sexta-feira, 17 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 8


RECORDANDO O NAUFRÁGIO DO VAPOR «MOURÃO» NA RESTINGA DO CABEDELO


A 10/04/1928, pelas 13h00, encontravam-se fundeados ao largo da costa aguardando piloto, a fim de se fazerem à barra, logo que as condições de mar e água o permitissem, os vapores: ingleses LORD RHONDDA e REDSTART; alemães OLDENBURG e ERNST, norueguês SADO e ainda o português MOURÃO.Desses seis vapores, apenas foram pilotados o REDSTART, piloto José dos Santos Jeremias, que foi o primeiro a entrar a barra, seguindo-se-lhe o OLDENBURG, piloto José Manarte, que seguiram rio acima sem qualquer percalço. Cerca das 15h00, pelo enfiamento usual, fez-se à barra o MOURÃO, piloto Manuel Pinto da Costa, procedente de Cardiff com um carregamento de carvão e logo de seguida formou-se um enorme andaço de mar pela sua popa, que acabou por envolver o vapor de lés a lés, originando ter-se quebrado o gualdrope do leme.



O piloto vendo, que o vapor tinha perdido o governo, derivando para estibordo e a ser impelido pelo mar em fúria para cima do banco da barra, mandou largar o ferro de bombordo, no intuito de aproar ao mar e aguardar auxilio. De seguida içou o sinal de bandeiras indicativo de “embarcação sem governo” e com a sirene de bordo a silvar estridentemente, pedindo socorro imediato. O vapor fazendo-se ao ferro virou a proa pelo Noroeste e pouco depois desandou a proa pelo Sul, tendo a maresia tomado posse dele, fazendo-o descair, rapidamente pelo Sul das pedras denominadas de Fogamanadas, a Sul da restinga do Cabedelo, onde acabou por se deter encalhado, com os andaços de mar a cair em cheio sobre o vapor, fazendo perigar o pessoal a bordo.
Dado o alarme foi içado, no mastro da Estação de Socorros a Náufragos, o sinal indicativo de sinistro no mar, saindo imediatamente da Cantareira a lancha salva-vidas da Foz do Douro e várias embarcações dos pilotos da barra, a fim de organizarem o serviço de resgate da tripulação naufragada, já que do vapor e da sua carga não havia qualquer possibilidade.
Assumiu a direcção desses trabalhos, que foram executados com toda a prontidão, o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, experimentado nestas situações, muito especialmente no lançamento do foguetão, coadjuvado pelos seus subalternos, pilotos José Ribeiro, Francisco Piedade, Manuel Pinto dos Reis, Júlio Pinto de Carvalho, Elísio da Silva Pereira, Eurico Pereira Franco, Amaro António da Fonseca, José Fernandes Amaro Júnior, João António da Fonseca, António Gonçalves dos Reis, Afonso da Costa Pinto e Joaquim Matias Alves e um ou outro assalariado da Corporação de Pilotos.
Simultaneamente, foram chegando ao cais do Marégrafo as viaturas dos Bombeiros Municipais do Porto (Secção da Foz do Douro), Voluntários do Porto, Portuenses, Ermesinde, além das auto-macas da Cruz Vermelha e da Cruz de Malta.
Várias embarcações transportaram para o Cabedelo grupos de bombeiros, a fim de colaborarem nas várias acções de socorro aos náufragos, conforme as circunstâncias o permitissem, fazendo a travessia do rio sob fortes bátegas de chuva e bastante vento. No Cabedelo juntaram-se as lanchas salva-vidas da Foz e da Afurada e o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles tratou de lançar vários foguetões, a fim de estabelecer o cabo de vaivém, não dando porém, resultado as tentativas feitas nesse sentido, devido à impetuosidade do vento, que lhes mudava a directriz. Inteligentemente, de bordo do vapor sinistrado lançaram ao mar uma bóia de salvação amarrada a uma retenida. Essa bóia foi arrojada à praia, auxiliada pelos desmesurados vagalhões, a qual foi recolhida pelo pescador da Afurada, José Idaínha, que corajosamente se lançou à rebentação, correndo sério risco de se afogar.



