terça-feira, 5 de junho de 2012

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 237



CICLONE SOBRE A REGIÃO DO PORTO, QUE ORIGINOU O ENCALHE DO PAQUETE "CUYABÁ" E DO VAPOR "HADIOTIS" NO PORTO DE LEIXÕES E INCIDENTES COM LUGRES BACALHOEIROS NO RIO DOURO


 
 
O HADIOTIS encalhado junto da praia do Pescado, Matosinhos / foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral, Porto /.
 
A 15/02/1941, pelas 16h00, começaram a sentir-se ventos tempestuosos do quadrante noroeste com rajadas de 65kmH, as quais por vezes aumentavam de intensidade, formando forte maresia, que penetrava, perigosamente na bacia e na nova doca comercial do porto de Leixões, e das 18h00 às 21h30 passou à situação de ciclone com ventos soprando entre os 128 e 145kmH. Aquele ciclone devastava-tudo por onde passava, eram árvores, automóveis, telhados, casas velhas, embarcações, etc. Por precaução, o sota-piloto-mor António da Silva Pereira, já tinha mandado alguns pilotos para bordo dos vapores surtos no anteporto para resolver qualquer eventualidade, que entretanto surgisse e de facto a sua decisão não foi em vão. No pico do ciclone, o paquete Brasileiro CUYABÁ, 129m/6.672tb, piloto Tito dos Santos Marnoto, transportando passageiros e carga diversa, fundeado a dois ferros ao norte, partiram-se-lhe as duas amarras, situação provocada pela força da ressaca e do vento. Aquele paquete tendo a máquina a trabalhar no máximo, não se consegue deter devido à força eólica do ciclone, apesar das manobras orientadas por aquele piloto, vai de garra e acabando por encalhar junto da entrada da doca nº 1, que por pouco não ficou bloqueada, ficando um pouco adornado.
Também o vapor Grego HADIOTIS, 121m/4.386tb, piloto Francisco José de Campos Evangelista, em lastro, fundeado a dois ferros na Bacia, com a máquina a trabalhar no máximo da sua potência, apanha de lado a força do vento e vai de garra sobre o CUYABÁ, mas aquele piloto, com certa perícia, tenta conduzir o vapor de maneira a impedir o abalroamento com o paquete Brasileiro, que entretanto encalhara, não evitando, que também o HADIOTIS acabe por varar na praia, a sul da rampa do Pescado. Tudo isso depois de ter passado por cima dos escolhos de natureza granítica, que eriçavam o fundo daquela zona portuária, rebentando com eles e rasgando-se a si próprio. O vapor ficou de proa a sul, portanto paralelo à praia. Era impressionante ver um navio tão grande naquela posição e era voz corrente, que ele se não safaria das garras em que caíra, visto que excepcionalmente se formaria outra maré igual à do dia em que encalhara e que só outro ciclone poderia reproduzir. O argumento tinha peso mas não era convincente e muito menos decisivo. Assente sobre rochas rijas, mais salientes umas que outras, força essa, como de facto sucedeu, que algumas lhe amolgaram ou trespassaram o fundo, que todo se deformou mais ou menos.
No cais acostável do Molhe Sul, por ter garrado, foi amarrado o vapor Português PÁDUA, 60m/665tb. O capitão do porto de Leixões, por medida de precaução, mandou retirar para terra toda a tripulação do iate-motor Português JUDITH 1º, 29m/96tb Esta embarcação, que se destinava ao porto de Setúbal, arribara ao porto de Leixões, a fim de se abrigar do temporal desfeito, que se fazia sentir por toda a costa. O salva-vidas CARVALHO ARAÚJO e todo o pessoal da capitania e dos pilotos estavam de prevenção sob as ordens do Capitão do Porto, Conde de Vilas Boas. O barómetro da Capitania acusou a pressão mais baixa de que havia memória e desde há cinquenta anos, que não eram sentidos ventos tão fortes.
 
