segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 260

UMA LARGADA DO PAQUETE “SERPA PINTO” DO PORTO DE LEIXÕES EM 1946 E A SUA HISTÓRIA



O SERPA PINTO atracado na doca nº 1 . norte e a despedida no momento do inicio da largada  /Foto Mar e Jornal de Noticias /.




PRINCEZA OLGA / postal do armador /.


O SERPA PINTO durante o conflito 1939/45 / autor desconhecido /.

Num dia dos últimos meses do ano de 1946, o marinheiro Carlos Leite Saragoça, da secção de pilotos de Leixões, chega ao torreão do castelo de Leça, onde estava instalado o posto de vigia dos pilotos e entrega o telegrama emitido pelo telegrafista Pantaleão, da Estação Telegráfica e Semafórica de Leça, (Castiçal ou 17 como era mais identificada), que comunica, que o paquete Português SERPA PINTO, atracado à muralha da doca nº 1 norte, agenciado à Agência de Navegação e Comércio, Lda., do Porto, pede piloto para largar às 17h00.
Àquela hora, o piloto de escala José Fernandes Amaro Júnior chega a bordo do paquete, que tem os querenos baixados e todos os passageiros embarcados, apresentando-se ao comandante, que juntamente com o comissário lhe exibem os documentos oficiais de despacho e desembaraço, respectivamente emitidos pela Alfândega e Capitania, além dos papéis da visita da Polícia Marítima e da Policia Internacional, passando-lhe o comando para as manobras de desatracação e saída, pelo que é arriada a bandeira da letra “P”, cor branca debruada a azul, que significa “partida” e içada a bandeira da letra “H” sinalizando, que o navio está pilotado.
O SERPA PINTO, 137m/8.267tb, que durante alguns anos foi um dos mais famosos e populares navios da frota mercante Portuguesa, já se está a mover com o auxilio de dois velhos rebocadores da APDL, o TRITÃO à proa e o MIRA à popa, com os passageiros a bordo e seus familiares e amigos em terra acenando, freneticamente, lenços na despedida e a sirene de bordo apitando num “Adeus”, a que respondem os dois rebocadores, que com o navio já na bacia, largam os cabos de reboque, seguindo o SERPA PINTO para fora da barra, logo após o farol do Esporão, local onde o piloto dá por terminada a sua tarefa a bordo, voltando o comandante a tomar conta da navegação. Agora, aquele prático desce pelas escadas de quebra-costas para a lancha de pilotos P1, que acompanha e aborda aquele paquete para o recolher, transportando-o para terra, sem que também a lancha não deixe de desejar “boa viagem” através da sua buzina, respondendo de imediato o SERPA PINTO, que ruma a sul, levando passageiros, sobretudo emigrantes mas também carga diversa para os portos Brasileiros de Recife, Rio de Janeiro e Santos com escala por Lisboa, Funchal e S.Vicente de Cabo Verde.
Em 1913 a Royal Mail Steam Packet Co. (Mala Real Inglesa) encomendou ao estaleiro Workman Clark & Co., Belfast, dois paquetes destinados à melhoria da linha postal entre Inglaterra e as Caraíbas. Os dois paquetes foram baptizados com os nomes de ESSEQUIBO e EBRO. Este último, que na década de 40 viria a ser o SERPA PINTO, foi lançado à água a 18/11/1914 e largou de Newport, na sua primeira viagem, a 28/04/1915. As características principais eram: 137m/8.480tb, 2 mastros, 6 porões servidos não por paus de carga mas por vários querenos, 1 chaminé, 2 hélices, 15 nós de velocidade, acomodações para 250 passageiros de primeira classe, sendo bastante luxuosa e 248 em segunda classe.
Entretanto, começara a primeira guerra mundial e por esse motivo, logo após a viagem inaugural o EBRO foi convertido no Tilbury em cruzador auxiliar e passou a fazer parte do 10º esquadrão de cruzadores até 1918, altura em que a guerra terminou. Não se conhecem pormenores relevantes da sua actividade naval, salvo patrulhamento do mar do Norte e Atlântico. Em 25/07/1916 aquele cruzador auxiliar socorreu uma barca Norueguesa, que se encontrava desarvorada e em dificuldades, rebocando-a para Lerwick, ilhas Shetland. Em Janeiro de 1919 foi desarmado, sofrendo então uma grande reparação no estaleiro construtor.