Uma vez, estabelecido o cabo de vaivém, foram todos os tripulantes e o piloto da barra retirados de bordo, um a um pela bóia-calção e conduzidos pelas embarcações dos pilotos e lanchas salva-vidas para a Cantareira, seguindo dali, transportados em auto-macas, seis tripulantes para o Hospital da Misericórdia (Hospital Geral de Santo António), por se encontrarem feridos ou entorpecidos pelo frio. Todos eles estavam completamente encharcados, dando no entanto Graças a Deus por se lhes ter acudido a tempo, livrando-os do martírio de a bordo estarem a ser incessantemente fustigados pelos enormes vagalhões, que varriam o MOURÃO de borda a borda mas também de uma morte certa.
À sua chegada ao cais dos pilotos, deram-se algumas cenas comovedoras com efusões de simpatia, que lhes foram tributadas por familiares ou pessoas amigas. Alguns deles foram levados ao colo, desde o desembarque até várias residências locais, onde eram carinhosamente acolhidos e confortados. Um dos fogueiros, Salestiano Ferreira de Oliveira, foi recolhido na estação dos pilotos da barra, tendo-o piedosamente brindado com uma boa camisola de lã, a gentil senhora D. Maria da Conceição Valadas, da rua do Passeio Alegre.
Os cais próximos do naufrágio, como é normal em acontecimentos destes, encheram-se de populares curiosos, que acorreram ao local alarmados pelos silvos aflitivos do vapor acidentado, pedindo socorro urgente. Aqueles populares perscrutavam para os lados da restinga do Cabedelo, o desenrolar do emocionante drama, receando pela sorte dos tripulantes.
MOURÃO, 62m/832tb, 10 nós, 24/06/1918 entrega pelos estaleiros NV Werft Gusto, Schiedam, como ZEEHOND ao armador Willem van Dam, Roterdão; 1919 HOOGVLIET, Soetermeer Fekkes, Amesterdão; 1923 MOURÃO, Guilherme Machado & Cia., Lda., Porto, que o empregava no transporte de carvão do Pais de Gales para Portugal, particularmente para o porto do Porto, e no retorno carregava toros de pinho para escoramento das minas daquele país do sul das Ilhas Britânicas. Do mesmo armador fizeram parte o vapor de pesca de arrasto MACHADO e o pequeno rebocador fluvial MANOLITO.


Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Imprensa diária, Miramar Ship Index Groninger Kustvaart.
Imagens: Imprensa Diária e Groninger Kustvaart.
(Continua)
Rui Amaro

quinta-feira, 16 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 7

TRÊS VAPORES DEMANDAM A BARRA DO DOURO COM ÁGUAS DE CHEIA – DOIS CRUZAM-NA SEM PERCALÇOS, PORÉM UM TERCEIRO DETÉM-SE ENCALHADO NO BANCO DE AREIA DA BARRA

