domingo, 3 de abril de 2011

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 171

UMA ENTRADA INSÓLITA DO VAPOR PORTUGUÊS "PERO DE ALENQUER" SOB ESCURIDÃO DA MADRUGADA

 
PERO DE ALENQUER no estuário do Tejo, década de 50 /(c) Agência Fotográfica, Lisboa /  

Relato textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, respeitante ao seu serviço de entrada na barra do Douro com o vapor Português PERO DE ALENQUER.
«A 13/02/1935, pelas 17h00, saltei para bordo do vapor Português PERO DE ALENQUER, fundeado a cerca de uma milha do molhe de Carreiros, a fim de entrar na barra do Douro na maré do fim de tarde, cuja preia-mar seria já com o escuro da noite. Chegado à ponte do comando, assinalei para terra através de toques da sirene do vapor o calado de água de 17 pés, todavia a noite foi vindo e convenci-me que o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão não permitiria a entrada devido ao calado do vapor ser bastante e a maré ir pela noite dentro. Embora o tempo estivesse calmo e o mar chão, os astros davam indícios de agravamento, pelo que eu e o comandante resolvemos suspender e rumar ao largo, de maneira ao alvor do dia seguinte estar à barra para entrar ao nascer do sol.
No regresso, a 14, pelas 06h00, fiz aproximar o vapor até pairar a cerca de cem metros da bóia no enfiamento do farolim das Três Orelhas ou Sobreiras pelo marca do Anjo e fiquei a aguardar que ligassem a luz vermelha do mastro do cais do Marégrafo ou a do castelo da Foz, sinal de barra franca. Cerca das 07h00, ainda sob escuridão, vislumbrei a luz vermelha no referido mastro e de meia força avante entrei a barra, embora a preia-mar fosse às 08h30. Quando passava junto da pedra do Touro a luz vermelha desapareceu e não vi quem quer que fosse no lugar da Praia de Baixo, nem qualquer vestígio de luzes na estação dos pilotos. Naquela situação e olhando ao porte do PERO DE ALENQUER, que era um dos maiores navios a demandar o rio Douro, e embora de boa marcha e leme, fazer marcha à ré e sair a barra, não seria impossível mas complicado, pelo que decidi, lentamente seguir rio acima, O comandante ficou preocupado mas eu acalmei-o e disse-lhe, que não haveria qualquer problema porque pelos meus cálculos havia água suficiente para os 17 pés, a não ser na passagem do seco do lugar do Ouro mas se acaso encalhasse, facilmente se safaria porque a maré ia de enchente. Ao passar no dito seco, ordenei máquina toda a força avante e embora a quilha fosse a roçar na areia do fundo do rio, o certo é que o vapor seguiu para montante.
Alcançado o lugar de Massarelos ordenei marcha à ré e mandei largar o ferro de estibordo, a fim de estancar o seguimento e como a maré ainda ia de enchente por vezes metia marcha à ré para estabilizar o vapor, até que aparecesse a embarcação dos pilotos. Fiz soar a sirene do vapor várias vezes mas não era compreendida na Cantareira, até porque àquela hora várias fábricas também faziam soar as suas sirenes, chamando o pessoal para iniciar a laboração diária. Ás 08h15, a fim de saber o que se passava, vindo no seu caíco, chegou junto do costado o “boatman” da agência, e então pedi-lhe o favor de ir a terra e telefonar para a corporação, avisando que o vapor PERO DE ALENQUER estava fundeado a meio rio, no lugar de Massarelos a aguardar a lancha ou a catraia da amarração.
Na Cantareira, o piloto-mor e os seus subalternos estavam impacientes por causa do vapor ainda não estar à barra e nem sequer ter sido avistado, até porque a maré estava a terminar e se entretanto aparecesse na linha do horizonte, já não conseguia apanhar água suficiente, e voltaria a ficar fora. Logo que o piloto de serviço à corporação recebeu o telefonema do “boatman”, apressou-se a transmitir o recado ao piloto-mor, cuja reacção foi perguntar quem era o piloto, ao que o meu colega respondendo disse, que era o Zé Fernandes, como eu era mais conhecido. Então ele disse. Pois é! Eu desconfiei logo! Eu é que deveria ter vindo para a praia mais cedo e ordenou, que a lancha seguisse para cima com rapidez.
Logo que apareceu a lancha, suspendi e já com o corso da vazante, fui amarrar a dois ferros, cabos passados para terra e ancorote dos pilotos pela popa para sudoeste, no lugar das Escadas da Alfandega, sem mais novidade.
Chegado à corporação fui dar conta do sucedido ao piloto-mor, informando-o que o motivo da confusão foi alguma luz ou seu reflexo em terra, aliás também presenciado pelo comandante e outros elementos da tripulação na ponte de comando. Mais tarde tentou-se averiguar a localização do fenómeno mas sem sucesso. Uma entrada insólita sob escuridão total!»


PERO DE ALENQUER – 104,63m/ 2.592,93tb/ 11kn, foi construído e entregue em 1913 pelo estaleiro Alemão Aktien Ges. Neptun Schiffswert und Maschinenfabriek, Rostock, para o armador Dampfs. Ges. Argo, Bremen. Em 1916 quando se encontrava refugiado no rio Tejo, devido à situação de guerra, foi requisitado e consequentemente arrestado pelo governo de Portugal, juntamente com um grande número de vapores da mesma nacionalidade. Fez parte da então formada empresa estatal Transportes Marítimos do Estado (T.M.E,) sob o nome de COIMBRA. Em 1925, devido à falência daquela armadora, foi integrado na Marinha de Guerra Nacional com o nome de PERO DE ALENQUER, como navio de transporte militar, tendo feito vários cruzeiros a todas as possessões Portuguesas, desde Africa ao Extremo Oriente, além de visitar diversos portos estrangeiros. Em 1929 foi comprado pela Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada, tendo conservado o mesmo nome e foi colocado no serviço do norte da Europa, desde o porto de Ponta Delgada com escalas regulares pelos portos de Lisboa e Douro/Leixões. Com o eclodir da 2ª guerra mundial e devido à dificuldade de navegação na Europa, passou a escalar portos dos E.U.A. e Canadá. Em 1959 foi vendido ao sucateiro Dantas Leal, Lda., Lisboa, que o desmantelou para sucata no rio Tejo.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Lloyd's Register of Shipping; A. A. de Moraes.
(continua)
Rui Amaro

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