segunda-feira, 27 de setembro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 95-C

RECORDANDO A TRAGÉDIA NA BARRA DO DOURO QUE FICOU CONHECIDA COMO “O ENCALHE DO GAUSS” (Parte lll – As homenagens, condecorações e data-base)


Os sobreviventes das companhas dos dois salva-vidas naufragados ladeando José Rabumba - O Aveiro, patrão do CARVALHO ARAÚJO / imagem da imprensa diária /.


A 20/12, foi a tragédia, que ficou, então conhecida como “O encalhe do Gauss”, relembrada no salão nobre da Associação Comercial do Porto, ao edifício da Bolsa. À sessão solene presidiu António de Oliveira Calém, presidente daquela Associação, que tinha à sua direita W. H. Stuve, cônsul da Alemanha no Porto; Dr. Sousa Rosa, presidente da edilidade Portuense; Cte Almeida Teixeira, representante do chefe do Departamento Marítimo do Norte e à esquerda os representantes do comandante da Região Militar do Norte, Governo Civil do Porto e Associação dos Armadores Marítimos, respectivamente.

António de Oliveira Calém, abrindo a sessão, afirmou que era com satisfação, que assistia à distribuição dos prémios na sede da referida Associação e continuando proferiu. É que, por pouco que se soubesse acerca da história brilhantíssima da corporação a que presidia, o certo é que não se deveria ignorar dos esforços dispendidos pela Associação, no sentido de melhorar as condições da barra do Douro. Relembrou a tragédia do DEISTER, e as diligências então feitas pela Associação Comercial para que os portos dos Douro e Leixões fossem dotados de um salva-vidas moderno. E foi assim que, devido ao interesse do Presidente do I.S.N. Alm. Álvaro Ferreira, veio para o porto de Leixões o salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, construído na Dinamarca e terminou o seu discurso, associando-se, pessoalmente e em nome da Associação a que presidia, ao reconhecimento do governo Alemão.

Falou de seguida o cônsul da Alemanha na cidade do Porto, tendo afirmado que a missão, que o seu governo lhe incumbiu, era altamente honrosa e profundamente grata, veio trazer ali, em nome da Alemanha, a expressão do seu mais vivo reconhecimento pelos humanitários serviços prestados aquando da tragédia do GAUSS. Seis tripulantes dos dois barcos salva-vidas sacrificaram as suas vidas quando procuravam salvar as dos outros. À memória daqueles heróis propôs dois minutos de silêncio.

Depois de se referir ao heroísmo dos tripulantes dos salva-vidas PORTO e CARVALHO ARAÚJO, o cônsul da Alemanha prestou justiça à benemérita corporação dos Bombeiros Voluntários do Porto, afirmando que eram bem conhecidos os seus actos humanitários.

Para todos, foi o reconhecimento do governo Alemão, que se traduziu na concessão de diplomas, assinados pelo presidente da República Alemã, marechal Hindenburgo e para as famílias enlutadas, o governo Alemão remeteu uma quantia em dinheiro, que foi entregue ao governo civil do Porto para posterior distribuição.

Seguiu-se então uma cerimónia simples e comovente. António de Oliveira Calem chamou pelos nomes de Francisco Rodrigues Brandão, piloto-mor; Alexandre Cardoso Meireles, cabo-piloto; Alfredo José Ribeiro, 2º comandante dos B. V. do Porto e mais onze elementos da corporação, entre os quais Admar Gustav Wilhelm M. Minnemann, figura bastante conhecida na Foz do Douro.

Depois foram chamados o patrão do salva-vidas PORTO, José Maria Caetano Nora e os tripulantes António de Oliveira, Gabriel Sousa Araújo, Herculano Moreira dos Santos, António Cunha Rolha, Luís da Silva Mendonça, António Rodrigues Crista e António da Silva Saragoça.

Seguidamente foi a vez do patrão do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, José Rabumba (O Aveiro) e os seus camaradas Manuel Rabumba, José Fernandes Caseira e Joaquim Rodrigues Crista.

Um a um, o cônsul da Alemanha foi distribuindo os respectivos diplomas. A enormíssima assistência ia premiando com salvas de palmas essa entrega. Quando o patrão José Rabumba (O Aveiro), com o peito constelado de medalhas e o colar da Torre de Espada se levantou para receber o seu diploma, a assistência fez-lhe uma ovação especial, que muito sensibilizou aquele simpático e destemido lobo-do-mar. E assim terminou a sessão solene, pela qual o governo Alemão, reconhecido e grato premiou a abnegação dos nossos homens do mar e dos Bombeiros Voluntários do Porto.


José Rabumba - O Aveiro


Como nota curiosa, o salva-vidas a remos PORTO foi em tempos o salva-vidas oficial da barra do Douro, tendo estado por muitos anos colocado na Cantareira, juntamente com o VISCONDE DE LANÇADA, e pertencia à estação de socorros a náufragos da Foz do Douro. Tendo sido mais tarde transferido para a estação de Leça da Palmeira.


