domingo, 6 de janeiro de 2013

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 271


RECORDANDO A HOMENAGEM AO SOTA-PILOTO-MOR MANUEL DE OLIVEIRA ALEGRE E O RELATO DE TRÊS ACIDENTES DE QUE FOI PROTAGONISTA
VAPORES ALEMÃES "HERSILIA", "WALTER LEONHARDT" E A BARCA "BELA VISTA"

Manuel de Oliveira Alegre / Colecção Manuel Alegre . neto /.

Jantar de homenagem no restaurante Freitas, da baixa do Porto / Colecção Manuel Alegre . neto /.

Jantar de reunião das comissões de pilotos do Douro/Leixões e Lisboa e seus chefes hierárquicos, dos quais se destaca o sota-piloto-mor Manuel de Oliveira Alegre, segundo à esquerda sentado./ Colecção Manuel Alegre . neto /.

Telegrama enviado pelo Cmte João Pais, Chefe do Departamento Marítimo do Norte / Colecção Manuel Alegre . neto /.


O HERSILIA atravessado ao canal de navegação da barra do Douro / Colecção F. Cabral, Porto /.

O HERSILIA encalhado na restinga do Cabedelo acompanhado dos salvadegos NEWA e FINISTERRE /
colecção F. Cabral, Porto /.

 O HERSILIA encalhado na restinga do Cabedelo, vendo-se populares colhendo carvão alijado ao mar / Colecção F. Cabral, Porto /.

 Barca BELA VISTA / Colecção Seixas - MM /. 


