«A 01/04/1931, pelas 23h00, encontrava-me já na cama do meu quarto da estação de pilotos de Leça da Palmeira, à Rua do Moinho de Vento, quando fui acordado pelos toques estridentes de pedido de socorro do vapor CITY OF WORCESTER, que estava a garrar devido ao forte temporal de Sudoeste, que entretanto se formou. Como estava ao segundo da escala de serviço, levantei-me e tratei de me fardar para estar pronto para qualquer eventualidade e fiquei a aguardar no salão da estação. Logo a seguir apareceu o vigia dos pilotos com ordens do sota-piloto-mor António Joaquim de Matos para os pilotos que estavam ao primeiro e ao segundo da referida escala de serviço, seguirem para bordo dos vapores, que se encontravam fundeados e em dificuldade na bacia do porto de Leixões, porque se esperava um grande ciclone. Dirigi-me para o cais do porto de Serviço, a fim de embarcar na lancha P1 e cruzei-me com aquele sota-piloto-mor, que me disse para ir para bordo do ENERGI e o meu colega Manuel Pinto da Costa, que embarcasse no CITY OF WORCESTER.
CITY OF WORCESTER / (c) Photoship Co., UK - autor desconhecido /.
Chegado a bordo do carvoeiro ENERGI mandei o vigia acordar o capitão. Logo que ele apareceu, disse-lhe para ter a máquina pronta a funcionar e o pessoal de quarto preparado para qualquer manobra de emergência, porque o temporal parecia estar com tendência a piorar e talvez tivéssemos de cambar para fundeadouro mais seguro. Passado algum tempo, a tripulação compareceu na ponte do comando, acordada pelo vigia e passou a fazer quartos durante a noite.
A força do vento recrudescia de intensidade e rodava, frequentemente de direcção, Sudoeste para Oeste ou Noroeste, contudo o ENERGI ia-se aguentando ao mau tempo. Quanto ao CITY OF WORCESTER após ter garrado, suspendeu e depois de manobrar foi dar fundo a dois ferros, junto do molhe Norte, aguentando-se com alguma dificuldade aproado ao vento de Noroeste, que se fazia sentir com certa violência durante toda a madrugada.
Às 06h00 apareceu à vista o paquete Português NYASSA da Companhia Nacional de Navegação, que dada a impossibilidade de demandar o porto desandou por Noroeste e fez-se ao largo, quase parecendo desaparecer no meio da maresia. Às 08h00 o pequeno petroleiro SHELL 15 aventurou-se e entrou debaixo de mar e recebendo por dentro dos molhes o piloto Júlio Pinto de Almeida, foi fundear ao Noroeste a dois ferros, a fim de aguardar atracação ao molhe Sul. Às 10h00 é a vez do paquete NYASSA, que transportava cerca de 400 passageiros, se fazer ao porto. Entrou, ao sinal, sem grandes dificuldades, salvo um ou outro andaço de mar, que o fazia adornar a ambos os bordos, subindo a bordo o piloto Alfredo Pereira Franco, que o conduziu para meio do porto, fundeando a dois ferros e às 15h00 veio de entrada envolvido em grande maresia o petroleiro Português SUNFLOWER, que recebe o piloto Elísio da Silva Pereira, dentro dos molhes e vai fundear ao Sul a dois ferros, a fim de aguardar melhoria das condições de mar para seguir para o rio Douro.
Às 18h30, quando o CITY OF WORCESTER estava a virar o ferro de estibordo para o espiar mais para Norte, o ferro de bombordo partiu-se às oito manilhas, logo o piloto Manuel Pinto da Costa, dado não ter hipóteses de auxílio de rebocadores, por ausência destes no porto, fez soar a sirene do vapor, dando sinal para terra, que se encontrava em dificuldades. De imediato compareceu a lancha P3, que levava instruções do sota-piloto-mor António Joaquim de Matos para suspender e abandonar o porto, contudo para no dia seguinte manhã cedo, caso as condições de tempo viessem a melhorar aproximar-se dos molhes, a fim de aguardar ordens, e assim procedeu fazendo-se ao largo sob ondulação tempestuosa. Cerca das 20h00 o temporal foi diminuindo de intensidade, pelo que de todos os pilotos a bordo dos navios ancorados na bacia, apenas eu permaneci a bordo durante toda a noite, tendo desembarcado pelas 08h00 do dia seguinte. Quanto ao ENERGI, aguentou-se de proa ao tempo e jamais garrou ou mudou de fundeadouro.
ENERGI / Copyright - cortesia do Danish Maritime Museum, Elsinore /
No dia seguinte, pelas 06h00, o CITY OF WORCESTER aproximou-se dos molhes e logo que avistou o sinal de bandeiras no mastro do castelo de Leça, autorizando a sua entrada, demandou o porto às 07h00, fundeando ao Norte da bacia com o único ferro disponível e recomeçou as operações de descarga para laitas, da mercadoria vinda da Índia.
Às 09h00 a lancha de pilotar P1 seguiu para junto daquele vapor, levando a bordo os seguintes elementos: Sota-piloto-mor António Joaquim de Matos, cabo-piloto Paulino Soares Biltes, pilotos Júlio Pinto de Almeida, Elísio da Silva Pereira, Alfredo Pereira Franco, José Fernandes Amaro Júnior, Carlos de Sousa Lopes, António Duarte e o respectivo motorista, a fim de tentar gratear o ferro perdido. Após várias tentativas, pelas 16h00, conseguiu-se pegar o ferro e depois de emanilhado à corrente da amarra foi reposto no seu lugar e ajustou-se com o comandante do vapor a quantia de 1.000$00 pelo serviço, tendo recebido cada elemento a importância de 85$00, exceptuando o serviço da lancha, que foi debitado na cédula do serviço de pilotagem ao respectivo agente consignatário».
CITY OF WORCESTER – 130m/5.469tb/10,5nós; 10/1927 entregue pelo estaleiro Earle’s Shipbuilding, Ltd., Hull, ao armador Ellerman’s Hall Line, Liverpool; 1955 SCILLIN II, Fratelli Bianchi, Génova; 13/11/1959 entregue em Génova a sucateiros para demolição.
ENERGI – 72m/1.104tb/9nós; 05/1898 entregue pelo estaleiro Flensburger Schiffs. Ges., Flensburg, ao armador A/S H. V. Christensen Damp-og Seilskib Rederi, gestores Alfred Petersen, Marstal; 21/09/1950 ENERGI, afundado ao largo de Furusund, Sweden, fraude de seguro.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Plimsol Ship Data; Danish Maritime Museum, Eldinore; Photoship Co., UK.
(continua)
Rui Amaro