O VAPOR INGLÊS “FENDRIS” CHEGA À BARRA E GENTE
DE GRANDE CORAGEM
A lancha de pilotar P4 / foto de autor desconhecido - colecção de Rui Amaro /.
1946, um dia dos últimos meses do ano, o moço da
tabela Álvaro Lima (Conde) chega à sala dos pilotos da estação da Foz do Douro
e entrega ao piloto Hermínio Gonçalves dos Reis, de serviço à corporação, o
livro chamado da “tabela”. Nesse livro está registado pelo telegrafista Barbosa,
da Estação Telegráfica e Semafórica da Cantareira: Às 15h15 um vapor ao norte.
Esse vapor é o Inglês FENDRIS, 69m/1.268tb, gémeo do PROCRIS e do SARDIS, muito
conhecidos e ainda hoje recordados nas zonas ribeirinhas do Porto e Gaia, os
quais sobreviveram à guerra de 1939/45, tendo contribuído bastante para a
vitória dos aliados. Aquele vapor procede do porto de Glasgow com carga diversa
e ostenta içada a bandeira “G”, três listas verticais amarelas e azuis, cujo
significado é “peço piloto”, e ainda a representativa da letra “Q”, toda
amarela, pedindo “livre prática” à autoridade sanitária, todas elas do
C.I.Sinais.
Dado a hora da maré estar próxima, a lancha de
pilotar P4 larga das escadas dos pilotos no cais do Marégrafo, levando a
bandeira dos pilotos na adriça da carangueja do seu mastro, debruada a azul com
a letra P a preto sobre fundo branco, e sai a barra ao encontro do FENDRIS, que
entretanto paira ao largo aguardando piloto. A lancha a cujo leme está o
cabo-piloto Manuel de Oliveira Alegre, aborda aquele vapor, estando às defensas
o seu mestre Eusébio Fernandes Amaro e o marinheiro Eduardo Piedade e de
atenção ao motor o motorista Joaquim dos Santos Jeremias, subindo a bordo pelas
escadas de quebra-costas o piloto Eurico Pereira Franco e na lancha permanece o
seu colega Carlos de Sousa Lopes, que seguira a bordo na eventualidade da
chegada de outro navio. Logo após o piloto da barra ter saltado para bordo, a
bandeira da letra “G” é arriada e içadas a bandeira nacional de Portugal e a da
letra “H”, cores vermelha e branca na vertical, que indica piloto da barra
embarcado.
O piloto Eurico Pereira Franco fazia parte de
uma família de oito elementos da corporação, sendo seis pilotos e um arrais,
entre irmãos e um cunhado, todos oriundos das artes pesqueiras da Foz e ainda
um vigia/sinaleiro, seu filho, que tinha o nome do pai. Desses oito elementos
dessa família, o Aires Pereira Franco, que residia na Cantareira, faleceu no
mês de Fevereiro de 2006 com a linda idade de 101 anos, o qual foi um
experimentado profissional, como piloto prático e cabo-piloto. Além disso,
participou em vários salvamentos de tripulantes de embarcações em dificuldade
mas muito, especialmente, na década de 60 do século XX, quando o lanchão-motor
português MANELICA, 27m/86tb, à noite frente a Massarelos, em plena cheia, partira-se-lhe
as amarras de terra e garrou para o meio do rio, tendo permanecido durante
algum tempo apitando a sirene com toques lúgubres de pedido de socorro, até ter
sido levado pela cheia barra fora, sendo encontrado ao largo da costa pela
traineira DIAMANTE, que o conduziu para Leixões. Tempo suficiente, para que o
Aires Pereira Franco, tomasse o leme da lancha P5, que estava amarrada na
margem norte abrigada da cheia e não olhando a perigos, juntamente com o piloto
Joaquim R. Cândido, mestre Manuel dos Reis, motorista Manuel da Silva Pereira e
o marinheiro Manuel (Charuto) afrontasse a forte corrente da cheia e resgatasse
toda a equipagem do MANELICA, A estes elementos da corporação de pilotos há que
denominar como GENTE DE GRANDE CORAGEM.
O antigo lanchão-motor Português MANELICA, após
reconstrução, algures em Cabo Verde.
Aliás, sempre foi atributo de todos os pilotos
das barras e seu pessoal auxiliar serem dos primeiros elementos a avançar em
socorro das vitimas de naufrágios ou durante a guerra de 1939/45 na busca e
salvamento de aviadores, Aliados ou Alemães, cujos aviões se despenharam ou
foram abatidos ao largo da costa, fosse nas suas próprias embarcações ou
tripulando as lanchas salva-vidas locais e isso é provado pelas muitas
condecorações e diplomas, que o I.S.N. agraciou as várias corporações de
pilotos das barras do país e seus elementos, não deixando aqui de lembrar,
entre outros, o mestre da lancha de pilotar em serviço na barra do Douro,
Eusébio Fernandes Amaro e os seus camaradas.
O piloto Eurico Pereira Franco chegado à ponte
de comando, onde o capitão o espera, informa-se de alguns elementos relativos à
carga e sobre os vícios de leme ou da máquina, além de mandar colocar os ferros
a prumo, ou seja prontos a largar ou mesmo a desmanilhar a amarra, caso haja
necessidade, visto a barra diante do Touro estar um pouco apertada, originando
alguma corrente anormal de águas de cima. Por esse motivo e a fim de se evitar
qualquer acidente por estoque de água, vai seguir até às bóias da Cantareira
assistido pelo rebocador URANO, com a amarreta pegada à proa e através de silvos
da sirene de bordo, assinala o seu calado de água para terra. O piloto-mor José
Fernandes Tato, imediatamente manda içar no mastro do cais do Marégrafo e do
Castelo, a bandeira vermelha seguida dos galhardetes indicativos de 16 pés com balão preto no
topo e aquele piloto assume o comando da manobra de pilotagem, desde fora da
barra até à amarração no porto comercial do Douro, indo o FENDRIS, que
efectuará as suas operações de descarga e carga, com intervenção de barcaças,
fundear no lugar dos Vanzelleres, local onde se situa o actual cais de Gaia, a
dois ferros à proa e ancorote dos pilotos pela popa ao noroeste, além de reforço
de cabos passados aos peorizes em terra, devido a eventualidade de cheia no
rio, não antes de ter sido visitado, junto do lugar do Ouro, pelo médico da Sanidade
Marítima, a fim de lhe conceder “livre prática”, visto não haver a bordo
qualquer foco infeccioso.
FENDRIS / autor desconhecido - Photoship Co. UK /.
O vapor “FENDRIS” era comandado pelo Cdt.
John.W.Cowie, veterano da barra da cidade do Porto, que serviu desde oficial
praticante a capitão em grande parte da frota do armador Moss Hutchinson Lines,
Glasgow, que escalava os portos portugueses com regularidade. Esse experimentado
capitão legou as suas cinzas à barra do Douro, as quais a 19/07/1957 na
presença de uma enorme multidão, foram lançadas de bordo do navio-motor Inglês
SEAMEW às águas daquela perigosa barra, tendo sido aquele navio, poucos anos
antes, o seu último comando. No cais da Meia Laranja existe uma placa em bronze
comemorativa desse acontecimento, todavia não seria demais dar-se o nome de
John W. Cowie a uma artéria da Foz do Douro, o mais próximo da barra.
(continua)
Rui Amaro
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