Em 1920 ambos os paquetes foram fretados pela Pacific Steam Navigation Co. (Mala Real do Pacifico) para o seu serviço de Nova Iorque e Chile via canal do Panamá e durante 10 anos serviram com regularidade aquela longa rota, tendo os dois navios sido comprados em 1922 pela companhia fretadora. Em Agosto de 1924 o EBRO sofreu uma transformação nas máquinas, passando a queimar óleo em vez de carvão. Na década de 20, devido à política Chilena proteccionista da sua marinha mercante e à crise económica de 1929, tornou-se inviável o serviço e o EBRO foi amarrado no rio Dart, onde permaneceu inactivo por cerca de cinco anos.
Em Fevereiro de 1935 o EBRO foi comprado pela companhia jugoslava Jugoslavenska Lloyd, Dubrovnik, que o registou com o nome de PRINCEZA OLGA e em conjunto com o KRALJICA MARIJA, ex ARAGUAYA, da Royal Mail Steam Packet Co., passaram a manter um serviço regular de passageiros entre os portos de Trieste, Dubrovnik, Pireus, Haifa e Alexandria. De Novembro a Março de cada ano, o serviço era suspenso e os dois navios passavam o Inverno ancorados na baía de Supaval, próximo de Split. Dado o começo da guerra, o armador terminou o referido tráfego e colocou os dois paquetes à venda. Foi durante o período sob pavilhão Jugoslavo, que a chaminé foi rebaixada três metros.
Entretanto, a Companhia Colonial de Navegação, de Lisboa, que procurava adquirir alguns navios, a fim de fazer face à falta de transportes, comprou o PRINCEZA OLGA, tendo-lhe dado o nome de SERPA PINTO, o qual a 08/05/1940 hasteou a bandeira Portuguesa, e veio para Lisboa, onde foi feita uma grande reparação. No dia em que o SERPA PINTO subiu o Tejo pela primeira vez, a Emissora Nacional fez uma grande reportagem em directo da sua chegada, ao estilo dos relatos de futebol. As acomodações do navio foram substancialmente alteradas, além de ter sido instalada uma capela. A tonelagem caiu para 8.267tb e passou a transportar 606 passageiros dos quais 278 em primeira classe.
Em 1940 havia em Lisboa imenso número de refugiados de guerra, sobretudo Judeus, que se encontravam em trânsito para os E.U.A. e como tal o SERPA PINTO, assim como outras unidades mercantes nacionais entraram nesse tráfego, utilizando os portos de Filadélfia e Baltimore. Além das viagens aos E.U.A., também realizou, ainda durante os anos de guerra, viagens ao Brasil e a África. Naquela época a maior parte dos passageiros eram Judeus fugidos dos países do Eixo e o paquete, rapidamente se tornou bem conhecido, quer das forças Nazis, quer dos Aliados.
Vários episódios graves provam o que se dizia. Em 1941, quando navegava em pleno Atlântico o paquete foi interceptado pela “Royal Navy”, que obrigou o navio a seguir para as Bermudas, onde lhe foi passada uma busca durante três dias. Os Ingleses suspeitavam, que o paquete transportasse passageiros de nacionalidade Germânica.
A 26/05/1944, pela meia-noite, apesar de totalmente iluminado, mostrando a sua sinalização convencional de navio mercante de nacionalidade neutral, quando em viagem de Lisboa e Ponta Delgada para os E.U.A. com refugiados, a 600 milhas a leste das Bermudas, o SERPA PINTO foi mandado parar pelo submarino Alemão U-541. Por ordem do comandante do submarino, KapitanLeutnant Kurt Petersem, foi arriada uma embarcação, que conduziu para bordo do submarino o imediato e o segundo piloto do SERPA PINTO, levando documentos do navio. O imediato ficou retido como refém, enquanto um oficial Alemão e marinheiros armados de metralhadoras se deslocaram a bordo do paquete para passarem uma busca. O oficial Alemão informou o comandante Português que procurava um cidadão Britânico, natural do Canadá, que após ter sido localizado no seu camarote, foi levado ao submarino. O imediato regressou a bordo com a notícia de que o SERPA PINTO seria torpedeado dentro de 20 minutos. Em face dessa situação, o paquete foi abandonado, permanecendo os passageiros e tripulantes nos barcos salva-vidas ao sabor das ondas. O tempo passou, e 5 horas mais tarde o comandante do SERPA PINTO foi levado à presença do seu homólogo Alemão, tendo este