 
Lugres bacalhoeiros em Massarelos, rio Douro, vendo o PAÇOS DE BRANDÃO semi-submerso / fotos Imprensa diária /,

No rio Douro, os lugres bacalhoeiros Portugueses ANA MARIA, PAÇOS DE BRANDÃO, DELÃES e OLIVEIRENSE, que ultimavam os seus fabricos, a fim de rumarem aos Grandes Bancos, colidiram uns contra os outros, ficando muito danificados, devido ao caudal do rio e ao ciclone. O lugre à vela PAÇOS DE BRANDÃO foi o mais atingido, partindo-se o pau do gurupés, a borda falsa e a gaiúta da máquina do leme. Estes quatro lugres de três mastros, construídos em madeira, foram atirados sobre a margem de Massarelos, ficando o PAÇOS DE BRANDÃO semi-submerso com a proa debaixo de água, pelo que teve de ser posto a reflutuar e sofrer reparações dmoradas, pelo que na campanha de 1941, a sua largada para os pesqueiros da Terra Nova, foi demasiadamente tardia.
No Passeio Alegre o mar encapelado galgava os paredões da barra e inundava as margens com as suas águas agitadas. As pequenas embarcações, que não houvera tempo de as colocar a salvo em terra, baloiçavam ao sabor da forte ondulação. Na região do Porto e pelo resto do país os acidentes e prejuízos, causados pelo ciclone, eram incalculáveis.
Quando o temporal amainou e a maré-alta facilitou, o paquete CUYABÁ foi desencalhado das pedras com o auxílio dos rebocadores TRITÃO, NEIVA e o rebocador dos pilotos COMANDANTE AFONSO DE CARVALHO, coadjuvados pelo salva-vidas CARVALHO ARAÚJO. Tendo o CUYABÁ sido levado para a doca nº 1 – lado norte, a fim de ser vistoriado e reparado de avarias ligeiras.

O paquete CUYABÁ na doca nº 1 Norte, vendo.se ao fundo a draga ADOLFO LOUREIRO e o vapor KASSOS. No lado Sul vê-se o rebocador GUADIANA / Foto Imprensa diária /. 

Quanto ao vapor HADIOTIS, o seu salvamento, muito mais complexo e demorado, foi entregue à A.G.P.L. – Administração Geral do Porto de Lisboa, sob a orientação do Eng. Salvador de Sá Nogueira, reconhecido especialista e sua equipa técnica, que já tinham dado suficientes provas com os resgates das seguintes embarcações no Tejo: rebocador CABO SARDÃO, vapor SIVA (depois FOCA), draga ALCANTARA, e da nau PORTUGAL (depois batelão NAZARÉ).
Acertadas as condições e assinado o contrato de salvamento, sob a forma “no cure, no pay”, a 06/04/1941 foi feita uma minuciosa inspecção ao vapor, iniciando-se os trabalhos da sua recuperação e após várias tentativas, a 15/04/1941, às 04h45, os salvadegos da A.G.P.L. CABO ESPICHEL e o CABO RASO à proa e o CABO DA ROCA à popa começaram a puxar. Às 05h45 o HADIOTIS libertava-se da sua última prisão e flutuava, finalmente após se ter inundado o tanque de vante e parte do porão nº 1, a fim de se lhe modificar o caimento de modo conveniente, apesar de já de véspera se ter movido bastante. Colheu-se depois o ferro de bombordo, que veio para cima sem as unhas e foi fundear na covada, junto do molhe Sul. Às 16h00 suspendeu e recolheu à doca nº 1, levado para ali pelos salvadegos CABO RASO e CABO DA ROCA, onde foram efectuados os preparativos para a viagem até ao porto de Lisboa. A 24/04/1941, terminados os referidos trabalhos e cumpridas as formalidades legais deixou o porto de Leixões pelas 12h00, e a 25 às 11h00 entrava na doca de Alcântara, a cujo cais Sul ficou atracado, a aguardar acesso a doca seca, ali vizinha, para reparos.

 O HADIOTIS em doca seca da A.G.P.L. em reparação das avarias sofridas / foto de autor desconhecido /.

