O ARRASTÃO BACALHOEIRO “JOÃO MARTINS” EM DIFICULDADES NA BARRA DO DOURO
O JOÃO MARTINS saindo a barra do Douro sob nortada fresca em 20/10/1868, precisamente no local onde se viu em apuros / Rui Amaro /.
Estou-me a recordar do arrastão bacalhoeiro
Português JOÃO MARTINS, pertencente à SNAB – Sociedade Nacional dos Armadores
de Bacalhau, de Lisboa, procedente dos Grandes Bancos da Terra Nova e
Gronelândia e acabado de chegar à barra em 17 pés de calado, trazendo
no seu bojo cerca de 18.500 quintais de bacalhau frescal destinado à seca de
Lavadores, capturado naqueles bancos de pesca do noroeste do Atlântico. Aquele arrastão comportava uma equipagem de
cerca de 80 homens, cujos familiares vindos de vários centros piscatórios do
país, desde Ancora até Fuzeta, com enorme ansiedade os aguardavam desde manhã
cedo, como era costume à chegada dos navios bacalhoeiros, junto à praia das
Pastoras e ao cais da Meia Laranja.
A 20/12/1955, pelas 17h00, aquela moderna e
eficiente unidade de pesca, ao demandar a barra do Douro sob corrente de águas
de cheia e ronhentas, algum mar, por vezes de vaga alterosa a quebrar, que já o
vinha a fustigar desde os 500
metros para lá da boia da barra, correndo a ambos os
bordos, bastante vento noroeste e céus a ameaçar chuva e tempestade, sob a orientação
do piloto José Fernandes Amaro Júnior, meu pai, já muito perto da boca da barra
viu-se envolvido por vários andaços de mar, que lhe galgavam o convés, fazendo-o
riscar na vaga e derivar a estibordo para cima do fatídico Cabeço do cabedelo
da barra, banco de areia a sul, e posicionando-se um pouco de través ao mar e
prestes a encalhar. Felizmente, algum tempo depois, numa manobra de autêntica
perícia daquele prático, o JOÃO MARTINS consegue regressar a um dos enfiamentos
da barra, marca nova do Mato pelo farolim da Cantareira. Inexplicavelmente
junto da boia da Ponta do Dente, no rebaixamento das vagas, á ré, pela rabada
do navio, sentiram-se algumas pancadas secas no leito da barra, originando que
voltasse a desgovernar, perigosamente a estibordo sobre a restinga do Cabedelo,
o que fez temer o pior, todavia conseguindo, com alguma dificuldade, meter proa
a bombordo, o navio apanhando gosto às águas de cima tomou a direcção da ponta
do cais Velho, contudo aquele piloto ordenou leme a estibordo, aliviando logo
de seguida e dando, por vezes, mais força na máquina para melhor governar, e lá
prosseguiu para montante, sempre pela beirada do cais Velho e Meia Laranja sem
mais percalços, aproveitando a ravessa sem que tivesse necessidade de largar
qualquer dos ferros para contrariar os estoques de água ou as terríveis
ronhentas.
O NUNO FILIPE acostado a uma prancha-cais da Gafanha da Nazaré / Autor Ricardo Graça Matias - facebook BACALHOEIROS DE PORTUGAL /
Aquele navio foi dar fundo e amarrar no
lugar da Arrozeira, por vante do arrastão bacalhoeiro FERNANDES LABRADOR,
propriedade do mesmo armador, que entrara de véspera também em 17 pés de água e conduzido
pelo piloto José Fernandes Amaro Júnior, depois do piloto-mor ter ordenado a
abertura da barra à navegação, após alguns dias de cheia, a qual desbastando as
areias do Cabedelo, desassoreou e alargou bastante a barra, particularmente
diante da Meia-Laranja e do Touro, ficando a restinga próximo das pedras
denominadas Fogamanadas, e ainda bem que a barra alargou, caso contrário, o
navio tinha mesmo encalhado, e uma tragédia tinha sido consumada.