O piloto José Fernandes Amaro Júnior na ponte de comando do vapor DARINO

Narrativa textual do piloto José Fernandes Amaro Júnior, relativa ao seu serviço de condução de entrada do vapor inglês DARINO e do acidente com o vapor alemão KURT HARTWIG SIEMERS.
«A 28/12/1927, pelas 13h00, avistavam-se ao largo da costa 14 vapores aguardando entrada na barra do Douro. Às 14h00 a lancha P4 saiu a barra ao encontro de três daqueles vapores. Para o norueguês STROMBOLI saltou o piloto Eurico Pereira Franco e para o carvoeiro alemão KURT HARTWIG SIEMERS foi o piloto Afonso da Costa Pinto e eu subi a bordo do inglês DARINO. Os restantes vapores continuaram fundeados fora da barra na expectativa de melhores condições de água e maré para o dia seguinte.
Às 15h00, o piloto-mor José Pinto de Almeida (Pantaleão) mandou içar nos mastros do cais do Relógio e do castelo da Foz os grupos de bandeiras para 14 pés de água. O DARINO estava em 13 pés e como tal mandei seguir a toda força avante, tomando a dianteira, entrando a barra sob forte corrente de cheia e na popa veio o STROMBOLI. Ao passar no lugar do Ouro, olhando para a barra vi o KURT HARTWIG SIEMERS ir de guinada a estibordo para cima do banco da barra. O capitão observando de binóculos, diz-me o vapor alemão está encalhado e de facto ficara em situação critica.
As bóias de sinalização estavam afogadas ou tinham desaparecido devido à cheia, principalmente as da Cantareira/Arribadouros, se bem que para nós pilotos práticos a falta daqueles meios de referência não era motivo de preocupação, dado o nosso profundo conhecimento da navegabilidade e manhas da barra e do rio, jamais o movimento marítimo ficara paralisado por falta de bóias. No entanto, em caso de extrema necessidade, arranjavam-se alguns pedaços de cortiça sobrepostos, levando no meio uma vara de madeira ostentando no topo um pano vermelho e cordame suficiente amarrado a uma pesada poita, a qual era lançada à água no lugar da bóia submersa ou desaparecida e que durante a maré serviria de baliza ou então, a embarcação do piloto-mor ou da assistência ficava a sinalizar o local.
No lugar do Ouro fazia bastante corrente, pelo que o Doutor Raul Monteiro de bordo da baleeira da Sanidade Marítima fez-me sinal para não parar, que prosseguisse para cima e que quando viesse para a Cantareira, lhe fosse entregar a declaração de saúde preenchida e assinada pelo capitão e sendo assim, após ter pegado a catraia dos pilotos a reboque, continuei a toda força avante para o vapor não perder o governo e vencer a corrente, contudo o avanço pouco ou nada progredia. Chegado ao lugar do Quadro da Alfândega, com quase uma hora de navegação, dei fundo a dois ferros pela ré do vapor alemão VESTA, com reforço de cabos para terra e ancorote pela popa para sudoeste, e após certificar-me que as amarrações estavam em ordem regressei na catraia da amarração à Cantareira, não deixando de passar pela estação da Sanidade Marítima, ao Ouro, para entregar a declaração.
Junto à sede da corporação dos pilotos, na casa da Alfândega, constatei que os rebocadores LUSITÂNIA da praça do Porto e o AMÉRICA da de Lisboa estavam a puxar pelo KURT HARTWIG SIEMERS e após algum tempo conseguiram retirá-lo da situação melindrosa em que se encontrava, levando-o para fora da barra e conduzindo-o de seguida para a bacia do porto de Leixões. Felizmente, durante as manobras de resgate daquele vapor carvoeiro, a ondulação não era perigosa, pois se assim fosse poderíamos ter a acrescentar mais uma tragédia às muitas em que a barra do Douro tem sido fértil. No dia seguinte fez-se à barra do Douro auxiliado pelo LUSITÂNIA, sob a orientação do piloto Eurico Pereira Franco, tendo amarrado no lugar do cais do Cavaco, sem mais percalços».
KURT HARWIG SIEMERS, 75m/1.147tb, 8 nós; 16/02/1918 lançado à água pelo estaleiro NV Wilton´s Scheepswerf & Maschinefabriek, Roterdão, como EIGEN HULP III para NV Stoomvaart Mij. “Eigen Hulp III”, Roterdão; 1918 GRAAF LODEWIJK, NV Scheepvaart Mij. Oranje Nassau, Roterdão, Th. Van Slooten como gestores; 1921 GRAAF LODEWIJK, imobilizado em Roterdão; 1922 KURT HARTWIG SIEMERS, G.J.H. Siemers & Co., Hamburgo; 11/02/1943 em viagem de Nidingen, Suécia, para a Alemanha, transportando 1.000 toneladas de papel, perdeu-se por afundamento, após encalhe em Klockfotsrev, Suécia.


O DARINO enfrentando a forte corrente de cheia do rio Douro, entre as bóias dos Arribadouros/Cantareira, que se encontravam afogadas ou desaparecidas em 28/12/1927 / (c) foto de autor desconhecido /.