O VISCONDE DE LANÇADA que tomou parte na tentativa de salvamento dos náufragos e auxiliou a primeiras operações de reflutuação do navio sinistrado / imagem de autor desconhecido /.


O GAUSS, 76m/1.236tb foi construído pelos estaleiros Deutsche Werke AG, Kiel, no ano de 1925, juntamente com os seus gémeos KEPLER e OLBERS, por encomenda dos armadores Dampfs. Ges. Neptun, Bremen, que os destinou à linha da Península Ibérica, nomeadamente para servir os portos do Douro/Leixões e Lisboa, que escalavam regularmente. Em Setembro de 1942, devido à situação de guerra, o navio-motor GAUSS encontrava-se ancorado no porto dinamarquês de Nakskov, tendo então sido requisitado pela “Kriegsmarine” para tarefas de escolta e bloqueio, passando por tal motivo a unidade naval, devidamente armada, tendo tomado o nome de SPERRBRECHER 178. A 12/12/1942, sob combate renhido, foi torpedeado e afundado ao largo de Dieppe pelo contratorpedeiro inglês HMS WHITSHED, tendo sido recolhidos apenas dez sobreviventes, que compunham a sua basta guarnição.

http://www.wrecksite.eu/imgBrowser.aspx?14519

http://www.wrecksite.eu/imgBrowser.aspx?14520

Dos três gémeos, o KEPLER, que também foi adaptado a navio de escolta e bloqueio da “Kriegsmarine” no porto Dinamarquês de Skarpsborg, recebendo o nome de SPERRBRECHER 177, a 09/01/1946, no porto Polaco de Swinemunde, foi entregue ao governo da USSR, que o integrou na sua frota naval com o nome de VENTA, nome este mais tarde alterado para KULOY sob cuja bandeira Soviética se julga tenha terminado os seus dias. Quanto ao OLBERS, após grandes transformações, no ano de 1950 retomou o tráfego para Portugal, tendo tido a particularidade de ter sido a primeira unidade mercante Alemã, ostentando a bandeira de chapa do controlo Aliado, a visitar o porto do Douro, no pós-guerra, que escalou com regularidade até ao ano de 1958, tendo então sido vendido para mais serviço a armadores da ilha Sardenha, Cagliari e no ano de 1971 foi desmantelado no porto Italiano de Vado/Ligure.

O salvadego oceânico SEEFALKE, 58,5m/509tb, tonelagem mais tarde alterada para 629tb, foi lançado à água em 1924 pelos estaleiros J. C. Tecklenburg AG, Geestemunde, por encomenda do armador Reederei W. W. Schuchmann, Bremerhaven. Possuía acomodações para dezanove tripulantes, máquinas diesel com uma potência de 3.000 HP, que lhe ofereciam uma velocidade de 15 milhas/h. O seu calado de água era de 13,4 pés e estava apetrechado para ataque a incêndios, equipamento de mergulho, soldagem subaquática, ferramentas de corte, pistolas lança-cabos e dois gatos de reboque por trás da casa da máquina, etc.

http://werften.fischtown.de/archiv/seefalke.html

Aquele rebocador de alto-mar, durante toda sua actividade marítima, foi responsável por inúmeros salvamentos de navios, quer encalhados ou em dificuldades em mar alto, sob péssimas condições de mar. Fazia estação em portos, tais como Dover, La Corunha, Las Palmas, Tanger, Casablanca, etc. Durante o decorrer da segunda guerra mundial esteve subordinado à “Kriegsmarine” até à primavera de 1945 e poucos dias antes da rendição da Alemanha foi vitima de um raid aéreo das forças Aliadas, afundando-se no porto de Kiel. Mais tarde foi resgatado e entregue ao estaleiro F. Schichau Seebeckwerft, Bremerhaven, que o repararam e modernizaram, substancialmente, tendo recebido nova estrutura da sua ponte de comando e como não podia deixar de ser, foi-lhe adaptada instalação de radar e modernos instrumentos de navegação. Novamente afundado e outra vez posto a flutuar, escapou mais uma vez à sua destruição e em 1950 regressou ao serviço oceânico activo por mais vinte anos, competindo com modernos e potentes salvadegos, que entretanto começaram a surgir, tendo mesmo nos finais da década de 50 vindo ao porto de Leixões rebocar o moderno navio-motor alemão ALCYONNE, do armador Argo Reederei Richard Adler & Sohne, Bremen, que por imposição dos seguradores, em virtude de não ter sido efectuada dentro do tempo limite, a obrigatória inspecção da máquina. A partir de 1970 passou a fazer parte do Deutsches Schiffahrtsmuseumem, Bremerhaven, em cuja doca se encontra amarrado, juntamente com outras embarcações e onde poderá ser admirado e visitado.

