sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 46

O PAQUETE “BELLE ISLE” RECUPERA O FERRO DE ESTIBORDO, CUJA AMARRA SE HAVIA QUEBRADO DURANTE AS MANOBRAS DE FUNDEAR



Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior relativa ao seu serviço de entrada e permanência a bordo do paquete Francês BELLE ISLE.

«A 01.04.1930, pelas 06h10, coube-me de entrada no porto de Leixões o paquete Francês BELLE ISLE, que procedia de Hamburgo, Le Havre e Vigo, em 26 pés de calado de água, transportando passageiros e carga diversa para a América do Sul e vindo a Leixões, como usualmente o fazia, embarcar passageiros e carga diversa. O meu colega Alfredo Pereira Franco tinha subido a bordo, a fim de me auxiliar nas manobras de amarração, procedimento normal entre os pilotos, especialmente quando o porto estava superlotado de embarcações e o espaço de manobra era exíguo. Da mesma forma eu acompanhava-o nos seus serviços e mais tarde passei a dar colaboração ao seu irmão mais novo, Manuel Pereira Franco, motorista das lanchas da corporação, que entretanto fora admitido a piloto da barra.

Após o paquete ter cruzado os molhes, manobrei para ir fundear a dois ferros na covada do Molhe Sul. O primeiro ferro a largar foi o de estibordo e o de bombordo foi largado mais a Sul. O meu colega estava no castelo da proa para orientar as manobras de largar ferros e eu permaneci na ponte de comando. Entretanto, ao aproar ao Norte, a amarra de estibordo quebrou-se pela manilha das 45 braças e de imediato o meu colega fez-me sinal do que se tinha passado. Não tendo outra alternativa mandei suspender o ferro do Sul e fui fundear a meio do porto com o ferro de bombordo, único ferro operacional, ficando o paquete aproado a Sul, devido ao vento começar soprar daquele quadrante.

A fim de se tentar recuperar o ferro de estibordo, o meu colega Alfredo Pereira Franco chamou a lancha P3, tendo ido a terra dar conta do sucedido e pedir a colaboração de outros pilotos e pessoal auxiliar para se gratear o ferro. Eu permaneci a bordo para orientar qualquer manobra de emergência. O rebocador VOUGA 1º veio para junto do paquete por ordem dos agentes do armador e logo que teve conhecimento da perda do ferro, o seu mestre foi ao Sul e veio a rocegar, tendo pegado o ferro perdido, contudo ao virar, quebrou-se a unha do seu ferro e viu-se obrigado a desistir. Entretanto a lancha P1 conduzida pelo meu colega Alfredo Pereira Franco, trazendo alguns pilotos e um mergulhador, começou a gratear e pegou o dito ferro. Então o mergulhador desceu ao fundo da bacia e a lancha P3 veio ao paquete buscar um cabo de arame, a fim de se amarrar o ferro e logo que essa operação foi executada, foi o mesmo suspendido e colocado a bordo para ser emanilhado, com enorme contentamento de todos, muito particularmente do comandante e do agente consignatário do paquete.

O BELLE ISLE continuou fundeado a um ferro, apesar do tempo de Sudoeste ter começado a deteriorar-se. Eu e o meu colega Alfredo Pereira Franco, que passou a ser o piloto de escala para o serviço de saída permanecemos a bordo até à hora da largada. Eu consegui saltar para a lancha e ele não o podendo fazer seguiu a bordo e foi desembarcar ao porto de Lisboa, onde o paquete iria fazer escala, antes de seguir para o Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires.

Os trabalhos de recuperação do ferro, além do mergulhador, tiveram a colaboração dos seguintes elementos dos pilotos: cabo-piloto Paulino Soares Biltes, pilotos Manuel Pinto da Costa, Pedro Reis da Luz, Júlio Pinto de Almeida, Elísio da Silva Pereira, motoristas António Brandão, Júlio Pinto da Costa e os marinheiros Hilário, Artur e Carlos Saragoça. Cooperaram nos trabalhos as duas lanchas dos pilotos P1 e P3. Coube a cada elemento a quantia de 75$00».

O BELLE ISLE, 146m/9.591tb, foi construído em 1917 pelos estaleiros Forges & Chantiers de La Mediterranée, Le Havre, sob encomenda da Cie. Mar. des Chargeurs Reunis, Paris, que o colocou na linha do Brasil e Rio da Prata, escalando Vigo, Leixões e Lisboa, juntamente com os seus irmãos gémeos. Em 1940 era requisitado pelo governo Francês e a 05.01.1943 foi apresado pelas forças nazis invasoras, quando se encontrava ancorado no porto de Marselha. A 24.11.1943 foi danificado e semi-afundado numa das docas secas do porto de Toulon, devido a ter sofrido um ataque aéreo aliado e a 11.03.1944 pegou fogo, provocado por novo bombardeamento aéreo, acabando por ser destruído e considerado perda total,

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Cie. Maritime dês Chargeurs Réunis; Loyd’s Regiter of Shipping.

Imagem: postal da Cie. Maritime des Chargeurs Réunis

(continua)

Rui Amaro

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