domingo, 31 de março de 2013

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 283


UM CASO INSÓLITO COM A LANCHA DE PILOTAR “P9” NA BARRA DO DOURO


A P9 em serviço de pilotagem ao largo da barra em 1955 /Diário do Norte/ 


A P9 sai a barra com vazante brava para recolher o piloto do n/m Holandês LAUWERS em 25/04/1967, vendo-se o marinheiro Fernando Nené /Rui Amaro/. 

A 26/03/1952, pelas 11h00, encontravam-se fundeados ao largo da costa cinco navios, aguardando maré e piloto para demandar o rio Douro e o mar na barra estava a crescer e a tornar-se perigoso. Vários barcos fanéqueiros e bateiras do lugar da Afurada, que tinham saído de madrugada para a pesca, estavam a regressar e a tentar fazer-se à barra, aproveitando alguns lisos de mar. Viam-se também algumas bateiras do lugar da Aguda, que impossibilitadas de varar na sua praia devido à forte rebentação, vinham de arribada para o lugar da Afurada.
A lancha P9 vai para a barra tentar a saída, a cujos comandos está o cabo-piloto Aires Pereira Franco, tendo a seu bordo os tripulantes: Eusébio Fernandes Amaro, mestre; Joaquim António da Fonseca, motorista; António Guerra Gomes, marinheiro e ainda seis pilotos, cinco dos quais iriam embarcar e conduzir de entrada aqueles navios.
Ao longe, a noroeste, no baixio das Longas, vislumbra-se a ondulação a crescer, assustadoramente, a qual acabando por quebrar, desfazia-se em espuma na boca da barra, mas logo de seguida surge um liso de mar traiçoeiro, e é então, que a lancha P9 investe contra a ondulação, com o motor a trabalhar ao máximo, e tão depressa segue na crista como desaparece no vão dos vagalhões, conseguindo assim vencer os cerca de trezentos metros da zona de rebentação. Algumas das pequenas embarcações de pesca, à força de remos, conseguem entrar a barra a muito custo, outras vendo a rebentação a aproximar-se, desandam e aproam à vaga, escapando para o largo, a fim de aguardarem, para lá dos quatrocentos metros, um próximo e tão esperado liso de mar na barra.
A lancha P9, acaba de distribuir os pilotos pelos seguintes navios: iates-motor Portugueses VITORIOSO, piloto Bento da Costa; MARIA ISABEL         2º, piloto António Duarte;TEÓFILO, piloto Cristiano Machado; navio-motor Belga MARCEL, piloto Eduardo Fernandes Melo e o Alemão LATONA, piloto João dos Santos Redondo. Na lancha fica o piloto José Fernandes Amaro Júnior, que seguira a bordo para embarcar em qualquer navio, que eventualmente estivesse à vista.
Terminado o serviço de pilotagem a lancha P9 vem para próximo da barra e fica a pairar por fora da rebentação, a fim de prestar assistência às pequenas embarcações e a aguardar uma aberta de mar para demandar a barra. A maresia parece não dar qualquer trégua por mais tentativas, que o cabo-piloto Aires Pereira Franco faça. Por vezes vêm-se alguns andaços de mar a formarem-se ao longe, pelo que aquela lancha e os barcos de pesca fazem-se mais ao largo.
Entretanto, a lancha P9 aproxima-se da barra e, surpreendentemente no mastro do castelo da Foz é içado a bandeira da letra N, que serve de aviso do piloto-mor ao cabo-piloto para não tentar a barra e seguir para Leixões e novamente a lancha retrocede para fora, no entanto as outras embarcações não desistem de entrar a barra. Vinda do porto de Leixões, aproxima-se a lancha P1, timonada pelo cabo-piloto Francisco José de Campos Evangelista, que traz ordens do piloto-mor José Fernandes Tato para a lancha P9 não se fazer à barra. O cabo-piloto Aires Pereira Franco, o seu colega José Fernandes Amaro Júnior e os tripulantes da lancha, homens tisnados e conhecedores natos das manhas da barra desde a sua infância, é que não desistiam de entrar a barra.
Como o mar voltasse a dar lisos e alguns barcos de pesca já tivessem passado a boca da barra, o cabo-piloto Aires Pereira Franco faz-se à barra e logo a seguir ouve-se o troar dum tiro de canhão, que abalou a Foz toda, disparado do castelo, por ordem do piloto-mor José Fernandes Tato, situação que a bordo foi difícil de entender, dado que outras embarcações estavam a cruzar a barra com mais ou menos dificuldade e a lancha P9 e a mesma equipagem, em situações idênticas ou de naufrágios, é que lhes prestava assistência ou as socorria. Aliás foi a única ocasião, que a ordem dada pela bandeira da letra N, a vinda da lancha de Leixões e sobretudo o tiro de canhão fora dado a uma embarcação dos pilotos.