DARINO, 76m/1.351tb, 10 nós; 10/1917 entregue pelo estaleiro Ramage & Ferguson, Leith, à Ellerman Wilson Line, Ltd., Hull; 1921 transferido para a Ellerman & Papayanni Lines, Liverpool; 19/11/1939, no inicio da conflagração mundial, quando em rota do rio Douro para Liverpool transportando vinho do Porto, sardinha em conserva e minério, foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-41, Kapitanleutnant Gustav Adolph Mugler, ao largo do Cabo Ortegal, Corunha, tendo perdido a vida 16 dos seus tripulantes, entre os quais o seu comandante, Captain William James Ethelbert Colgan, sendo recolhidos pelo próprio submarino 11 sobreviventes, tendo recebido toda a assistência que usualmente é prestada a náufragos, e mais tarde, avistado um navio neutro, foram os ingleses transferidos para o vapor italiano CATERINA GEROLIMICH, 120m/5.430tb, que os fez desembarcar no porto de Dover.
O DARINO deixara a barra do Douro completamente camuflado de cinzento-escuro, e o signatário do blogue, apesar da sua tenra idade de então, pela mão de seu pai, ainda tem uma vaga memória da sua passagem diante do cais dos Pilotos, assim como a do ESTRELLANO.
Extracto da noticia do afundamento no jornal australiano “The Sydney Morning Herald” – 25/11/1939.
“Sobreviventes do vapor britânico DARINO, que foi afundado por um submarino germânico às 03h00 de Domingo, relataram que o submarino ao alvejar o DARINO, destrui-lhe as baleeiras salva-vidas e só depois é que o afundou com torpedos.
Dezasseis membros da tripulação foram atingidos pelas explosões tendo os mesmos desaparecido com o seu vapor. Os onze sobreviventes, que nadando ou agarrados aos destroços nas águas geladas cerca de meia hora, ouviram o comandante do submarino na torre dizer “all right, I’m coming”. Ele recolheu os sobreviventes a bordo, tendo sido agasalhados e acomodados em tarimbas, servido café, conhaque, vinho, pão escuro, manteiga e bifes.
Entretanto, foi avistado um barco de guerra britânico e então o submarino teve que submergir por 20 minutos e a pressão fez com os tímpanos dos ingleses “estourassem”. Ficaram a aguardar as cargas de profundidade, a qualquer momento, que não chegaram a ser lançadas. Algum tempo mais tarde, o submarino emergiu e rumou por algumas horas até se avistar um vapor mercante italiano para o qual foram transferidos os sobreviventes, que desembarcaram no porto de Dover”.
Os vapores CRESSADO, ESTRELLANO, PALMELLA, LISBON e OPORTO eram os principais parceiros do DARINO no referido tráfego, os quais também se perderam por acções de guerra e das suas equipagens também fizeram parte alguns tripulantes portugueses das zonas ribeirinhas do estuário do Douro.
Após o final do conflito e no período de 1947/48 foram construídos os navios-motor gémeos, CROSBIAN, LUCIAN, MERCIAN, PALMELIAN e DARINIAN para preenchimento da vaga deixada pelos seus antecessores e que passaram a ser apelidados em Portugal de “Brancos” e no Reino Unido de “Market Boats”, os quais resistiram até 1967/70, tendo sido vendidos a interesses gregos e cipriotas, excepto o PALMELIAN que acabou os seus dias desmantelado em sucata, no porto de Bilbao. Primitivamente eram pintados com as cores características do seu armador, que era o branco, cinzento e linha de água vermelha, logo após as primeiras viagens, essas cores foram alteradas para branco e linha de água vermelha, regressando à pintura original, aquando da sua disponibilidade. Eventualmente faziam viagens ao Mediterrâneo.

O PALMELIAN subindo o rio Douro diante de Massarelos na década de 50 / (c) F. Cabral /.

No final da carreira daqueles navios, entraram ao serviço os navios-motor gémeos MALATIAN, CATANIAN, 82m/1.407tb, construídos em 1958 por Henry Robb Ltd, Leith e o CORTIAN, 72m/537tb, construído em 1962 na Suécia, além de alguns navios fretados. Com o aparecimento do tráfego contentorizado em 1968, passaram a escalar o rio Douro, terminal de contentores do cais de Gaia, que foi o primeiro do país, primitivamente o porta-contentores ESTREMADURIAN, 82m/1.921tb, e algum tempo depois os então recém-construídos MINHO, TAMEGA, TAGUS, MONDEGO, TORMES, TRONTO, TIBER e TUA, 85m/1,578tb, os quais deixaram de o fazer devido ao encalhe do TAMEGA, ocorrido a 12/01/1972 no banco da barra, localizado a cerca de 400 metros para oeste do farolim de Felgueiras, motivado pelo seu grande assoreamento, passando aqueles navios a utilizar o porto de Leixões. O TAMEGA safou-se pelos próprios meios passados cerca de 45 minutos, acabando por atracar ao cais de Gaia. Apesar da vinda de Leixões do rebocador MONTE XISTO, que não chegou a actuar.