O vapor HADIOTIS, imo 4067142, que fora construído no ano de 1928 pelos estaleiros Northumberland Shipbuilding Co., Ltd., Howden-on-Tyne, para o armador grego Pnevmaticos et al, gestor Kassos Steam Navigation Co, Ltd, Syra, na ocasião do encalhe estava fretado ao governo da Suíça, a fim de fazer face ao abastecimento daquele país, devido à situação de guerra. A 15/09/1941 foi comprado pelo seu fretador, que lhe deu o novo nome de EIGER, e apesar de ter sido considerado como “constructive total loss”, foi completamente reparado pelos estaleiros da CUF, de Lisboa, tendo sido substituído todo o seu fundo.
A 10/01/1942, arvorando o pavilhão da Suíça e os distintivos de guerra, assinalando a sua nacionalidade neutral, deixou o porto de Lisboa rumando ao porto de Génova sob o comando do capitão Português João Quininha. A 10/04/1947 foi adquirido pelo armador Swiss Shipping Co, Ltd, Basileia, que lhe alterou o nome para o de CRISTALLINA; 07/01/1949 NICKY, Pappadakis A. G., Grécia; 1951 FUJIKAVA MARU, Kawasaki Kisen Kaisha, Japão; 1957 TENJHO MARU, Hakuyo Kisen Kaisha, Japão;
16/06/1963 chegava a Osaka para desmantelamento.
O paquete CUYABÁ, imo 5602658, foi lançado à água em 18/08/1906, com o nome de HOENSTAUFEN, pelos estaleiros Bremen Vulkan, Vegasack, para a importante companhia Hamburg Amerika Line (HAPAG), Hamburgo, que o colocou na linha do Brasil e Rio da Prata. Em 08/1914, devido à eclosão da segunda guerra mundial, refugiou-se no porto do Rio de Janeiro. A 01/06/1917 foi requisitado e confiscado pelo governo Brasileiro, sendo a partir dessa data gerido pelo Lloyd Brasileiro, que o adquiriu em 1927 para o seu serviço com a Europa, passando a escalar os portos de Lisboa e Leixões até meados da segunda guerra mundial, altura em que passou a servir o tráfego costeiro do Brasil. Em 07/1963 foi entregue aos estaleiros de Chaves e Furno, do Rio de Janeiro, para demolição.
O CUYABÁ, quando a 27/07/1937 navegava sob denso nevoeiro, vindo do norte da Europa de rumo à barra do Tejo, encalhou nas ilhas Berlengas, conseguindo mais tarde safar-se com a ajuda de várias embarcações, que acorrerem em seu auxilio, tendo seguido a reboque para o porto de Lisboa. Alguns anos mais tarde, 09/1942, sofreu um grave acidente, quando navegava em comboio naval durante a noite com as luzes apagadas, a fim de evitar os submarinos Alemães, juntamente com o paquete do mesmo armador SIQUEIRA CAMPOS, sob escolta naval brasileira, tendo ambos sofrido graves rombos e avarias. Os dois paquetes rumaram à costa Brasileira. O CUYABÁ arribou ao porto de Fortaleza, onde foi varado numa praia. O SIQUEIRA CAMPOS foi fundear num baixio, junto à praia, no entanto dado que as bombas de bordo não davam vazão à penetração das águas, acabou por ser abandonado, afundando-se no local onde ainda hoje parte da sua estrutura é visível. A 17/09/1942 os paquetes CUYABÁ e BAGÉ, ambos do mesmo armador, partiram do porto do Rio de Janeiro para o porto de Lisboa, transportando os embaixadores da Alemanha e da Itália, bem como demais funcionários diplomáticos e súbditos dos dois países, sem escolta, contudo nos seus costados levavam assinalados grandes dizeres que indicavam a sua missão diplomática.
Relacionado com o encalhe do CUYABÁ, a corporação de pilotos apresentou a 22/03/1941 ao Lloyd Brasileiro a factura do valor de esc:150.000$00 pelos serviços prestados pelo seu rebocador COMANDANTE AFONSO DE CARVALHO nas manobras de desencalhe daquele paquete em 16/02/1941. O armador apenas se prontificou a pagar esc:10.000$00, o que não teve aceitação dos pilotos, pelo que em face disso a corporação de pilotos passou a recorrer da decisão do tribunal, contudo a 13/10/1941 uma Comissão da Corporação de Pilotos composta pelos seguintes elementos: Sota-pilotos-mores António da Silva Pereira e José Fernandes Tato; pilotos José Fernandes Amaro Júnior, Aires Pereira Franco, Aristides Pereira Ramalheira, Luís dos Santos Ventura e Francisco Campos Evangelista, teve uma reunião com o director do Lloyd Brasileiro nos seus escritórios da cidade do Porto, a fim de solucionar o o assunto em litígio, tendo o mesmo ficado resolvido a contento de ambas as partes.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Miramar Ship Index; Swiss Ships.
(continua)
Rui Amaro 

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