A 21/04/1949, o sota-piloto-mor Manuel de Oliveira Alegre completou 52 anos ao serviço da corporação de pilotos do Douro e Leixões, alcançando o limite de idade. Por tal motivo e para lhe testemunharem simpatia e admiração pelas suas qualidades de trabalho, os seus colegas prestaram-lhe significativa homenagem, oferecendo-lhe um jantar de despedida, que teve lugar no restaurante Freitas, sito na rua do Bonjardim, na baixa do Porto.
Na mesa de honra, tomaram lugar, além do homenageado; José Fernandes Tato, piloto-mor; Joel Monteiro da Cunha, sota-piloto-mor; Mário Francisco da Madalena e Aires Pereira Franco, cabos-piloto. Noutros lugares sentaram-se os pilotos Hermínio Gonçalves dos Reis, Francisco Soares de Melo, Bento da Costa, Manuel Pereira Franco, Francisco José Campos Evangelista, Tito dos Santos Marnoto, Luís Ventura, Henrique Correia Hugo, Francisco Cardoso de Matos, Afonso Moreira, Alberto da Costa, Eduardo Fernandes Melo, Vasco Armando Morais, João Cardoso Meireles e os escriturários Secundino Reina e Álvaro Leite. Foram lidos muitos telegramas de saudação ao homenageado, dentre os quais, o de David Leite, José Rebelo Prata de Lima, Joaquim Moreira, José Rabumba, Manuel Aveiro, Carlos Leite, Francisco Rosa. Foi, também lida uma mensagem do piloto Jaime Martins da Silva e do vigia Eurico Franco, ambos de serviço nocturno à estação de pilotos da Cantareira e também uma comunicação do Cte. João Pais, chefe do Departamento Marítimo do Norte, em que este se associava à homenagem, afirmando que a briosa corporação dos pilotos, muito devia ao homenageado.
Após os discursos e brindes, aquele sota-piloto-mor agradeceu a homenagem, que lhe fora prestada e no final em memória dos pilotos falecidos no mar, vítimas do cumprimento do dever, foram guardados dois minutos de silêncio.
Manuel de Oliveira Alegre, natural da Foz do Douro, onde nascera em 1882, ingressou em 1897 na corporação de pilotos, se bem que, anteriormente já tivesse colaborado como elemento eventual nas catraias de apoio à navegação no rio. Foi admitido a piloto praticante em 1909 e a piloto efectivo em 1911 e foi nomeado cabo-piloto em 1937 e sota-piloto-mor em 1946, tendo sofrido alguns percalços no rio e barra do Douro, entre os quais o acidente por encalhe com o vapor Alemão HERSILIA, da barca de três mastros Portuguesa BELA VISTA e do vapor Alemão WALTER LEONHARDT, estes dois que vieram rio abaixo devido a cheia no rio, e se quedaram frente a Massarelos, tendo nos três acidentes vindo para terra pelo cabo de vaivém. Aposentou-se em 1949 com 40 anos de serviço e 67 anos de idade. Faleceu em 16/05/1969 e encontra-se sepultado em jazigo de familia no cemitério da Foz do Douro.
O HERSILIA, 94m/2.028tb, fora construído em 1901 pelo estaleiro Akt. Ges. Neptun, Rostock, para o armador Dampschiffs Rhederei Horn Akt. Ges., Horn Linie, Lubeck, que o colocou no tráfego carvoeiro, vindo consignado aos agentes J. W. Burmester & Ca., Lda. e saíra do porto de Emden a 01/11/1911, transportando 3.250 toneladas de carvão destinados à CP – Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses. Porém devido ao seu excessivo calado de 19 pés, foi impedido de entrar no rio Douro, pelo que no dia 10 demandou a bacia do porto de Leixões, a fim de ser aliviado para laitas, de 900 toneladas de carvão, visto a barra do Douro, naquela ocasião, só permitir calados no máximo de 16 pés.
Na manhã do dia 15, pelas 08h30, o vapor HERSILIA deixou o porto de Leixões rumando ao rio Douro mas atendendo a alguma vaga e até porque a barra estava muito apertada e com águas de cima, além de algum escarcéu, o rebocador MINHO, propriedade dos agentes do vapor, pegou à proa, a fim de auxiliar a manobra de entrada até às bóias dos Arribadouros/Cantareira.
Cerca das 09h00, quando já ultrapassada a bóia da barra, o vapor guinou, perigosamente para estibordo, e, apesar de todos os esforços do rebocador, foi o mesmo incapaz de levar o vapor para o canal, pelo que o piloto Manuel de Oliveira Alegre, vendo o risco do navio ir sobre a restinga do Cabedelo mandou largar o ferro de bombordo e máquina toda força à ré, a fim de aguentar a estocada, o que de nada lhe valera, indo o vapor atravessado encalhar, profundamente nas areias daquela malfadada restinga, e com falha de máquina, devido ao esforço feito para entrar no canal de navegabilidade.
