quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 39


O “VILLA FRANCA”, Á SAIDA DA BARRA, BATE NO FUNDO


Relato textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relativo ao seu serviço de saída do rio Douro e entrada no porto de Leixões do vapor Português VILLA FRANCA.

«A 03.02.1930, pelas 18h00, recebi ordem do piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão para dar saída ao vapor Português VILLA FRANCA no dia seguinte pelas 09h00. Aquele vapor, cuja entrada procedente do porto de Le Havre com escala pelo porto de Leixões a 29.02 fora dirigida por mim e fora amarrado no lugar do quadro da Alfândega.

Chegado a bordo apressei-me a iniciar a manobra de largada, a fim de conseguir cruzar a barra com mínimo de dificuldades, uma vez que quando deixei a Cantareira a ondulação na barra estava com tendência a piorar. Quando se estava a largar as amarras de terra e preparava-me para mandar suspender o ancorote dos pilotos à popa, o tripulante da catraia dos pilotos que estava na margem fez-me sinal para amarrar novamente, porque o piloto-mor telefonara informando, que a maresia deteriorasse e estava a cerrar a barra, pelo que resolveu fechar a barra a qualquer embarcação. Em face daquela informação mandei passar os cabos de amarração a terra e regressei à Cantareira, juntamente com os meus colegas Hermínio Gonçalves dos Reis, António Gonçalves dos Reis e Joaquim Matias Alves, que estavam embarcados, respectivamente nos vapores Inglês DARINO, Noruegueses BRO e SADO, que também voltaram a amarrar e ficaram a aguardar saída para o dia seguinte.

A 05, dia seguinte, pelas 05h00 sai de minha casa e dirigi-me ao molhe de Felgueiras, a fim de avaliar a maresia e jeito das águas na barra, procedimento usual dos pilotos da barra. O mar na barra ainda ia de andaço e quebrava bastante, contudo como a preia-mar vinha longe, seria possível amainar um pouco. Chegado à corporação informei os meus colegas do que tinha observado na barra e às 07h30 embarcamos nas lanchas e catraias e seguimos para bordo dos respectivos vapores, a fim de os colocar em franquia.

O piloto Júlio Pinto de Carvalho embarcou no BRO; o piloto Joaquim Matias Alves subiu a bordo do SADO; o piloto Hermínio Gonçalves dos Reis saltou para bordo do também Norueguês AVANCE; o piloto António Gonçalves dos Reis, irmão do Hermínio, foi para o DARINO e eu tomei conta do VILLA FRANCA, cujo calado de água era de 17 pés. Havia também o Norueguês AQUILA, que foi pilotado pelo meu colega Manuel dos Reis, que foi dirigir as manobras de arriar cabos para dar passagem ao AVANCE, que estava por terra daquele.



O VILLA FRANCA amarrado no rio Douro, lugar do Monchique, em finais da década de 40 / (c) foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral /.


Uma vez na ponte de comando, iniciei as manobras de colocar o VILLA FRANCA em franquia ou seja pronto a largar. Logo que veio ordem para seguir para a barra, chamei o rebocador LUSITÂNIA, que pegou à ré e fui desandar o vapor diante das escadas da Alfândega. Os outros vapores já rumavam à barra pelo que segui na esteira do DARINO e depois de largado o cabo de reboque, iniciei a navegação de marcha devagar avante. Quando alcancei o lugar da Ínsua do Ouro reparei, que os vapores mais adiantados estavam a ser batidos pela maresia, a qual lhes dificultava a passagem na barra, fazendo-os descair para cima do Cabeço. Então disse ao capitão para recomendar ao pessoal da máquina para estar com a máxima atenção às ordens transmitidas da ponte de comando e ao timoneiro para aguentar o navio de proa à vaga.

Quando passava junto da bóia da barra caiu um enorme pampeiro de chuva, que me diminuiu a visibilidade e logo de seguida o vapor foi envolvido por vários andaços de mar, pelo que mandei aproar à vaga e dar mais força na máquina, se bem que por vezes tinha que abrandar a marcha quando o vapor levantava a popa, todavia com a forte corrente de águas de cheia, o vapor foi descaindo para Sul e acabou por topar de popa no fatídico banco de areia da barra, tendo o capitão me chamado à atenção para esse facto. Então tratei de fazer a marcação do local do incidente, sendo a Leste a marca Nova das Três Orelhas pelo Sul da marca do Anjo e a Norte por Sudoeste da Ponta do Dente. Safo do banco da barra, lentamente consegui manobrar o vapor para fora da rebentação sob vento fresco de Noroeste, bastante mar e fortes bátegas de chuva e rumei ao porto de Leixões.

