CICLONE
SOBRE A REGIÃO DO PORTO, QUE ORIGINOU O ENCALHE DO PAQUETE "CUYABÁ"
E DO VAPOR "HADIOTIS" NO PORTO DE LEIXÕES E INCIDENTES COM LUGRES BACALHOEIROS NO
RIO DOURO
O HADIOTIS encalhado junto da praia do Pescado, Matosinhos / foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral, Porto /.
A 15/02/1941, pelas 16h00,
começaram a sentir-se ventos tempestuosos do quadrante noroeste com rajadas de
65kmH, as quais por vezes aumentavam de intensidade, formando forte maresia,
que penetrava, perigosamente na bacia e na nova doca comercial do porto de Leixões,
e das 18h00 às 21h30 passou à situação de ciclone com ventos soprando entre os
128 e 145kmH. Aquele ciclone devastava-tudo por onde passava, eram árvores,
automóveis, telhados, casas velhas, embarcações, etc. Por precaução, o sota-piloto-mor António da Silva
Pereira, já tinha mandado alguns pilotos para bordo dos vapores surtos no
anteporto para resolver qualquer eventualidade, que entretanto surgisse e de
facto a sua decisão não foi em
vão. No pico do ciclone, o paquete Brasileiro CUYABÁ, 129m/6.672tb,
piloto Tito dos Santos Marnoto, transportando passageiros e carga diversa,
fundeado a dois ferros ao norte, partiram-se-lhe as duas amarras, situação provocada
pela força da ressaca e do vento. Aquele paquete tendo a máquina a trabalhar no
máximo, não se consegue deter devido à força eólica do ciclone, apesar das
manobras orientadas por aquele piloto, vai de garra e acabando por encalhar
junto da entrada da doca nº 1, que por pouco não ficou bloqueada, ficando um
pouco adornado.
Também o vapor
Grego HADIOTIS, 121m/4.386tb, piloto Francisco José de Campos Evangelista, em
lastro, fundeado a dois ferros na Bacia, com a máquina a trabalhar no máximo da
sua potência, apanha de lado a força do vento e vai de garra sobre o CUYABÁ,
mas aquele piloto, com certa perícia, tenta conduzir o vapor de maneira a impedir
o abalroamento com o paquete Brasileiro, que entretanto encalhara, não
evitando, que também o HADIOTIS acabe por varar na praia, a sul da rampa do
Pescado. Tudo isso depois de ter passado por cima dos escolhos de natureza
granítica, que eriçavam o fundo daquela zona portuária, rebentando com eles e
rasgando-se a si próprio. O vapor ficou de proa a sul, portanto paralelo à
praia. Era impressionante ver um navio tão grande naquela posição e era voz corrente,
que ele se não safaria das garras em que caíra, visto que excepcionalmente se formaria
outra maré igual à do dia em que encalhara e que só outro ciclone poderia
reproduzir. O argumento tinha peso mas não era convincente e muito menos decisivo.
Assente sobre rochas rijas, mais salientes umas que outras, força essa, como de
facto sucedeu, que algumas lhe amolgaram ou trespassaram o fundo, que todo se
deformou mais ou menos.
No cais acostável
do Molhe Sul, por ter garrado, foi amarrado o vapor Português PÁDUA, 60m/665tb.
O capitão do porto de Leixões, por medida de precaução, mandou retirar para
terra toda a tripulação do iate-motor Português JUDITH 1º, 29m/96tb Esta
embarcação, que se destinava ao porto de Setúbal, arribara ao porto de Leixões,
a fim de se abrigar do temporal desfeito, que se fazia sentir por toda a costa.
O salva-vidas CARVALHO ARAÚJO e todo o pessoal da capitania e dos pilotos
estavam de prevenção sob as ordens do Capitão do Porto, Conde de Vilas Boas. O
barómetro da Capitania acusou a pressão mais baixa de que havia memória e desde
há cinquenta anos, que não eram sentidos ventos tão fortes.