O TAMEGA entrando a barra do Douro, após se ter libertado do banco de areia em 22/01/1972 (c) Rui Amaro /.

O DARINIAN, 83m/1.533tb, foi construído em 1947 pelo estaleiro Henry Robb, Ltd para Ellerman & Papayanni Lines, Ltd., Liverpool e eventualmente servia a partir de Londres o armador associado Ellerman Wilson Line, Leith, 1970 KOSTANDIS FOTINOS panamiano, 1971 TANIA MARIA libanês; 1973 NEKTARIOS cipriota. A 16.04.1978 naufragou em Perim Island, perto de Aden, tendo sido abandonado pela sua tripulação de cerca de 12 elementos, que foram resgatados pelo navio-motor indiano JAG DEESH, matriculado em Bombaim. Aqueles navios eram agenciados na praça do Porto durante os seus tempos pelas firmas consignatárias Charles Coverley & Co., Wall & Westray & Co. e por fim pela Wall & Co.
Fontes: Comunicação Social, The Ships List, Miramar Ship Index, Plimsoll Ship data/LR, Time Line, UBoat.Net
(Continua)
Rui Amaro

domingo, 12 de julho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇAO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 6


MUDANÇA DE VAPORES DO LUGAR DA RIBEIRA PARA OS LUGARES DO MONCHIQUE E STO. ANTÓNIO DO VALE DA PIEDADE EM SITUAÇÃO DE CHEIA NO RIO


O DAGBJORG, mais tarde denominado VANG, no rio Douro, lugar dos Vanzelleres, margem de Gaia /(c) postal ilustrado da cidade - colecção F. Cabral/.