O DARINO, que ia desembarcar o piloto dentro do porto de Leixões, seguia um pouco avante. Com os binóculos distingui a bandeira vermelha, sinal de barra franca, içada no mastro do castelo de Leça mas logo que o DARINO entrou, a mesma foi arriada. Em face disso mandei desandar por bombordo e fiquei a aguardar de proa ao mar. Pouco tempo depois aquele vapor Inglês abandonou o porto e foi içada a referida bandeira vermelha, autorizando a entrada. Fiz-me ao porto encostado ao molhe norte para resguardar o vapor da ondulação, que entrava pelo porto dentro. Quando estava entre molhes surgiu um volta de mar mais elevada, a qual fez com que o vapor adornasse demasiado a estibordo e tomou o jeito de seguir na direcção do quadro das Quarentenas, situado ao Norte, junto da curva do molhe. Em face da situação, ordenei máquina toda força à ré para o vapor desfazer para estibordo. No fundeadouro estava a lancha P3 à minha espera, estando a bordo o cabo-piloto Paulino Pereira da Silva Soares e o piloto Elísio da Silva Pereira, que me fez sinal para largar o ferro de bombordo e pouco depois mandei largar o de estibordo.

Após terminar as operações de amarração, o capitão do vapor VILLA FRANCA queria, que o meu nome e a minha assinatura fizessem parte do protesto relativo ao incidente no banco da barra. Perguntei ao cabo-piloto se deveria assinar, contudo ele ordenou-me para o não fazer antes de consultar o piloto-mor. Aliás muitas vezes, tanto eu como outros colegas, fomos protagonistas de situações idênticas e mesmo em vapores do mesmo armador do VILLA FRANCA e jamais os respectivos capitães exigiram para assinar qualquer documento do género. Aliás, em casos semelhantes, os capitães é que nos deverão passar um documento em como os seus vapores não se encontram com água aberta.

Chegado ao torreão do Castelo, telefonei para o piloto-mor na estação da Cantareira, o qual me ordenou, que não assinasse o referido documento e que regressasse à Foz. Então recomendei ao pessoal da lancha para ir a bordo do vapor informar o capitão da decisão do piloto-mor e fui para a paragem do Castelo, aguardar o carro eléctrico da linha 1, a fim de regressar à Cantareira onde me apresentei ao piloto-mor, esclarecendo-o melhor sobre o incidente».

VILLA FRANCA - 85m/2.045tb, 10 nós, 3 passageiros, foi lançado à água em 1906 pelo estaleiro Alemão G. Seebeck Aktien Ges., Geestemunde, sob o nome de ARKADIA para o armador Dampfer Linie Atlas Ges., Bremen, tendo sido vendido em 1910 ao armador Deutsche Levante Linie, Hamburgo. Em 08/1914 internado no estuário do Tejo devido à situação de guerra e em 1916 foi apossado pelo governo Português, juntamente com outras unidades da marinha mercante Alemã. Mais tarde foi integrado na frota da então, recém formada empresa Transportes Marítimos do Estado (TME), recebendo o nome de ESPOSENDE, tendo servido aquela empresa, contudo realizou várias viagens sob gestão da FurnessWithy, Reino Unido. Em 1921 foi colocado no serviço costeiro Moçambique/África do Sul. A 01.06.1924, em leilão das unidades daquela empresa estatal (TME), foi adquirido por Cristiano Frazão Pacheco, que o integrou na frota da Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada, tendo sido registado na capitania do porto de Ponta Delgada em 24.08.1924 com o nome de VILLA FRANCA. O seu armador colocou-o no tráfego do Norte da Europa com escalas nos principais portos dos Açores e ainda nos portos do Funchal, Lisboa e Douro/Leixões. Devido à guerra de 1939/45 passou para a nova linha dos EUA e realizou viagens eventuais à Terra Nova para carregamentos de bacalhau seco. Em 1949 foi vendido à Companhia Marítima Africana, registado no Panamá, mantendo o mesmo nome. Em 1951 foi adquirido pelo governo romeno, passando a denominar-se OCTOMBRIE ROSU e foi desmantelado na Roménia em 1960. No pós-guerra 1939/45 recordo-me de o ter visto com o nome alterado para VILA FRANCA.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Merchant Fleets/Furness Withy, Miramar Ship Index, Plimsoll Ship data-LR e A.A. de Moraes.