Lugres bacalhoeiros em Massarelos, rio Douro, vendo o PAÇOS DE BRANDÃO semi-submerso / fotos Imprensa diária /,
No rio Douro, os
lugres bacalhoeiros Portugueses ANA MARIA, PAÇOS DE BRANDÃO, DELÃES e
OLIVEIRENSE, que ultimavam os seus fabricos, a fim de rumarem aos Grandes
Bancos, colidiram uns contra os outros, ficando muito danificados, devido ao
caudal do rio e ao ciclone. O lugre à vela PAÇOS DE BRANDÃO foi o mais
atingido, partindo-se o pau do gurupés, a borda falsa e a gaiúta da máquina do
leme. Estes quatro lugres de três mastros, construídos em madeira, foram atirados
sobre a margem de Massarelos, ficando o PAÇOS DE BRANDÃO semi-submerso com a
proa debaixo de água, pelo que teve de ser posto a reflutuar e sofrer
reparações dmoradas, pelo que na campanha de 1941, a sua largada para os pesqueiros da Terra Nova, foi demasiadamente tardia.
No Passeio Alegre
o mar encapelado galgava os paredões da barra e inundava as margens com as suas
águas agitadas. As pequenas embarcações, que não houvera tempo de as colocar a
salvo em terra, baloiçavam ao sabor da forte ondulação. Na região do Porto e
pelo resto do país os acidentes e prejuízos, causados pelo ciclone, eram
incalculáveis.
Quando o temporal
amainou e a maré-alta facilitou, o paquete CUYABÁ foi desencalhado das pedras
com o auxílio dos rebocadores TRITÃO, NEIVA e o rebocador dos pilotos COMANDANTE
AFONSO DE CARVALHO, coadjuvados pelo salva-vidas CARVALHO ARAÚJO. Tendo o
CUYABÁ sido levado para a doca nº 1 – lado norte, a fim de ser vistoriado e
reparado de avarias ligeiras.
O paquete CUYABÁ na doca nº 1 Norte, vendo.se ao fundo a draga ADOLFO LOUREIRO e o vapor KASSOS. No lado Sul vê-se o rebocador GUADIANA / Foto Imprensa diária /.
Quanto ao vapor
HADIOTIS, o seu salvamento, muito mais complexo e demorado, foi entregue à
A.G.P.L. – Administração Geral do Porto de Lisboa, sob a orientação do Eng.
Salvador de Sá Nogueira, reconhecido especialista e sua equipa técnica, que já
tinham dado suficientes provas com os resgates das seguintes embarcações no
Tejo: rebocador CABO SARDÃO, vapor SIVA (depois FOCA), draga ALCANTARA, e da nau
PORTUGAL (depois batelão NAZARÉ).
Acertadas as
condições e assinado o contrato de salvamento, sob a forma “no cure, no pay”, a
06/04/1941 foi feita uma minuciosa inspecção ao vapor, iniciando-se os
trabalhos da sua recuperação e após várias tentativas, a 15/04/1941, às 04h45,
os salvadegos da A.G.P.L. CABO ESPICHEL e o CABO RASO à proa e o CABO DA ROCA à
popa começaram a puxar. Às 05h45 o HADIOTIS libertava-se da sua última prisão e
flutuava, finalmente após se ter inundado o tanque de vante e parte do porão nº
1, a fim
de se lhe modificar o caimento de modo conveniente, apesar de já de véspera se
ter movido bastante. Colheu-se depois o ferro de bombordo, que veio para cima
sem as unhas e foi fundear na covada, junto do molhe Sul. Às 16h00 suspendeu e
recolheu à doca nº 1, levado para ali pelos salvadegos CABO RASO e CABO DA ROCA,
onde foram efectuados os preparativos para a viagem até ao porto de Lisboa. A 24/04/1941,
terminados os referidos trabalhos e cumpridas as formalidades legais deixou o
porto de Leixões pelas 12h00, e a 25 às 11h00 entrava na doca de Alcântara, a
cujo cais Sul ficou atracado, a aguardar acesso a doca seca, ali vizinha, para
reparos.
O HADIOTIS em doca seca da A.G.P.L. em reparação das avarias sofridas / foto de autor desconhecido /.
O vapor HADIOTIS, imo 4067142, que fora
construído no ano de 1928 pelos estaleiros Northumberland Shipbuilding Co., Ltd.,
Howden-on-Tyne, para o armador grego Pnevmaticos et al, gestor Kassos Steam
Navigation Co, Ltd, Syra, na ocasião do encalhe estava fretado ao governo da Suíça, a fim de fazer face ao abastecimento daquele país, devido à situação de
guerra. A 15/09/1941 foi comprado pelo seu fretador, que lhe deu o novo nome de
EIGER, e apesar de ter sido considerado como “constructive total loss”, foi
completamente reparado pelos estaleiros da CUF, de Lisboa, tendo sido
substituído todo o seu fundo.
