terça-feira, 18 de maio de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 64


RECORDANDO O ENCALHE DO VAPOR INGLÊS “RUCKINGE” À ENTRADA DA BARRA


O RUCKINGE encalhado à entrada da barra / (c) imagem do jornal "O Comércio do Porto" de 25/03/1931 /.


A 24/03/1931 pairavam ao largo da costa nove navios, que aguardavam os respectivos pilotos, a fim de demandarem a barra do Douro. Daqueles navios, dois guinaram às pedras e um encalhou e esteve quase a ser considerado perdido, quando cruzavam a barra com o mar um pouco agitado e bastante corrente de água de cima.

Pelas 14h15, após terem sido pilotados através do porto de Leixões, aqueles nove navios suspenderam e foram-se aproximando do farolim de Felgueiras, ficando a pairar por fora da rebentação. Chegada a hora da maré, o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão mandou içar nos mastros do cais do Relógio e do castelo da Foz, o sinal de bandeiras de 11 pés. O lugre-motor Português de quatro mastros FAYAL, piloto José Fernandes Amaro Júnior, que era o navio de menor calado, fez-se à barra e seguiu rio acima, normalmente. Pouco tempo depois, aquele sinal foi substituído por um de calado superior e sendo assim, entra a barra o vapor Dinamarquês EMANUEL, piloto Júlio Pinto de Carvalho acompanhado pelo praticante António Duarte, que passa a barra sem percalços. Segue-se o Português ZÉ MANÉL, piloto Francisco Soares de Melo, vindo na sua esteira o Alemão TRITON, piloto António Gonçalves dos Reis e a seguir o Norueguês KATLAND, piloto Eurico Pereira Franco, que foram rio acima. O seguinte foi o Alemão APOLLO, piloto Joel da Cunha Monteiro, que às 16h10, quando passava diante da pedra do Touro guinou a bombordo, contudo de imediato largou o ferro de estibordo e também fez marcha à ré. Pouco tempo depois e graças a essa manobra endireitou proa ao canal e avançou para montante, todavia desmanilhou a amarra e perdeu o ferro. Segue-se o Sueco GOTTFRID, piloto Aires Pereira Franco, que às 16h50, quando passava diante da penedia da Forcada, também sofre um estoque de água e guina, perigosamente ao cais do Touro, pelo que larga o ferro de estibordo e máquina à ré, indo igualmente ao meio do rio e foi para montante, porém a amarra rebentou, tendo perdido o ferro. Segue-se o vapor espanhol EA, piloto Manuel Fernandes Vieira, foi rio acima sem qualquer incidente.

O Inglês RUCKINGE, piloto José Pinto Ribeiro, auxiliado à proa pelo rebocador LUSITÂNIA, é o último a entrar, contudo ao passar junto da bóia da barra, devido a ter riscado na vaga, correu um pouco de proa a Sul e para evitar o encalhe na restinga do Cabedelo, o piloto ordena leme todo a bombordo e mais força avante na máquina e é nesse momento, que o vapor apanhando o gosto à corrente do rio, vai de guinada ao cais Velho, acabando por se deter encalhado entre a ponta daquele cais e as pedras da Ponta do Dente, apesar de ter feito inversão de marcha e ter largado o ferro de estibordo, além da manobra inglória do rebocador para evitar o encalhe. Entretanto, o rebocador LUSITÂNIA continuou a puxar pelo vapor sinistrado na tentativa de o safar das pedras e com o esforço a amarreta acabou por se partir, indo o rebocador barra fora, envolvido na ondulação e corrente do rio.



APOLLO / (c) Hundert Jahre "NEPTUN"/.


Vindo em auxilio do colega, atracaram ao vapor a catraia da assistência conduzindo o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão, que subiu a bordo e a lancha de pilotar P4, saltando para bordo, a fim de participarem nos trabalhos de salvamento os pilotos João Pinto de Carvalho e Pedro Reis da Luz, permanecendo na lancha os pilotos José Jeremias dos Santos e José Fernandes Amaro Júnior. Mais tarde compareceu o patrão-mor da Capitania, ten. Martins. Acudiram também ao local o salva-vidas GONÇALO DIAS da localidade piscatória da Afurada, a cujo leme se via o António Ferreirinha, seu patrão e compareceram também os rebocadores MARS 2º e o NEIVA.

O RUCKINGE, que estava em 18 pés de calado de água, balouçava-se ao sabor da ondulação, indiferente aos esforços empregados para o safar. À 18h15 subiu a bordo o patrão-mor da capitania, a fim de em conjunto com o piloto-mor colaborar nas manobras de desencalhe e logo a seguir entra em acção o MARS 2º, que passou um cabo de reboque, o qual teve a mesma sorte dos anteriores. A maré começava a vazar, o que tornou mais difícil o desencalhe e mais penosos e arriscados os trabalhos.

Os valentes camaradas do salva-vidas da Afurada, firmes no seu posto, pareciam colados à frágil embarcação, que por vezes parecia ser engolida pelo escarcéu da vazante ou pela ondulação vinda de fora da barra. Outro tanto sucedia aos rebocadores, especialmente ao NEIVA e ao MARS 2, que eram joguetes nas ondas encapeladas, que se formavam na barra devido à força da vazante

Pelas 18h25 o LUSITÂNIA estabeleceu um virador, cabo bastante grosso e forte, à proa do RUCKINGE e começou a puxar, fazendo esforços inauditos, chegando a adornar, perigosamente, todavia o vapor não se movia e o virador acabou por rebentar.

