domingo, 26 de setembro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 95-B

RECORDANDO A TRAGÉDIA NA BARRA DO DOURO QUE FICOU CONHECIDA COMO “O ENCALHE DO GAUSS” (Parte ll – As tentativas de flutuação e salvamento)


O GAUSS encalhado na restinga do Cabedelo, vendo-se uma multidão de curiosos no cais do Touro, sempre presente em ocasiões destas, assistindo às manobras do rebocador MARS 2º, que tentava a todo o custo safar aquele navio /(c) foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral, Porto /.

A 13, pelas 07h00, entrou a barra o famoso salvadego Dinamarquês VALKYRIEN, que fez contrato com o armador do GAUSS para o desencalhar, O piloto Hermínio Gonçalves dos Reis, que conduziu aquele salvadego, foi amarrá-lo ao Sul, nas Serrazinas, junto do cais denominado José Pinto de Carvalho ou Andresen. Durante a sua estadia na barra do Douro permaneceu a bordo um piloto da barra, a fim de aceder a qualquer emergência de flutuação do navio sinistrado e nos dias seguintes, após várias tentativas do VALKYRIEN de safar o navio, a 19/05/1932, pelas 02h00, na altura da preia-mar o GAUSS deu o alarme com a sirene de bordo, avisando o salvadego, que estava a boiar, o qual respondeu, que estava pronto para passar o cabo de reboque para o puxar para fora. O piloto José Fernandes Amaro, de serviço à corporação, foi acordado pelos toques de sirene das duas embarcações e foi alertado pelo policia de giro e o guarda-fiscal, pelo que tratou de chamar o pessoal das lanchas, o piloto-mor e alguns pilotos e ainda avisar as corporações de bombeiros, que foram conduzidas para o areal do Cabedelo com o seu material. Entretanto, cerca das 05h00, o GAUSS acabou por sossegar no seu berço, regressando todo o material e os bombeiros aos seus quartéis. Nesse mesmo dia, pelas 15h00, o VALKYRIEN e o rebocador VOUGA 1º estabeleceram cabos de reboque, contudo acabaram por desistir, porque o GAUSS estava bastante pesado, com 1.250 toneladas de carga, além de se encontrar muito assente no mais grosso da areia. Devido à maresia, que entretanto se formou, o movimento de navegação na barra foi cancelado.

 
O GAUSS repousa encalhado na restinga do Cabedelo e os trabalhos preparatórios para a sua reflutuação / (c) foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral, Porto /. 

Entretanto, também a 13, pelas 15h00, saiu a barra rebocado pela lancha P1 de rumo ao porto de Leixões o salva-vidas PORTO, que desde o dia da tragédia se encontrava abrigado na estação de socorros a náufragos da Afurada e a 28, pelas 09h30, o salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, uma das embarcações sinistradas, foi resgatado do areal do Cabedelo pela lancha P4, que o rebocou para o lugar do Ouro, a fim de ser encalhado nos estaleiros de António Gomes. Passados alguns dias foi levado para o porto de Lisboa, a fim de ser completamente reparado das graves avarias sofridas, tendo a respectiva despesa sido suportada pelo armador do GAUSS. A 03/11/1933 regressou ao porto de Leixões pelos seus próprios meios.

O salvadego VALKYRIEN em manobras de amarração junto do lugar do cais de Santo António do Vale da Piedade, rio Douro, margem de Gaia, auxiliado por uma catraia da corporação de pilotos /(c) foto de autor desconhecido - colecção Reinaldo Delgado /.

Mais tarde, a firma Jervell & Knudsen, Lda, agentes do VALKYRIEN, veio através da imprensa diária, defender a acção do Cte. Wittrup, capitão daquele rebocador, repudiando as criticas, que lhe eram dirigidas pelos usuais “técnicos de ocasião”, relativamente à demora no desencalhe do GAUSS, afirmando ser aquele capitão um experimentado técnico em salvamentos marítimos, pelos seus vinte e cinco anos de provas dadas, sobretudo na costa Portuguesa e Galega, onde usualmente o VALKYRIEN fazia estação.
A 25, após várias tentativas de desencalhe, iniciou-se a descarga das mercadorias estivadas nos porões nos. 1, 2 e 3, a fim de aliviar o navio do seu peso, pelo que se podiam ver estivadores e descarregadores fluviais manuseando sacaria com adubos, barricas com soda cáustica e outras com queijo, etc. Ainda nesse mesmo dia o VALKYRIEN aproximou-se do navio encalhado, um pouco abaixo do lugar da Meia Laranja, sem que nada pudesse ter sido feito, pelo que suspendeu e regressou ao seu habitual ancoradouro no rio. Quanto à posição do GAUSS, com a preia-mar do dia anterior, notou-se uma pequena deslocação para Norte, segundo foi verificado por alguns entendidos, que para tal tinham feito as suas marcações em terra.
A 26, a situação do navio sinistrado permanecia na mesma e continuava-se a proceder à descarga para o areal, cujas mercadorias começaram a ser transferidas em barcaças para os armazéns da Alfandega do Porto. Na mesma data o VALKYRIEN suspendeu na preia-mar da tarde, depois de terminado o movimento marítimo na barra, já quando a maré principiava a vazar, foi puxar pelo navio sinistrado, estando este a trabalhar com a máquina e com o molinete a retesar os cabos de arame presos aos peorizes dos cais do Touro e da Meia Laranja, a fim de dar um importante auxilio ao salvadego. Porém todo aquele trabalho foi baldado, regressando o salvadego ao seu usual fundeadouro fluvial.


