da série C, juntamente com os navios CARTAXO, COVILHÃ e CORUCHE,
e era propriedade da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes,
Sarl., Lisboa (Grupo CUF), deslocando 1.158,47tb, tinha 73,88m comprimrnto fora
a fora, velocidade 13,4 nós, tendo sido construído no Canadá, pelos estaleiros
navais St. Lawrence Metal & Marine Works Inc., Quebec, em 1948. Em 1966,
foi entregue ao seu novo armador Transfrio, Sarl, Lisboa, tendo o seu nome sido
alterado para TRANSFRIO, após ter sido alongado para 82,80m e passou a deslocar
1.270tb, além de ter sido transformado em navio frigorifico nos estaleiros de
Vigo, a fim de transportar o pescado dos arrastões Portugueses a fainar nos
mares de Angola, Namíbia e Africa do Sul; 1978 PORTO FRIO, Steel Voyage
Shipping Co., Ltd, Panama; 1980 PORTO PYLOS, Olympia Maritime, Pireu; 1981 GULF
FRIO, Olympia Maritime, Pireu; 1984 GULF FRIO, Crossbill Sa, Panama; 01/1984
GULF FRIO visto em Port Said; 1991 desmantelado.
Ref:
- Imprensa diária (Diário do Norte, Jornal de Noticias, O Primeiro de Janeiro,
O Comércio do Porto), Miramar Ship Index.
Publicado por mim na edição do mensário “O Progresso da Foz” de Setembro/Outubro
2001, e ainda na obra de minha autoria “A Barra da Morte – A Foz do Rio Douro”
da editora O Progresso da Foz, Foz do Douro, em Abril de 2007.
(continua)
Rui Amaro
ATENÇÃO: Se houver alguém que
se ache com direitos sobre as imagens postadas neste blogue, deve-o comunicar
de imediato. a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena,
contudo rogo a sua compreensão e autorização para a continuação da(s) mesma(s)
em NAVIOS Á VISTA, o que muito se agradece.
ATTENTION. If there is anyone who thinks
they have “copyrights” of any images/photos posted on this blog, should contact
me immediately, in order I remove them, but will be sadness. However I appeal
for your comprehension and authorizing the continuation of the same on NAVIOS Á
VISTA, which will be very much appreciated.
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