informado, que aguardava de Berlim, a confirmação da ordem de afundamento do navio. Pelas 08h00 da manhã, finalmente chegou a ordem de não afundar o SERPA PINTO, regressando os passageiros, tripulantes e ainda o cidadão Britânico a bordo. O submarino permaneceu próximo do paquete até ao meio-dia, tendo por fim submergido. O SERPA PINTO prosseguiu viagem para Filadélfia, contudo dois Americanos de origrm Lusa ficaram detidos a bordo do submarino sem que se soubesse o motivo da sua detenção. O U-541 permaneceu próximo do paquete até ao meio-dia, tendo por fim submergido, e o SERPA PINTO prosseguiu a sua rota para Filadélfia às 17h00. Os dois Luso-Americanos foram levados para a base de Lorient, onde chegaram a 22/06/1944.
O incidente forçara o paquete a uma paralisação de cerca de 17 horas, uma grande parte no escuro da noite, que assustara e incomodara passageiros e tripulantes. Com a confusão que se gerou, o médico de bordo, um cozinheiro e uma criança de 16 meses perderam a vida por terem caído ao mar.   
Em Dezembro de 1942, atracava no porto de Lisboa, trazendo a bordo 40 crianças de nacionalidade Britânica, que haviam sido evacuadas para os E.U.A. e agora, voluntariamente regressavam à Europa.
O U~541 sob o comando do KapitanLeutnant Kurt Petersen, após terminada a guerra, rumou a Gibraltar por ordem do almirantado Alemão, onde a 14/05/1945 se rendeu à autoridades navais Britânicas: Mais tarde foi levado para Lisahally, Irlanda do Norte, onde se juntou a uma enorme alcateia de outros submarinos da “Kriegsmarine”, que também se tinham rendido aos Aliados. Em 05/01/1946 aquele submarino foi afundado na denominada operação “Deadlight”, alvejado pelos contratorpedeiros HMA ONSLAUGHT e HMS ZEALOUS ao largo da costa, posição 55.38N/07.25W. O seu comandante ficou detido, permanecendo num campo de prisioneiros de guerra na Grã-Bretanha atè Janeiro de 1948.  
Com a última viagem aos E.U.A., de onde regressou em Junho de 1945, O SERPA PINTO foi transferido para a carreira do Brasil, escalando os portos de Lisboa, Leixões, Funchal, S. Vicente, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e Santos. Em 1952 com entrada ao serviço do novo paquete VERA CRUZ, o SERPA PINTO foi inaugurar a linha da América Central, ligando Lisboa, Vigo, Funchal, Tenerife a La Guaira, Curaçao e Havana, na qual se manteve durante três anos.
Depois da guerra, o seu armador utilizou o paquete em cruzeiros, especialmente na época de fim de ano, onde era presença obrigatória na baía do Funchal. No Verão de 1952 largou de Lisboa para o Báltico, cruzando o canal de Kiel transportando a delegação Lusa aos jogos olímpicos de Helsínquia, além de excursionistas Portugueses, que iam assistir àquele evento.
No início dos anos 50, o SERPA PINTO, quando deixava o porto de Leixões em dia de muito mau tempo, transportando passageiros e carga para o Brasil, dentre os quais um tio do autor, já por fora do farol do Esporão sofreu o embate de uma volta de mar descomunal, que lhe causou danos nas estruturas da proa e ferimentos em alguns tripulantes. Em face desse incidente esteve a pairar ao largo até a situação acalmar, prosseguindo a viagem para o porto de Lisboa sem mais percalços, levando a bordo o piloto Mário Francisco da Madalena para desembarcar naquele porto.  
Com a transferência do novo paquete SANTA MARIA da linha da América do Sul para as Caraíbas, o SERPA PINTO foi retirado do serviço em 1955 e posto à venda, tendo sido adquirido por um sucateiro Belga. A 06/09/1955, ostentando a bandeira da Bélgica saiu a barra do Tejo, pela última vez, a reboque com destino àquele país, onde foi desmantelado para sucata. Assim acabou um navio, muito popular, sobretudo pela comunidade Portuguesa do Brasil e mais identificado pela denominação do “Serpa”, o qual sobrevivera durante quarenta anos, dos quais, os últimos quinze sob pavilhão Português.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Sea Breezes, Lloyd’s Register, Internet.
(continua)
Rui Amaro

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