(continua)

Rui Amaro

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 38


CHEIA NO RIO DOURO – CAMBAR VAPORES PARA ANCORADOUROS MAIS SEGUROS A JUSANTE


FIDALGO / desenho de José Fernandes Amaro Júnior /.


A 01.02.1930, pelas 13h00, dia de mau tempo e cheia no rio, o capitão do porto chamou os pilotos da barra para tratarem de cambar para ancoradouros mais seguros a jusante ou em último caso para reforçarem as amarras das várias embarcações surtas no rio Douro, entre as quais os vapores Noruegueses FIDALGO, BRO, SADO e AQUILA; Islandês VESTRI e o Inglês ESTRELLANO, amarrados nas Ribeiras do Porto e de Gaia.

Ao piloto José Fernandes Amaro Júnior calha-lhe o vapor FIDALGO de 74m/1.124tb, amarrado no lugar dos Vanzelleres. Chegado a bordo, trata de chamar o rebocador LUSITÂNIA para pegar à proa mas o seu mestre hesita em estabelecer o reboque, receoso de fazer perigar o seu próprio rebocador, não vá meter a borda debaixo de água e afundar-se, devido à forte corrente do rio e às dimensões daquele vapor, que manobrará arriado de popa até ao lugar do cais do Cavaco, diante de Massarelos.

Aquele piloto inicia a manobra de arriar o FIDALGO de popa sem rebocador mas tendo a ajuda dos ferros suspensos, com muito pouca amarra, a roçar pelo fundo. Então, o mestre do rebocador LUSITÂNIA, um dos melhores rebocadores a operar nos portos do Douro e Leixões, decide-se por pegar à proa.


VESTRI, visto nesta foto como NORDLAND (Dinamarquês) / copyright - cortesia do Danish Maritime Museum - Elsinore /.


O vapor desce o rio de popa, evitando a penedia das Lobeiras de Gaia e o banco de areia da Porta Nova, manobrando por vezes avante, conforme as necessidades e o rebocador a aguentar para bombordo para o vapor não topar na dita penedia. Assim, segue rio abaixo até às 17h30 dar fundo a dois ferros à proa, com bastante amarra e ancorotes dos pilotos espiados ao lançante pela popa, além de cabos suficientes passados para terra, a fim de suportar a cheia, que irá durar alguns dias. O FIDALGO ficou amarrado por fora da laita PORTUENSE, no dito lugar do cais do Cavaco, tendo aquele piloto dado por concluído o serviço de mudança às 18h30.

Além do FIDALGO, apenas o VESTRI, piloto António Gonçalves dos Reis, também auxiliado por um rebocador, conseguiu alcançar o ancoradouro do cais do Cavaco e todos os outros já não tiveram hipótese de manobrar, visto os seus ferros encontrarem-se enrascados ou assoreados, pelo que tiveram de reforçar as amarrações, cujo serviço foi orientado pelo piloto José Pinto Ribeiro, coadjuvado mais tarde pelos dois pilotos acima mencionados e com a colaboração das lanchas e catraias dos pilotos.

FIDALGO – 74m/1.124tb; 04/1918 entregue pelo estaleiro Trondheim Mekaniske Vaerksted, Trondheim, ao armador A/S Fido, Mathias Hansen, Kristiansand; 1938 BUST, Skibs A/S Orient;

26/05/1951 BUST, naufragou perto de Chusan Island devido a pirataria

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http://www.sjohistorie.no/portal/skip/f/fidalgo_1?distrikt=kristiansand


VESTRI – 64,61m/924tb; 10/1891 entregue por J. Laing, Suderland, como TITAN à KNSM, Amesterdão; 08/1922 NORDLAND, Dampschiffs Rederei Nordica AG, Hamburgo; 1924 NORDLAND, T. E. Tulinius, Copenhaga; 1928 VESTRI, H/F Eimskipaflag Vesterlunds, J. Havstein, gestores, Flateyri, Islandia.; 1934 chegava a Stavanger para demolição.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Miramar Ship Index

(continua)

Rui Amaro