Entretanto vinha de saída o navio-motor Português Secil e após se ter recolhido o piloto Aristides Pereira Ramalheira, com todas as outras embarcações já dentro da barra a salvo, aproveita-se uma aberta de mar e pelas 13h30, a lancha P9 demanda a barra, riscando na vaga, contudo sem sofrer qualquer percalço e logo a seguir começaram a entrar os cinco navios, que a lancha tinha ido pilotar, tendo um ou outro sido fustigados por alguns andaços de mar, que felizmente não lhes perturbaram a sua navegação.
P9 - Em 17/06/1997, quando a lancha de pilotos FOZ DO DOURO ex P9 prestava assistência de pilotagem a um navio graneleiro, a cerca de duas milhas a noroeste do porto de Leixões, e sem que nada o fizesse prever, afundou-se com a água aberta, possivelmente devido a colisão com algum objecto submerso, tendo sido considerada perda total. Na embarcação seguiam o mestre e o motorista, que foram salvos por um rebocador da APDL, que pairava nas imediações. Ainda se aventou a hipótese de trazer à superfície aquela lancha e por conseguinte tratar da sua recuperação, simplesmente a despesa com tal operação era demasiada e não compensava, mesmo com o valor atribuído pela companhia seguradora.
A lancha Foz do Douro estava mais identificada como P9, pois durante muitos anos esteve colocada na Cantareira ao serviço da pilotagem da barra do Douro. Era propriedade do Instituto Nacional de Pilotagem dos Portos (INPP), desde 1978, ano em que deixou de ostentar o nome de P9, tendo sido construída num dos estaleiros de Vila do Conde em finais 1947, pelo construtor naval portuense António Gomes Martins, proprietário do vetusto estaleiro do Ouro, que se situa na margem direita do rio Douro, por encomenda da Corporação de Pilotos da Barra do Douro e Porto Artificial de Leixões. Foi registada na capitania do porto do Douro com a designação de P9 e veio preencher o lugar da lancha P4 (1), que se perdeu por afundamento, junto do enrocamento do cais Velho, a cerca de cem metros da pedra do Touro, na madrugada de 22/04/1947, depois de ter sido levada pela vazante, devido ao rebentamento das amarras, quando se encontrava no seu ancoradouro da Cantareira.
A lancha P9, que era uma embarcação da máxima confiança da sua equipagem e dos pilotos, devido ao seu poder de manobralidade de enorme leveza, sendo considerada uma das melhores embarcações de pilotos para a barra do Douro, até ao aparecimento das novas lanchas rápidas, sobretudo na abordagem aos navios mas também em situações de fortes correntes e estoques de água, além da perigosa ondulação da barra do Douro. Aquela lancha tinha de comprimento 12,14m e deslocava 17,36tb, e à data do seu lançamento à água estava equipada com um motor a diesel de 120 HP Crossley. Em 1953 foi completamente modernizada, acima do convés, e foram instalados modernos meios de navegação, como radar, sonda e radio-telefone e um novo motor.
Nos primeiros anos da década de 50, quando a lancha P9 se dirigia para a barra, sob denso nevoeiro, devido a avaria na agulha de marear, encalhou na penedia da praia do Ourigo, tendo sido safa de imediato pelos seus próprios meios, sem qualquer avaria.
A 12/09/1953, pelas 16h00, a lancha P9, a cujo leme estava o cabo-piloto interino José Fernandes Amaro Júnior, retirou da penedia a sul da praia de Gondarém e rebocou até perder a terra de vista a carcaça duma baleia, que dera à costa dois dias antes. Chegado ao local de abandono, foi a mesma desfeita a tiros da metralhadora de uma das lanchas de fiscalização das pescas.
A 25/11/1968 rebocou para Leixões desde sete milhas a oeste de Espinho, o iate de competição Italiano GANCIA AMERICANO, cujo proprietário e único tripulante, devido a doença grave andava à deriva, tendo à chegada a Leixões sido conduzido para um hospital, onde foi tratado e salvo.
Desde a sua entrada ao serviço prestou relevante apoio, como alternativa ao material flutuante do Instituto de Socorros a Náufragos, na assistência a embarcações em perigo e no resgate de náufragos. Honra seja feita ao abnegado e corajoso pessoal da sua equipagem.
Além das lanchas P4 (1) e FOZ DO DOURO ex P9, também as lanchas P1, P5 (1), catraia da assistência ou do piloto-mor, a P7, e uma outra catraia no caneiro de Carreiros, perderam-se por afundamento ou sofreram acidentes graves e em alguns casos com preciosas vidas tragadas pelas águas revoltas da problemática barra do Douro e suas áreas adjacentes.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Imprensa diária.
(continua)
Rui Amaro

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