Relato do piloto José Fernandes Amaro Júnior, respeitante ao seu serviço de mudança de ancoradouro do vapor Norueguês VANG.
«A 23/11/1927, o capitão do porto do Douro mandou chamar os pilotos da barra para tratarem de mudar ou reforçar as amarras de alguns navios surtos no porto comercial do Douro, devido à ameaça de uma grande cheia, que aliás já levava corrente de água impetuosa e a chuva continuava sem parar. Então, os pilotos Afonso da Costa Pinto, Júlio Pinto de Carvalho, Eurico Pereira Franco, José Pinto Ribeiro, Manuel Pinto dos Reis, Amaro António da Fonseca, Joaquim Matias Alves e eu, equipados com capa de oleado, capuz ou sueste e botas altas de borracha seguimos para cima no carro eléctrico, uma vez que o pessoal assalariado ou eventual das nossas embarcações das amarrações se recusara a embarcar.
Chegados ao lugar da Ribeira, o capitão do porto acompanhado pelo patrão-mor indagou sobre a não presença das catraias, ao que nós o informamos, que a quase totalidade das companhas se recusaram a embarcar porque entendiam, que ganhavam muito pouco quando chamados a trabalhar em águas perigosas de cheia, devido ao enorme risco que corriam. Então, o capitão do porto ordenou para tratarmos de contactar as agências consignatárias dos vapores para arranjarem pessoal e barcos, além de nos apressarmos porque a noite estava a aproximar-se, e esperava-se mais água de cima. O piloto mais antigo, que era o Afonso da Costa Pinto, ficou encarregado de organizar o serviço, que ficou assim distribuído: Lugre português PORTO D’AVE, piloto Manuel Pinto da Costa; vapor norueguês HANSI, piloto Joaquim Matias Alves e o vapor norueguês VANG, ficou sob a minha responsabilidade, cabendo aos restantes pilotos orientar os trabalhos de reforço de amarras de mais navios fundeados no rio Douro. Sendo assim, dirigi-me ao escritório do agente do meu vapor, a firma A. F. Reis & Ca., Lda., da rua dos Ingleses e disse ao empregado, que precisava de seis homens e um barco para prestar assistência às manobras de desamarrar e amarrar o VANG, que iria ter de mudar para fundeadouro mais seguro, visto os remadores dos pilotos terem-se recusado a fazer o serviço. O empregado disse-me que podia ir para bordo, que ele iria dar andamento ao meu pedido e, também avisar o mestre do rebocador BURNAY 2º. Fui para bordo, juntamente com um empregado da agência, que pagou 5$00 ao “boatman”.
Chegado a bordo, comuniquei ao capitão para preparar a máquina, tendo-me dito, que estava tudo em ordem para iniciar a manobra. Virou-se o ancorote dos pilotos à popa, o qual com a quantidade de gravalha e a forte corrente, rapidamente veio ao lume de água e logo a seguir mandei largar o cabo do peoriz do noroeste e fui para o castelo da proa para orientar melhor a manobra, tendo constatado que os ferros estavam com duas manilhas na água, pelo que decidi mandar soltar os cabos do peoriz à proa, que estavam mordidos, os quais tiveram de se virar com auxilio do guincho para ficarem safos. Resolvido o problema, fui, novamente para cima da ponte do comando e suspendeu-se os ferros. Entretanto, dado que o rebocador ainda estava ocupado noutras tarefas fluviais, prescindi do mesmo. Foi-se arriando o vapor de popa com a máquina devagar à ré ou avante conforme as necessidades. Pouco tempo depois, apareceu o barco com os seis homens para as fainas de amarração. Disse-lhes para esperarem à proa do vapor português IBO, pois iria amarrar o VANG pela sua popa, no lugar do cais do Monchique.
Quando, ao sabor da corrente mas de marcha à ré e em certos locais de marcha avante, a fim de passar safo da penedia das Lobeiras de Gaia e do banco de areia da Porta Nova, que ladeiam um restrito e dificil canal de navegabilidade, alcancei o IBO, e após passar safo dos seus ferros, mandei largar os dois ferros de uma só vez e o barco com seis homens foi largar o ancorote dos pilotos, pelo sudoeste ao lançante e passar cabos reforçados para os peoriz em terra.
Finda a manobra de amarração, o barco com os seis homens, que me prestaram uma valiosa colaboração nas manobras, levaram-me de seguida para bordo do HANSI, a fim de eu ir auxiliar o meu colega Joaquim Matias Alves na manobra de amarração daquele vapor em Santo António do Vale da Piedade. Terminado o serviço viemos numa catraia dos pilotos para o Ouro e depois a pé, juntamente com a companha da catraia para a Cantareira, onde chegamos cerca das 22h00.
Note-se, como se deve ter entendido, que não realizei qualquer manobra de rotação, visto o VANG não ir de saida, e mesmo neste caso, com ou sem assistência de rebocador, só o faria diante dos lugares da Ribeira ou em Massarelos, onde havia mais espaçamento para manobrar com um minimo de segurança, dado que o rio Douro é bastante estreito. Os mestres dos rebocadores em ocasiões de cheia no rio, por vezes recusavam-se a pegar nos navios, receosos de perigar as suas embarcações e as respectivas equipagens».
VANG, 60m/678tb, 9 nós, entregue em 06/1901 pelo estaleiro Akers Mekaniska Vaerts, Christiania (Oslo), como DAGBJORG para a A/S Dagbjorg (J.P.Pedersen mgrs), Christiania; 1914 BENEDICTE, A.Andersen, Christiania; 1927 VANG, Vangs Rederi A/S (Severin Lyngholm mgrs), Haugesund; 11/09/1944, quando em viagem de Drammen para Trondheim, foi torpedeado e afundado pelo submarino britânico HMS VENTURER ao largo de Lista, Noruega, 58.03N/06.34E, tripulação salva.
HANSI, 72m/1.028tb, 9,5nós, entregue em 02/1922 pelo estaleiro Verein. Elbe Norderwerft A/G, Boizenburg, como OTRANTO para Hamburg Amerika Linie, Hamburgo; 1923 OTRANTO, Deutsche Levante Linie, Hanburgo; 1924 HANSI, D/S A/S Forto (Leif Erichsen Rederi, mgrs), Bergen; 06/11/1939 Perdeu-se por encalhe devido a falha de máquina, quando em rota de Hommelvik para Ellesmere Port com carregamento completo de pasta de papel encalhou em Reefdyke, Orcadas. Posto a flutuar no pico da maré-alta, devido a entrada de água, acabou por encalhar e mais tarde submergir em Linklet Bay, N. Ronaldsway, tendo a tripulação abandonado o vapor nos botes de bordo, a qual foi acolhida por habitantes locais.
Fontes: Miramar Ship Index. Plimsoll LR, Norwegian Merchant Fleet 1939/45.
(continua)
Rui Amaro