Da Cantareira, seguiu para o local do encalhe um dos dois salva-vidas da Foz, sob as ordens do piloto Amaro António da Fonseca e do patrão Manuel Ferreira Nunes, tendo com bastante dificuldade estabelecido cabos para o rebocador ÁGUIA, entretanto chegado em socorro do vapor sinistrado e, apesar das várias tentativas de desencalhe realizadas até à preia-mar, acabaram por infrutíferas, pelo que os bombeiros montaram e estabeleceram às 11h45 um cabo de vaivém, no qual foram resgatados o piloto da barra e os 19 tripulantes, incluindo o comandante Bellmann. Todos eles trouxeram para terra as suas roupas e objectos de uso pessoal, tais como binóculos, sextantes, livros, fotografias, etc. tendo o seu comandante tido o cuidado de deixar o vapor com as caldeiras apagadas e não se notavam indícios de estar arrombado, visto não ter embatido nas pedras, pelo que em ocasiões de maresia seria muito possível, que viesse a flutuar e assim aconteceu, porque mudou de posição por várias vezes, tendo em algumas ocasiões impedido o normal movimento de navegação na barra, posicionando-se atravessado ao canal, pelo que segundo consta, foi necessário utilizar explosivos para o retirar daquela incómoda posição.
Entretanto, como hoje em dia sucede, o Departamento Maritimo do Norte reuniu com os agentes consignatários do vapor sinistrado, a firma J. W. Burmester & Cia, Lda, e com os representantes dos dois salvadegos a seguir mencionados, a firma Jervell & Knudsen, Lda.
Várias tentativas, que se tornaram infrutíferas, de pôr o HERSILA a flutuar foram realizadas por dois salvadegos, entretanto chamados, o Alemão NEWA e o Espanhol FINISTERRE, que acabaram por desistir do salvamento, por o mesmo se vir a tornar inviável.
O vapor acabou por ser vandalizado e julgamos, que mais tarde foi destruído pela acção demolidora da forte maresia, e dizia-se, que um certo dia a sirene do vapor, que fora furtada por intrusos, ouvia-se a apitar numa fábrica para os lados da Afurada.
A 23/12/1916 estava fundeada em frente a Massarelos a barca Portuguesa BELA VISTA em lastro, construída em 1896 com 550tb, do armador J. E. Milhomens, registada na capitania do porto de Lisboa, devido à força da corrente de cheia que o rio Douro apresentava, a barca garrou e abalroou uma traineira causando-lhe grandes avarias, partindo-lhe o mastro e destruindo-lhe a chaminé. No entanto, o dano para a BELA VISTA foi insignificante.
Dado o pedido de socorro, o rebocador ASSUMPÇÃO rebocou uma catraia onde seguiram 11 homens para bordo da BELA VISTA para auxiliar as manobras de reforço das amarrações, com eles seguiu também para bordo o piloto Manuel de Oliveira Alegre. Às 19h00, já de noite, rebentaram novamente as amarras e o navio ficou apenas fundeado por um ferro.
Na iminência de um desastre, compareceram em Massarelos os Bombeiros Voluntários do Porto e os Bombeiros Municipais com o equipamento de socorro a náufragos.
Foi montado um cabo de vaivém entre a BELA VISTA e o cais de Massarelos pelos Bombeiros Voluntários do Porto, sendo retirados de bordo para terra (segundo o jornal O Comércio do Porto):
Vitorino Domingos Carvalho, 40 anos, casado
António Pimpão, 19 anos
Joaquim Vieira, 28 anos, casado, residentes em Miragaia
Joaquim da Silva, 36 anos, residente em S. Martinho
José da Costa, 34 anos, casado, morador no muro dos Bacalhoeiros
António Mendes, 40 anos, solteiro
Miguel Assumpção Bomba, 26 anos, solteiro, de Lisboa
Joaquim Silva Serrão, de 43 anos
António Cruz Branco, 31 anos, casado
António Vaz, 26 anos, solteiro
João Braz da Fonseca, 38 anos, casado
E, por último, às 21h30, o piloto Manuel de Oliveira Alegre, de 32 anos, solteiro, residente na Foz do Douro.
A delegação da Cruz Vermelha montou um posto de socorros numa das dependências da fábrica da Fundição de Massarelos, sendo esse serviço organizado pelo comandante-chefe Albertino Barreto
A direcção dos serviços clínicos esteve confiada ao Dr. Mário de Castro, filho, auxiliado pelo quintanista de medicina Afonso Malheiro
No posto foram socorridos:
José da Costa, casado, 34 anos
António Pimpão, 19 anos, solteiro