O salvadego oceânico Dinamarquês VALKYRIEN, 50m/343tb, foi construído pelos estaleiros Burmeister & Wain, Copenhaga, no ano de 1907 para o armador A/S Em. Svitzer’s Bjerg., Copenhaga, chegando a ser um dos mais famosos rebocadores de alto-mar da sua época. Aquele salvadego, que fazia do porto de Leixões, além dos portos de Gibraltar, Corunha e Lisboa, sua estação de assistência, foi adaptado a navio-motor mercante em 1948, tendo para tal recebido uma transformação total, apenas se aproveitando o seu casco com popa de rebocador, recebendo o nome de KNUDSHOVED, em 1954 INGELA e 01/08/1974 chegava a Masnedo, Dinamarca, para desmantelamento. Em 1923 participou nas tentativas de salvamento do vapor Português SANTA MARIA, 72m/1.104tb, que naufragara e se perdera perto do cabo Vilano, Noroeste da Galiza, quando em viagem do porto de Anvers para o rio Douro. Aquele vapor foi uma das primeiras unidades da Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada.


VALKYRIEN /(c) Cortesia Danish Maritime Museum, Elsinore /.


KNUDSHOVED ex VALKYRIEN /(c) Cortesia Danish Maritime Museum, Elsinore /.


/(c) Cortesia Danish Maritime Museum, Elsinore /.


Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Imprensa diária; Miramar Ship Index.

(continua)

Rui Amaro

4 comentários:

Unknown disse...

Sr. Rui. Esta foto do salva-vidas Visconde da Lançada, fez-me recordar o tempo de criança, quando o sino tocava chamando a tripulação para algum salvamento.
Recordo-me de ir sempre a correr para a janela do primeiro andar na casa da minha avó de onde tinha uma visão preveligiada, assistir ao arrear do barco com alguns homens e os restantes desciam pelas escadas verticais, encostadas ao cais.
Porém um dia assisti ao absolutamente imprevisivel. Um ou dois (?)dos cabos a seguir ao cabo do guincho, que arreia o barco para a água, partiu-se e o salva-vidas ficou na vertical. Então a minha visão de ver meia dúzia de homens, rolando pela embarcação abaixo e cairem à água prácticamente do nível do cais.
A minha aflição de criança gritando pela minha avó, que estava no interior da casa.
Nunca me esqueci deste acontecimento.
Cumprimentos deste amigo.
Carlos Filipe

Rui Amaro disse...

Caro Carlos Filipe
Muito grato pelas imagens que me tem vindo a enviar.
Há dias também o meu primo Manuel Alegre, nada de confusões, me relatou esse episódio do acidente a que V. assistiu, e que eu desconhecia, pois seria mais seguro baixar o salva-vidas à água vazio, com auxilio do guincho, e que como se sabe estava colocado em cima do cais do Marégrafo, e logo de seguida a companha que deveria ser de 18 homens e embarcava nas escadas dos pilotos, e já não haveria acidentes que poderiam vir a ser graves, como o que ocorreu em 1938 com o mesmo salva-vidas de características idênticas, e de que foi vitima o meu pai juntamente com mais cinco camaradas, três doa quais ficaram internados no hospital por algum tempo, e foi muita sorte ninguém ter morrido.
O vapor Norueguês H. J. KIVIG demandava a barra e lancha P7, a da assistência ou do piloto-mor, como a barra estava apertada foi para a barra com um motorista e o sota-piloto-mor para melhor orientar o piloto do vapor, através da bandeira dos pilotos no topo de uma vara, a fim de indicar o melhor bordo.
Acontece que a P7, era a lancha mais pequena, avariou-se o motor e foi colhida pelo vapor, pelo que os ocupantes atiraram-se à água, e está claro de terra apressaram-se a lançar o VISCONDE DE LANÇADA à água, com a companha de 18 homens a bordo, quase na sua totalidade composta por pilotos e seu pessoal auxiliar, entre os quais o meu pai, tendo uma das patescas de madeira, ligadas aos cabos do guincho, rebentado e salva-vidas foi precipitado nas águas de fundo para o ar, e com o pessoal debaixo a gritar por socorro. Está claro que a embarcação como é normal em salva-vidas, automaticamente veio à posição normal, mas não evitou que houvessem feridos, que foram prontamente socorridos.
O dois náufragos lá se conseguiram agarrar à P7, que embora danificada não se afundou, e um outro piloto pegou numa caíca e à ginga, sozinho foi em socorro deles, salvando-os já perto das bóias da Cantareira.
Ora, agora veja-se só um homem sozinho resolveu a situação!
Este episódio será postado mais desenvolvido neste mesmo Blogue.
Saudações marítimo-entusiásticas
Rui Amaro – Foz do Douro

morgado carlos disse...

Bon dia a todos
eu seu neto do joao luis goncalves conheci do por Néne
gostaria de saber se algun tenhe fotos dele obrigado de poder ne mostrare ele estava nos pilotos mas o filho Zeca Nene
morgado1963@outlook.fr
OBRIGADO

Mané Rabumba disse...

Bem hajam os autores deste Blogge por recordarem o meu bisavô José Rabumba.
E assim vou sabendo mais sobre as minhas origens e raízes.

Muito Obrigada.

Leça da Palmeira
Maria Manuel Rabumba