segunda-feira, 15 de novembro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 111

A SAIDA Á VELA ATRIBULADA DO PALHABOTE “AFONSO” DO PORTO DE LEIXÕES


Postal ilustrado mostrando um palhabote à vela demandando a barra do rio Douro por volta de 1900 .


Descrição textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relacionada com o seu serviço ao palhabote à vela Português AFONSO, na manobra de saída do porto de Leixões. Este navio fora construído no ano de 1900 na Gafanha da Nazaré, por Manuel Maria Bolais Mónica.

«A 26/03/1933, dia de nortada forte, encontravam-se ancorados na bacia do porto de Leixões alguns vapores realizando operações comerciais, dos quais se destacavam o paquete Holandês ZEELANDIA em viagem de Amesterdão e portos da Galiza para a costa Leste da América do Sul, o vapor Americano SAHALE procedente do Golfo do México com destino ao Mediterrâneo, o NRP IBO, canhoneira da fiscalização das pescas e mais três navios à vela, que aguardavam melhoria de tempo favorável para se fazerem aos seus portos de destino e destes constava o palhabote AFONSO, 30m/133tb, com um carregamento completo de madeira.

Aquele palhabote, ancorado no quadro do Norte, acabara de pedir piloto para deixar o porto, e por ordem do cabo-piloto Paulino Soares Biltes, embarquei na lancha P3, que me transportou ao navio. Ás 13h00 subo a bordo e encontro o navio com o ferro de bombordo dentro e o de estibordo no fundo com uma manilha e meia ao molinete.

Orientar a manobra de um navio à vela por entre muitas embarcações, nomeadamente vapores fundeados num espaço restrito, como se compreenderá é deveras complexo e arriscado, apesar da experiência já de há muito tempo adquirida. A vela do traquete estava içada. Olhei para o jeito, que o navio fazia devido à nortada desabrida e falei ao mestre para arriar a dita vela, para evitar o descaímento sobre o NRP IBO e também lhe disse para suspender o ferro. Passou-se um cabo à lancha de maneira a sossegar o navio aproado ao vento mas como começasse a seguir por de roda sem pano algum, mandei a lancha puxar para estibordo, infelizmente o lais de guia do cabo pegado à popa da lancha, desfez-se e nunca mais a lancha conseguiu segurar o navio e este começou a derivar para leste.

Na parte norte estava fundeado o SAHALE e por terra o ZEELANDIA. Como o palhabote estivesse a descair para cima do vapor americano, mandei içar o traquete e aguentei-me à roda do leme, fazendo rodar o navio todo para bombordo, além de mandar içar a vela grande e assim conseguiu-se navegar safo dos dois vapores mas como o palhabote não desandasse por de vante, disse ao mestre para preparar o ferro para ser largado próximo da praia da Sardinha. Logo de seguida, ouço alguém à proa a gritar para que se largasse o ferro. Então, corri para a proa e dei ordem em contrário até eu decidir e fiz ver, que as ordens de manobra dentro dos limites da área de pilotagem portuária são da responsabilidade do piloto da barra, que como se sabe é o prático do porto.


Postal ilustrado do porto de Leixões, anteriormente à construção da doca nº 1, vendo-se o porto de Serviço e Bacia. Entre os vapores e paquetes em operações comerciais, destaca-se o Americano SAHALE junto da embocadura do porto.


Deixei o navio seguir, de maneira a não se atravessar na proa do ZEELANDIA, quando vi que já estava safo mandei largar o ferro e arriar o pano todo mas o mestre foi de opinião, que não haveria necessidade de arriar a vela grande. Daí a poucos minutos apareceu a lancha P1 para rebocar o navio, vindo a bordo o cabo-piloto Paulino Soares Biltes, acompanhado dos pilotos Júlio Pinto de Carvalho e Manuel Pinto da Costa. Passado o cabo de reboque, um virador reforçado, à lancha grande e um cabo singelo à lancha pequena, dei ordem para suspender o ferro e as duas lanchas puxaram o navio para norte. Mandei içar as velas da proa e o traquete e com as lanchas a posicionar o navio um pouco para sul, folgou-se as escotas. O navio tomou seguimento mas não obedecia ao leme e ia direito ao vapor SAHALE e digo eu. Valha-me Deus, que colisão esta! Mandei arriar os piques do traquete e da vela grande mas não via maneira do navio obedecer ao leme. O navio seguiu a rastejar a fragata BOA UNIÃO, que estava a receber carga daquele vapor. Meteu o bote da fragata no fundo, acabando por embater numa barca carregada de algodão e o barco dos estivadores seguiu pegado ao palhabote até por fora dos molhes.

Saltei para a lancha P3 com o palhabote AFONSO de capa ao vento, o qual prosseguiu a navegação à bolina e pouco depois tomou o rumo de sudoeste. A lancha P1 trouxe a reboque o barco dos estivadores, que por sorte não sofreu qualquer avaria. A fragata e a barca sofreram danos de pouca monta. Chegados a terra às 15h00, eu e o cabo-piloto fomos à Capitania dar parte do incidente ao patrão-mor, no entanto jamais fui chamado à presença do capitão do porto».

Aquele piloto contava ao autor, que já passara por experiências, com navios à vela e recordava-se de um ano antes ter embarcado ao largo da barra do Douro num palhabote à vela Inglês da praça de S. João da Terra Nova, julgamos ter sido o MARK H. GRAY, 30m/163tb, e, enquanto esperava pela maré para 15 pés de água e pelo rebocador, deixou o navio continuar a navegar â bolina com o pano todo em cima, visto não ter necessidade de fundear por tão pouco tempo e também devido à forte nortada, que se fazia sentir.