Na ocasião, que o navio estava em
dificuldades, aquele prático de 56 anos de idade e 30 de serviço activo sem
qualquer incidente de maior no seu currículo, só rogava à Nossa Senhora da
Lapa, padroeira dos pilotos da barra e dos mareantes da barra, cuja capela se
situava junto à estação de pilotos, que intercedesse a Deus para que o
auxiliasse a manobrar e conduzir o JOÃO MARTINS para montante. No entanto,
segundo ele me relatou, caso não conseguisse entrar no canal de navegação ou
fazer-se de novo ao mar, trataria de o encalhar o mais perto do enrocamento do
cais Velho, a fim de haver hipóteses de salvamento de todos os elementos a
bordo e mesmo posterior recuperação do próprio navio, porque do lado sul e à
hora a que se deu o incidente, com a noite a aproximar-se e a maresia a crescer,
aliado à força da corrente, a qual devido à proximidade da vazante aumentaria
de intensidade, teria havido uma das maiores tragédias jamais lembrada na
temível barra do Douro e ainda por cima na presença dos familiares da
tripulação, e de mim próprio que não sabia que a bordo vinha o meu pai, e um
parente mestre redes, da Murtosa.
Pouco antes passara a barra de entrada o
navio-motor Português ÁFRICA OCIDENTAL, de 72m/1.266tb, pertencente à Sociedade
Geral de Comércio, Industria e Transportes, de Lisboa, vindo em 15 pés de água, sob a
orientação do piloto Hermínio Gonçalves dos Reis, que também fora envolvido em
grande ondulação, riscando na vaga, vendo-se por vezes o seu hélice a trabalhar
fora de água, contudo passando a barra sem dificuldades de maior, salvo uma ou
outra guinada já dentro do rio, devido à forte corrente que se fazia sentir,
indo amarrar no ancoradouro da CUF, no lugar do Monchique.
Alguns dias passados, após o JOÃO MARTINS,
já em Lisboa, ter entrado em doca seca para limpeza do fundo e fabricos, foi
detectado que o cadaste e o leme estavam bastante danificados, possivelmente
devido às referidas pancadas. Só a mão de Deus deve ter estado ao leme daquele
arrastão bacalhoeiro!
O JOÃO MARTINS foi uma das vitimas da
grande cheia de 1961/62, o qual atracado ao cais de Gaia não conseguiu suportar
a força arrasadora da corrente do rio Douro, que lhe provocou o rebentamento
das amarrações que o ligavam aquele cais, garrando ao sabor das águas, com os
motores a trabalhar, de madrugada, todo iluminado mas sem tripulação, e saindo
a barra de popa arrastando pelo fundo os ferros lançados a prumo, juntamente
com outros navios, até ter sido resgatado pela sua tripulação ao largo da
barra, entrando de seguida em Leixões, aparentemente sem qualquer dano.
Quando o meu pai chegou a casa por volta
das 8 horas da noite e ao contar a odisseia porque tinha passado a mim e à
minha mãe, não conteve as lágrimas. Ele como prático da barra sabia muito bem o
drama que poderia ter ocorrido naquela malfadada barra!
JOÃO
MARTINS
– Arrastão clássico lateral bacalhoeiro/ imo 5172377/ 71,1m/ 1.264tb/ __nós;
07/1952 entregue pelos acreditados ENVC – Estaleiros Navais de Viana do Castelo
à SNAB – Sociedade Nacional dos Armadores de Bacalhau, de Lisboa; 1982 NUNO
FILIPE, António Conde & Cia., Lda., de Lisboa; 1990 RIO CABRIL, North
Ladytee E.B. Marine Inc, Panamá, Bandeira de conveniência da Republica do
Panamá; 2003 excluído do Lloyd’s Register of Shipping por dúvida de existência.
Foi o último arrastão clássico lateral a ser construído para a frota
bacalhoeira Portuguesa.
Fontes; José Fernandes Amaro Júnior;
Miramar Ship Index.
Parte deste trabalho está inserido no meu livro A BARRA DA MORTE - A FOZ DO DOURO (Edições O PROGRESSO DA FOZ) ano 2006.
Parte deste trabalho está inserido no meu livro A BARRA DA MORTE - A FOZ DO DOURO (Edições O PROGRESSO DA FOZ) ano 2006.
(Continua)
Rui Amaro
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