O GAUSS encalhado na restinga do Cadedelo, vendo-se ao largo o salvadego SEEFALKE preparando.se para as manobras de reflutuação daquele navio / imagem da imprensa diária /,

As espias presas àqueles cais, o que até certo ponto nada se justificava, estavam a causar alguns transtornos às embarcações, que pela barra precisavam de transitar, pois que, a maior parte das vezes tinham de esperar que, de bordo do GAUSS as folgassem para poderem passar. E, assim, no dia anterior o rebocador NEIVA que, pelas 07h30, vindo do porto de Leixões, conduzindo uma laita a reboque, para poder atravessar a barra, teve de aguardar, que lhe folgassem os referidos cabos, tendo, para isso, de fazer repetidos toques de sirene, e na contingência de já não poder vencer a corrente da vazante e ter de retroceder para o porto de Leixões ou aguardar pela próxima maré, devido à demora que tiveram em folgar, de bordo do GAUSS, as ditas espias.
A 29, os trabalhos limitaram-se apenas a algumas sondagens feitas, na parte Sul da restinga do Cabedelo, pelo pessoal do VALKYRIEN, e espiamento do GAUSS com ancorotes para Sudoeste, tendo sido retirada uma outra espia, que se achava desde há alguns dias, estabelecida da proa daquele navio para o areal do Cabedelo e a 31, pelas 06h00, o salvadego Alemão SEEFALKE apareceu à vista, rumando de Norte para Sul e foi fundear junto do VALKYRIEN. Ambos os salvadegos iniciaram de imediato os trabalhos de salvamento do navio encalhado. Entretanto, devido à deterioração da agitação marítima tiveram de suspender os trabalhos, regressando aos ancoradouros de segurança. Aqueles salvadegos estavam pilotados, respectivamente pelos pilotos Carlos de Sousa Lopes e Francisco Piedade coadjuvados pelo cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, embarcado no rebocador Dinamarquês, cujo capitão dirigia as operações.
A 03/06, pelas 14h10, foi o GAUSS, finalmente desencalhado. Os trabalhos foram recomeçados pelas 13h15. Hora essa em que o SEEFALKE, piloto Eurico Pereira Franco, pegou de uma bóia o cabo de reboque, que se encontrava preso à proa do navio encalhado e começou a puxar, sendo auxiliado pelo VALKYRIEN, piloto Aires Pereira Franco, que por sua vez tinha um outro cabo de reboque passado à proa do SEEFALKE. Quando aqueles rebocadores de alto-mar começaram a puxar pelo GAUSS, este para auxiliar os trabalhos do seu resgate principiou a trabalhar com a sua máquina, favorecendo bastante aqueles trabalhos e tanto assim, que após alguns minutos de esforços, viu-se deslizar, lentamente e entrar no oceano. Estava salvo o navio-motor GAUSS! Nos cais da Foz e no areal do Cabedelo via-se uma enorme multidão de curiosos, que assistiam com geral satisfação às operações do desencalhe daquela excelente unidade da marinha mercante Germânica, os quais na ocasião da libertação deram vivas sem fim, juntamente com uma grande salva de palmas de satisfação.
O contentamento da tripulação foi de tal ordem, que o navio começou a silvar durante algum tempo até se fazer ao largo da barra do Douro, ainda auxiliado pelos dois salvadegos, que momentos depois, largaram as amarretas, seguindo o GAUSS, piloto -?- , pelos seus próprios meios para o porto de Leixões, onde entrou pelas 14h45, fundeando junto da praia da Sardinha a dois ferros, tendo ficado à espera de ordens do seu armador, se rumaria ao porto de Bremen directamente ou se iria para o rio Douro. Também os dois rebocadores de alto-mar rumaram ao porto de Leixões, ficando fundeados na bacia, a fim de aguardarem instruções das respectivas companhias.