Chegado o rebocador MARS 2º, a cerca de duas milhas para oés-sudoeste da barra, estabeleceu-se o cabo de reboque e então foi-se reduzindo o pano, ficando apenas a vela do traquete e uma vela de proa, a fim de auxiliar o rebocador, uma vez que se navegava a sotavento da barra. Este tipo de embarcação de vela é bastante veloz, e então o palhabote começou a ganhar avanço, pelo que em pouco tempo posicionou-se a par e por estibordo do rebocador.

O mestre do MARS 2º, como é evidente, estava a ficar em apuros e como assim, começou a apitar para que se arriasse o restante velame. Entretanto, a tripulação tratou de recolher o pano e o rebocador desandou por barlavento, metendo-se de capa ao vento com o palhabote pela popa, contudo logo que as velas foram recolhidas rumou-se à barra e foi-se amarrar o navio, junto das escadas das Padeiras, Ribeira do Porto, onde o navio descarregaria a partida de “stock fish”, que transportava nas suas escotilhas desde o seu porto de registo. Naquele ancoradouro encontravam-se outros palhabotes, iates e lugres Ingleses da Terra Nova ou dinamarqueses realizando operações de descarga de bacalhau vindo daquela província do Canadá ou da Islândia.


Postal ilustrado mostrando um palhabote e dois lugres ingleses de S. João da Terra Nova amarrados nas escadas da Padeira, Ribeira do Porto, aguardando as suas descargas de bacalhau seco.


Baseado no modelo do casco e aparelho daqueles palhabotes e iates originários da Terra Nova, Nova Escócia e do Massachussetts, que pescavam ou transportavam bacalhau e de regresso da península Ibérica levavam sal ou outro tipo de carga, indo mesmo ao sul de Espanha, sobretudo a Alicante, carregar frutas, é que foram projectados os três lugres a motor bacalhoeiros de quatro mastros Portugueses SANTA MARIA MANUELA. CREOULA e ARGUS, construídos no ano de 1937.

O palhabote é um navio de dois mastros de velas latinas, com um mastaréu em cada mastro e à proa usa um pau da bujarrona, conquanto o hiate ou iate não tem mastros guarnecidos de mastaréus. No entanto, os mais recentes já não ostentavam o característico pau da bujarrona ou mesmo gurupés e muitos já possuíam motor auxiliar.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior

(continua)

Rui Amaro

4 comentários:

Anónimo disse...

Bons dias

Acho muito interessante esta sua descrição.

Descobri recentemente que um meu tetravô foi piloto-mor da barra da Foz do Douro entre 1852 e 1886.
Manuel Luis Monteiro (1810-1886), e os seus vários filhos também eram pilotos da barra.
Que seja de seu conhecimento, existirão algumas informações sobre estas pessoas nos arquivos do Porto?
Melhores cumprimentos
Hélio Pereira

Rui Amaro disse...

Amigo Hélio Pereira
Recordo.me de meu pai nascido em 1899 e falecido em 1965 falar de um piloto-mor Sr Manuel Monteiro, possivelmente seria o seu tetravô, que foi o segumdo piloto-mor da barra do Douro em termos de corporação de pilotos já com alguma organização.
Quanto a arquivos da Corporação de Pilotos do Douro e Leixões, segundo alguém há uns anos me disse que foi destruido, aquando da passagem da corporação para a nova estação de Leça da Palmeira, ai por finais da década de 50, o que foi um erro imperdoável, porque além dos nomes dos pilotos e seus assalariados, havia o livro de registos de entradas e saídas de navios no Douro e Leixões e dos muitos acidentes nos dois portos, que aliás eu ainda cheguei a folhear os váriso livros de registos.
È tudo que lhe posso esclarecer.
Saudações maritimo-entusiásticas.
Rui Amaro - Foz do Douro

Anónimo disse...

Boa tarde amigo Rui Amaro

Grato pela sua informação.
De facto é uma pena que esses arquivos tenham desaparecido, mas nós não somos bons a cuidar do nosso património. Um dos netos desse meu tetravô, Telémaco Luis Monteiro faleceu em Gondomar em 1967, e também era piloto da barra.
Um abraço
Hélio Pereira

Rui Amaro disse...

Caro Hélio Pereira
Pois o seu familiar Telémaco Luis Monteiro deve ter falecido bastante idoso, e deve ter sido piloto da barra, muito antes de 1926, quando o meu pai com 26 anos de idade foi admitido na respectiva Corporação e faleceu em 1965 com 65 anos, até porque nos registos de meu pai não encontro aquele nome, e mesmo eu que desde a minha infância sempre andei envolvido na pilotagem do Douro e Leixões jamais ouvi falar do piloto Telémaco. Certamente após a reforma passou a residir fora da Foz do Douro ou Leça da Palmeira, onde residiam os pilotos da barra.
Da familia do único que sei foi o piloto-mor Manuel Luis Monteiro.
Na imprensa diária da época, possivelmente, com tanto incidente de que a barra do Douro era fértil e era noticia obrigatória, deve também aparecer nomes dos filhos do piloto-mór Manuel Luis Monteiro.
Sempre ao dispor
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro - Foz do Douro