O patrão-mor desembarcou e foi para bordo do LUSITÂNIA. Entretanto o MARS 2º passou novo cabo e passado algum tempo viu baldados os seus intentos, porque a amarreta, igualmente rebentou. Às 18h55. O NEIVA lança um cabo à proa e o LUSITÂNIA passa um outro cabo à popa, tentando os dois rebocadores, num esforço combinado, obrigar o vapor encalhado a safar-se e a endireitar ao canal mas não foram melhor sucedidos, porque o cabo virador do LUSITÂNIA rebentou ao segundo esticão e o NEIVA depois de um esforço superior à sua máquina, viu o seu cabo de reboque também rebentado.

Mais tarde, veio noite e as operações de resgate foram suspensas por ordem do capitão do porto, tendo sido desembarcada toda a sua tripulação, que foi transportada para o cais do Marégrafo na lancha dos pilotos P4, timonada pelo piloto José Fernandes Amaro Júnior e pelo salva-vidas da Afurada, que veio a reboque daquela lancha. No local do sinistro ficaram o LUSITÂNIA e o MARS 2º para acorrer a qualquer eventualidade.

Os marinheiros em número de treze, foram alojados na Estação de Socorros a Náufragos por gentileza da respectiva direcção e os seis oficiais hospedaram-se no Hotel da Boavista. No dia seguinte, ao romper da aurora, a tripulação regressou a bordo do seu vapor, a fim de tentarem na maré da manhã safar o vapor, o que não foi conseguido. Entretanto, por ordem do agente consignatário do armador, a firma Kendall, Pinto Basto & Cia. Lda., uma grande partida da carga de carvão carregada no porto de Cardiff foi alijada ao mar, a fim de aliviar o vapor para lhe dar maior flutuabilidade.

Na maré da tarde com o auxilio dos rebocadores LUSITÂNIA e TRITÃO foi o RUCKINGE, finalmente safo das pedras e saindo a barra foi-se acolher à bacia do porto de Leixões, levando a bordo além do piloto de serviço ao vapor, também os seus colegas Pedro Reis da Luz, Francisco Luiz Gonçalves e o Francisco Piedade, a fim de receber as usuais vistorias das competentes entidades e aguardar melhor maré para se fazer à barra do Douro, a fim de completar a descarga de carvão, muito aguardada pelas indústrias e pelos caminhos de ferro. Junto do local do sinistro compareceu o representante do Lloyds, Mr. Pay e dos agentes consignatários, Sr. Eduardo Romero.

A notícia do encalhe correu célere pela cidade e arredores, tendo afluído à Foz do Douro uma enorme multidão de curiosos, que encheram os cais e praias próximos da barra e desses curiosos, muitos deslocaram-se nos seus automóveis. A multidão era contida na praia das Pastoras por uma força de polícia, sob as ordens do chefe Gomes, responsável pela esquadra da Foz. Mesmo durante a noite muita gente afluiu ao local do sinistro, a fim de ver o vapor encalhado.

A 25 de Maio o agente consignatário do RUCKINGE, a título voluntário, gratificou os pilotos e demais pessoal, que cooperaram nos trabalhos do seu salvamento com a importância de 72$00, praxe usual.

O vapor RUCKINGE era um usual frequentador dos portos portugueses, principalmente do Douro e Leixões, transportando carvão e no retorno toros de pinho para as minas ou cortiça em fardos, juntamente com os vapores do seu armador: HAWKINGE, OTTINGE, SELLINGE, BELTINGE e LYMINGE

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O GOTTFRID arvorando bandeira Filandes em 1954 /(c) Colecção de Jan H - Ships Nostalgia /.


RUCKINGE – 83m/1.742tb; 03/1923 entregue pelo estaleiro Swan Hunter Wigham Richardson Richardson Ltd., Walssend-on-Tyne, como MARJORIE-S ao armador E. L. Anderson, -----; 1928 CORCELLES, Cie. Des Affreteurs Français, Rouen; 1929 RUCKINGE, Constants (S. Wales), Ltd., Cardiff ; 1936 MORTLAKE, Watts, Watts & Co. Ltd., Londres; 1938 STANLAKE, J. A. Billmeier & Co., Londrres; 16/09/1938 STANLAKE, atingido por ataque aéreo à cidade e porto de Barcelona; 14/04/1943 STANLAKE, torpedeado e fundado por lancha torpedeira da “Kriegsmarine” a 12 milhas náutica de Lizard Head, Cornualha.

APOLLO – 90m/2.297tb/10 nós; 08/1927 entregue pelo estaleiro Deschimag Werke AG Weser, Bremen à Dampfs. Ges. Neptun, Bremen; 1940 SEELOWE, requisitado pela “Kriegsmarine”, sendo convertido em transporte militar; 24/06/1945 entregue em Methil aos Aliados; 1945 EMPIRE TAFT, Mowt, Londres, operador Mossgiel Steamship co.,Ltd. Glasgow; 1947 ALHAMA, Mossgiel Steamship cp.,Ltd., Glasgow, operador John Bruce & Co.,Ltd., Glasgow:

02/03/1953 ALHAMA, chegava ao Faslane, Escócia, para ser desmantelado pelos sucateiros Metal Industries (Salavage), Ltd.; Finals da década de 40 escalou o rio Douro em lastro para levar um carregamento completo de fardos de cortiça para o Reino Unido.

GOTTFRID – 83m/1.635tb/8,5nós; 06/1899 entregue pelo estaleiro John Crown & Sons, Ltd., Strand Slipway, Sunderland, for G. Sjoberg, Suécia; 1953 KANNAS, Suomen Laiva O/Y, Helsínquia; 1954 GOTTFRID, Suomen Laiva O/Y, Helsínquia; 25/07/1955 entregue a sucateiros no porto de Helsínquia para demolição.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Miramar Ship Index. Imprensa diária,

(continua)

Rui Amaro

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