O GAUSS depois de libertado, já fundeado no porto de Leixões aguardando instruções dos armadores / imagem da imprensa diária /.

Também a 3, a imprensa noticiosa publicava uma nota oficiosa relativa ao inquérito levado a cabo pela Inspecção de Socorros a Náufragos, relativo ao acidente com as duas lanchas salva-vidas, que constava do seguinte teor: 1º - Que o salva-vidas CARVALHO ARAÚJO possuía as melhores qualidades náuticas, o que foi verificado nas provas de recepção e nas sucessivas experiências a que foi submetido. 2º - Que tanto o seu patrão, o cabo de mar da capitania do porto de Leixões, José Rabumba, como o patrão do salva-vidas PORTO José Maria Caetano Nora afirmaram ter a maior confiança no CARVALHO ARAÚJO. 3º - Que a perda das duas embarcações e a consequente e deplorável morte de alguns dos seus tripulantes, foi devida, principalmente ao desrespeito dos preceitos mandados observar pela Inspecção de Socorros a Náufragos, recomendados pela arte de marinharia e ainda ao excessivo desprendimento pela vida e temeridade dos que a dirigiam e tripulavam. 4º - Que as injustas criticas que fizeram à guarnição do salva-vidas PORTO, aquando do naufrágio do vapor DEISTER na barra do Douro, teriam influído no ânimo do José Rabumba levando-o a tentar a salvação dos seus camaradas do outro barco, ocasionando a perda do CARVALHO ARAÚJO.
José Rabumba, cabo de mar de Leixões, é um marinheiro arrojadíssimo, tendo já feito vários salvamentos heróicos, pelo que ao seu peito ostenta várias medalhas, entre elas duas da Torre de Espada pelos notáveis socorros prestados com desprezo absoluto da própria vida, segundo informa o contra-almirante Vieira da Fonseca, inspector dos socorros a náufragos.
A 04/06/1932, pelas 13h00, o SEEFALKE acabara de captar um rádio de bordo de um vapor Italiano, que se encontrava à deriva a cerca de oitenta milhas da costa Portuguesa por se lhe ter soltado o hélice. Correspondendo ao rádio, aquele salvadego deixou o porto de Leixões e dirigiu-se para o local a toda a força da sua máquina, a fim de lhe prestar assistência e rebocá-lo para o porto a indicar pelo capitão do vapor em dificuldades.
Também a 4, pelas 21h00, realizou-se no cinema local CINE FOZ, uma sessão cinematográfica a favor das famílias dos desditosos náufragos, que sucumbiram na tragédia das lanchas salva-vidas CARVALHO ARAÚJO e PORTO, a qual foi promovida pelo Grupo Desportivo da Foz e pela Banda Marcial da Foz do Douro. Também, a 12 do mesmo mês, teve lugar um bando precatório em beneficio das mesmas famílias, tendo sido organizado pela mesma banda de música e com a colaboração de algumas colectividades da Foz, Porto, Matosinhos e Leça da Palmeira, além de várias corporações de bombeiros. O referido bando precatório rendeu a verba de 3.100$00, que foi entregue à Casa dos Pescadores de Matosinhos, a fim de distribuir pelos órfãos e viúvas das vítimas do naufrágio.
O I.S.N. resolveu suportar a importância de 6.098$20, relativo às despesas com os funerais. Pagou também as roupas perdidas pelos tripulantes sobreviventes, no valor de 1.700$00 e concedeu à viúva do patrão José de Pinho Brandão a pensão vitalícia de 1.200$00 e às viúvas dos tripulantes Serafim Pereira da Silva e Matias Baptista da Silva a pensão de 720$00 cada uma. Concedeu mais os subsídios eventuais aos pais de Inocêncio Baptista da Silva, António Martins Vinagre e Mário da Silva Rebelo.
A 6, pelas 20h00, o GAUSS deixou o porto de Leixões de rumo ao porto de Bremen. Aquele navio, que seguiu viagem rebocado pelo SEEFALKE, por imposição da companhia seguradora, antes de rumar a Norte veio junto da barra do Douro saudar terra com vários toques da sirene de bordo.
A 11/07, a titulo meramente voluntário, a firma W. Stuve & Ca. Lda gratificou os pilotos da barra e o seu pessoal assalariado, que colaboraram nas várias operações de salvamento do navio de que era consignatário, cabendo a cada elemento a quantia de 20$00.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Imprensa diária; Miramar Ship Index.
(continua)
Rui Amaro

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