António Vieira, 28 anos, casado
António Mendes, 40 anos, solteiro 
Miguel Assumpção Bomba, 26 anos, solteiro, de Lisboa
Joaquim da Silva Távi, 36 anos, casado
António Cruz Branco, 31 anos, casado
António Vaz, 26 anos, solteiro
Estes quatro últimos seguiram em automóvel para a delegação da Cruz Vermelha onde ficaram hospitalizados na sua enfermaria.
Não houve feridos de importância mas apresentavam-se todos molhados, em estado de hipotermia, sendo necessário reanimá-los.
No Hospital da Mesiricórdia foi socorrido pelo Dr. Ângelo das Neves o comandante dos Bombeiros Voluntários Armindo Barros ferido numa vista por uma a faúlha de um archote
Devido à situação precária do navio, manteve-se durante a noite em Massarelos o carro de socorros a náufragos dos Bombeiros Voluntários do Porto com um piquete de bombeiros.
Pela acção desenvolvida, o proprietário da BELA VISTA, J. E. Milhomens, gratificou a título voluntário Manuel de Oliveira Alegre com a quantia de 10.000 reis (10.000 reais = 10 escudos)
A 19/02/1936, devido ao crescimento das águas de cheia do rio Douro, que iam com uma forte corrente descontrolada, os cabos que sustinham o vapor Alemão WALTER LEONHARDT, fortemente amarrado no lugar do cais das Pedras, rebentaram e aquele vapor foi parar ao meio do rio, diante de Massarelos, onde se deteve. Ao cabo de algum tempo começou a descair para o lado sul e a sua tripulação orientada pelo piloto Manuel de Oliveira Alegre, fê-lo encostar um pouco mais próximo da margem esquerda e amarrá-lo no lugar da Arrozeira, onde permaneceu a salvo, e julga-se que alguma tripulação e o piloto da barra tivessem vindo para terra pelo cabo de vaivém estabelecido pelos bombeiros.
Contava aquele piloto prático da barra, tio-avô do autor, entre muitos episódios, um que vale a pena destacar e de que foi protagonista alguns anos após ter sido admitido a piloto efectivo. Coubera-lhe de saída um vapor carvoeiro de nacionalidade Alemã, de cerca de 100m/2.500tb, amarrado no lugar dos Vanzelleres, local onde se encontra o actual cais de Gaia, o qual iria sair em lastro ou seja com os porões completamente vazios. Chegado a bordo e observando as dimensões do vapor, avisou o capitão, que necessitava de um rebocador, a fim de realizar a manobra de rotação mas aquele recusou, peremptoriamente a utilização do rebocador. Note-se que nas manobras de navios no rio Douro não era obrigatório s utilização de rebocadores.
O piloto Manuel de Oliveira Alegre insistiu com o capitão, expondo as razões da necessidade do rebocador mas não o demoveu e embora contrariado mas como pessoa bastante calma, pouco dada a conflitos e na verdade assim o era, pois na ocasião da sua chegada ao areal na bóia-calção do cabo de vaivém, quando do encalhe do HERSILIA, chegou a terra de calças arregaçadas, casaco da farda no braço, boné e sapatos na mão, contudo apresentando-se com a maior das calmas, como se nada lhe tivesse acontecido. Em face da teimosia do capitão em recusar o rebocador, aquele experimentado prático da barra arriscou-se a desandar o vapor numa manobra bastante original, que na sua opinião pareceu-lhe ser a de mais fácil execução. Mandou largar os cabos de terra e aguardou no meio do rio a vinda da corrente da vazante. Passado uma hora, viu aproximar-se o respectivo corso junto da ponte D.Luis I e então já com os cabos de terra recolhidos a bordo, mandou virar o ancorote dos pilotos à popa e suspender os ferros à proa e como o calado de água do vapor era bastante leve, fez com que ele fosse de ré sobre o banco de areia dos Banhos, junto da lingueta do mesmo nome, ficando ligeiramente encalhado, atravessado ao rio. Entretanto, a força da corrente de cima, começou a impelir a proa para jusante e com a hélice em marcha à ré, foi esgaivando a areia para não permanecer demasiado encalhado de popa, quando tem o vapor em posição de seguir para vante e livre dos piões das barcas, meteu leme a estibordo e máquina toda força avante, a fim de governar e lá se foi rio abaixo em direcção à barra, sem mais contrariedades.
Fonte: José Fernandes Amaro Junior, Imprensa diária, Manuel Alegre (neto), Miramar Ship Index
(continua)
Rui Amaro


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