A 10/01/1942,
arvorando o pavilhão da Suíça e os distintivos de guerra, assinalando a sua
nacionalidade neutral, deixou o porto de Lisboa rumando ao porto de Génova sob
o comando do capitão Português João Quininha. A 10/04/1947 foi adquirido pelo
armador Swiss Shipping Co, Ltd, Basileia, que lhe alterou o nome para o de CRISTALLINA;
07/01/1949 NICKY, Pappadakis A. G., Grécia; 1951 FUJIKAVA MARU, Kawasaki Kisen
Kaisha, Japão; 1957 TENJHO MARU, Hakuyo Kisen Kaisha, Japão;
16/06/1963
chegava a Osaka para desmantelamento.
O paquete CUYABÁ, imo 5602658, foi lançado à água
em 18/08/1906, com o nome de HOENSTAUFEN, pelos estaleiros Bremen Vulkan,
Vegasack, para a importante companhia Hamburg Amerika Line (HAPAG), Hamburgo,
que o colocou na linha do Brasil e Rio da Prata. Em 08/1914, devido à eclosão
da segunda guerra mundial, refugiou-se no porto do Rio de Janeiro. A 01/06/1917
foi requisitado e confiscado pelo governo Brasileiro, sendo a partir dessa data
gerido pelo Lloyd Brasileiro, que o adquiriu em 1927 para o seu serviço com a
Europa, passando a escalar os portos de Lisboa e Leixões até meados da segunda
guerra mundial, altura em que passou a servir o tráfego costeiro do Brasil. Em
07/1963 foi entregue aos estaleiros de Chaves e Furno, do Rio de Janeiro, para
demolição.
O CUYABÁ,
quando a 27/07/1937 navegava sob denso nevoeiro, vindo do norte da Europa de
rumo à barra do Tejo, encalhou nas ilhas Berlengas, conseguindo mais tarde
safar-se com a ajuda de várias embarcações, que acorrerem em seu auxilio, tendo
seguido a reboque para o porto de Lisboa. Alguns anos mais tarde, 09/1942,
sofreu um grave acidente, quando navegava em comboio naval durante a noite com
as luzes apagadas, a fim de evitar os submarinos Alemães, juntamente com o
paquete do mesmo armador SIQUEIRA CAMPOS, sob escolta naval brasileira, tendo
ambos sofrido graves rombos e avarias. Os dois paquetes rumaram à costa Brasileira.
O CUYABÁ arribou ao porto de Fortaleza, onde foi varado numa praia. O SIQUEIRA
CAMPOS foi fundear num baixio, junto à praia, no entanto dado que as bombas de
bordo não davam vazão à penetração das águas, acabou por ser abandonado,
afundando-se no local onde ainda hoje parte da sua estrutura é visível. A
17/09/1942 os paquetes CUYABÁ e BAGÉ, ambos do mesmo armador, partiram do porto
do Rio de Janeiro para o porto de Lisboa, transportando os embaixadores da
Alemanha e da Itália, bem como demais funcionários diplomáticos e súbditos dos
dois países, sem escolta, contudo nos seus costados levavam assinalados grandes
dizeres que indicavam a sua missão diplomática.
Relacionado
com o encalhe do CUYABÁ, a corporação de pilotos apresentou a 22/03/1941 ao
Lloyd Brasileiro a factura do valor de esc:150.000$00 pelos serviços prestados
pelo seu rebocador COMANDANTE AFONSO DE CARVALHO nas manobras de desencalhe
daquele paquete em 16/02/1941. O armador apenas se prontificou a pagar esc:10.000$00,
o que não teve aceitação dos pilotos, pelo que em face disso a corporação de
pilotos passou a recorrer da decisão do tribunal, contudo a 13/10/1941 uma
Comissão da Corporação de Pilotos composta pelos seguintes elementos: Sota-pilotos-mores
António da Silva Pereira e José Fernandes Tato; pilotos José Fernandes Amaro Júnior,
Aires Pereira Franco, Aristides Pereira Ramalheira, Luís dos Santos Ventura e
Francisco Campos Evangelista, teve uma reunião com o director do Lloyd Brasileiro
nos seus escritórios da cidade do Porto, a fim de solucionar o o assunto em litígio, tendo o mesmo ficado resolvido a contento de ambas as partes.
Fontes:
José Fernandes Amaro Júnior, Miramar Ship Index; Swiss Ships.
(continua)
Rui
Amaro
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