quarta-feira, 25 de novembro de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 27



O VAPOR ALEMÃO “TENERIFE” SOFRE UM PERCALÇO Á ENTRADA DA BARRA



O TENERIFE cruzando de saída a barra do Douro em 06.08.1929 / (c) A. Teixeira da Costa /.


Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior do seu serviço de entrada do vapor Alemão TENERIFE na barra do Douro.

«A 20.02.1929, a barra do Douro estava com alguma ondulação e água da serra bastante impetuosa, que perigava a saída da lancha de pilotar P4, pelo que eu e o meu colega Joaquim Alves Matias fomos embarcar por Leixões, utilizando a lancha P1, nos dois vapores que desde a véspera se encontravam fundeados ao largo da costa, frente ao lugar de Carreiros, aguardando melhor maré, e sendo assim, eu saltei para o vapor Alemão TENERIFE e o meu colega Joaquim Alves Matias subiu a bordo do vapor Inglês LISBON.

Chegado à ponte, inquiri do comandante sobre o calado de água, que era de 15’06’’ e ordenei que preparasse o ferro de estibordo para três manilhas, ou seja pronto a largar na barra em caso de necessidade. Além disso ordenei para suspender o ferro de bombordo, a fim de irmos fundear mais próximo da barra, para melhor se distinguir as bandeiras nos mastros do castelo da Foz e do cais do Marégrafo, tendo ele me dito que dentro de vinte minutos o vapor ficaria pronto para as manobras. Passados os vinte minutos, o comandante regressou à ponte e disse-me que a máquina já estava operacional e que ia proceder de acordo com as minhas ordens.

Logo que o ferro ficou a prumo ao escovém, mandei meter marcha avante devagar e fui dar fundo a duas manilhas ao ferro de bombordo, safo do LISBON. Às 10h30 mandei suspender, porque vinha de saída o vapor Português LISBOA, e também os Alemães ATLAS e BILBAO. Passados poucos minutos foram içados em terra os grupos de bandeiras para 14’ para o navio-tanque SHELL 15, entretanto chegado à barra, vindo de Lisboa, que ficou sobre orientação do piloto Elísio da Silva Pereira, que de seguida demandou a barra, sem percalços.

Observando com os binóculos, vi o piloto-mor abandonar o cais do Marégrafo e dirigir-se à corporação, assim como o sinaleiro a recolher as bandeiras, pelo que eu e o meu colega do LISBON não tivemos outra alternativa senão passar a noite a bordo, e aguardar pela maré do dia seguinte, lá para as 10h00. Às 21h00 recolhi ao camarote, e no dia seguinte às 08h00, depois de tomar o pequeno-almoço, subi á ponte e reparei que tinham chegado mais dois vapores, o Português LOBITO e o Holandês THESEUS, e pouco depois vindo de Leixões chegava o Norueguês SECILIA e deu fundo por fora do meu vapor.

Às 10h30 foram içadas as bandeiras para 14’, pelo que o THESEUS se fez à barra. Pouco depois outro grupo de bandeiras para 15’, e entrou o LOBITO. O SECILIA começou a virar o ferro, e eu no meu vapor procedi da mesma maneira, colocando-me em franquia. Deixei o SECILIA seguir para a barra, e depois de ver içadas em terra as bandeiras de barra franca para o TENERIFE e para o LISBON, tomei a dianteira e rumei para a barra, contudo apesar de confiado no excelente navio, cujas manobras eram da minha responsabilidade, não deixei de pedir ao comandante, um veterano e experimentado nas lides da barra, para colocar um bom timoneiro ao leme do vapor, tendo-me ele dito que o marinheiro que estava ás malaguetas da roda do leme, era muito competente, pelo que o escalava sempre para a perigosa e assustadora barra do rio Douro. Então dirigi-me ao timoneiro, instruindo-o para reparar na restinga, que nunca deixasse o vapor ir demasiado a estibordo, aguentar para bombordo.

A vaga ainda era bastante e a água de cheia do rio trazia muita corrente e isto tudo aliado à restinga do Cabedelo, excessivamente estendida a Norte, tornava uma navegação muito complicada e cheia de perigos, mas também obrigava a uma atenção redobrada da minha parte.

Quando o que eu mais temia, era que o vapor fosse de guinada à restinga do Cabedelo a Sul, deu-se precisamente o contrário, ao alcançar o lugar da Forcada, meio do Cais Velho ou Touro, em marcha avante força, devido a desencontro de correntes, faltou água no leme e desgovernou perigosamente a bombordo, indo de proa ao enrocamento do acima referido cais. Sem perda de tempo ordenei leme todo a estibordo, mais força na máquina e como o vapor não estivesse a obedecer mandei largar o ferro de estibordo e máquina à ré, aguentando a amarra pouco a pouco, e quando o vapor ficou enfiado ao canal, mandei meter máquina avante força, e logo de seguida largou-se a amarra por mão, tendo depois rumado para montante sem mais incidentes, indo dar fundo com o ferro de bombordo, a quatro manilhas, reforço de cabos estabelecidos para terra e ancorote dos pilotos ao lançante para Noroeste, no lugar do cais do Cavaco, tendo chegado à corporação às 13h00 e a minha casa na Cantareira meia hora depois, de 21.02.1929. O vapor LISBON demandou a barra sem incidentes, depois de sanado o episódio com o vapor TENERIFE.

Segundo me constou, a manobra, que sem perda de tempo realizei, foi muito elogiada pelos curiosos que das margens assistiam ao movimento marítimo na barra, mas sobretudo pelos meus colegas e superiores hierárquicos.»


O HERMANN BURMESTER amarrado no lugar do Quadro da Alfandega, rio Douro / postal ilustrado da cidade do Porto /.


TENERIFE – 90m/2.451tb; 18.01.1922 entregue pelo estaleiro Nordeutsche Werft GmbH, Geestmunde, como HERMANN BURMESTER à Oldenburg Portugiesiche Dampfschiffs Rhederei (OPDR), Hamburgo; 1927 TENERIFE, mesmo armador; 1940 requisitado pela “Kriegsmarine”; 1946 entregue como reparação de guerra à França; 1946 BAALBECK, Sté de Nav. à Vapeur Daher, Marseille; 1951 KINERET, Zim Israel Lines, Haifa; 1955 ADLAI, Fedarco Cia. Naviera SA., Puerto Limon; 26.09.1957 naufragou na posição 22.06N/59.45L; 1958 desmantelado para sucata em Karachi.

O nome de HERMANN BURMESTER foi alterado para TENERIFE em 1937, julgo por razões governamentais. Tanto o HERMANN BURMESTER como o seu gémeo AUGUST SCHULTZE foram baptizados com os nomes de dois fundadores da OPDR, companhia esta estabelecida na cidade de Oldenburg em 1882, e que continua a escalar os portos de Lisboa e Leixões com modernos navios porta-contentores, contudo sob pavilhão Espanhol e registados no porto canarinho de Santa Cruz de Tenerife.

Hermann Burmester residia na cidade do Porto e foi fundador da firma Burmester & Cia., Lda., agentes da OPDR, que há poucos anos, juntamente com a W. Stuve & Cia., Lda. formara a Burmester & Stuve.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Oldenburg Portugiesische Dampfschiffs Rhederei . Reinhart Schmelzkopf.

(Continua)

Rui Amaro

Sem comentários: