quarta-feira, 28 de setembro de 2011

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 197

DESCOMUNAL CICLONE FUSTIGA O PORTO DE LEIXÕES CAUSANDO ACIDENTES MARÍTIMOS DE PREJUÍZOS DE DEZENAS DE MILHAR DE CONTOS


 
A Bacia do porto de Leixões no auge do ciclone, vendo-se à direita o INGRIA em dificuldades junto ao cais Oeste do porto de Serviço  / jornal O Comércio do Porto /. 


 O INGRIA já encalhado / jornal O Comércio do Porto /

 O ASHANTI já encalhado / Colecção H. Ventura, Matosinhos /.


Quatro imagens dos efeitos do violento ciclone / jornal O Comércio do Porto /. 
 
O INGRIA encalhado junto à rampa do Pescado, Matosinhos, onde se encontra uma traineira que parta ali foi arremessada pelo maresia em fúria / jornal O Comércio do Porto /.

Leixões, 27 / 01 / 1937
O descomunal ciclone de ontem deixou por todo o país um rastro impressionante de catástrofes.
No porto de Leixões, o vento e o mar enfurecidos destruíram embarcações, danificaram molhes e puseram em perigo centenas de vidas. Os sinais do tufão e das bátegas de chuva ficaram patentes por toda a região Norte. Na província as inundações assumiram proporções invulgares. No estrangeiro, o dia passado foi também excepcionalmente sinistro.
Em consequência do violento ciclone que passou sobre Leixões, na manhã de ontem, afundaram-se dentro do porto de abrigo, dois iates, um lugre, quatro fragatas, dois vapores de pesca, dez traineiras e numerosas barcaças, além de pequenas embarcações. Um navio de carga de grande porte encalhado e quatro vapores em perigo iminente de soçobrarem – momentos de angústia – prejuízos de dezenas de milhar de contos.

O dia de ontem foi verdadeiramente trágico para o porto de abrigo de Leixões. Até ás 19h30, o balanço da tragédia acusava nada mais nada menos do que dois iates, um lugre, quatro fragatas, um vapor de pesca Belga e três traineiras afundadas, um navio de carga encalhado, e talvez irremediavelmente perdido, quatro vapores, um Inglês e três Portugueses em eminente perigo de soçobrarem.
Não há memória dizem os mais velhos lobos-do-mar que assistiram ao desastre de uma autentica catástrofe de tão vasta importância. O laborioso povo de Matosinhos e Leça da Palmeira viveu, pois horas de grande aflição assistindo à luta desesperada dos homens contra a fúria dos elementos e às vagas alterosas do mar dentro da bacia portuária, dominando profundamente pela emoção, vendo-se impotente para socorrer tantos dos seus filhos a braços com a morte.
O temeroso ciclone que passou sobre Leixões às primeiras horas da manhã, devastou na sua passagem, árvores, chaminés, beirais, etc. Mas nada disto podia prender a atenção da população mais do que as noticias alarmantes logo postas em circulação sobre os acontecimentos no porto de Leixões, onde alguns navios e vapores se perderam, estando em perigo muitas vidas.
A romaria para Leixões começou muito cedo, pois não obstante a tempestade que continuava impetuosa e ameaçadora. Da cidade do Porto, que também sofreu os efeitos da inclemência, seguiram para lá numerosos curiosos em automóveis, circulando os carros eléctricos completos.

Em razão do mau tempo que desde há dias está assolando o litoral, a capitania do porto de Leixões tomou as determinações usuais estando içado o sinal de prevenção. As amarras de todas as embarcações fundeadas na Bacia foram reforçadas, mantendo-se ali pronto a acudir a qualquer emergência dia e noite o salva-vidas CARVALHO ARAÚJO e os pilotos da barra encontravam-se a bordo dos navios para qualquer eventualidade.
O mar embora agitado não fazia antever perigo iminente para as embarcações ali surtas. Na madrugada de ontem, porém cerca das 03h30 começou a soprar forte ventania de sudoeste, prenúncio certo de tempestade, pelo que se redobraram as precauções desenhando-se imediatamente grande azáfama entre os pilotos da barra e pessoal da capitania que se multiplicavam com a maior solicitude para acorrer a todos os pontos de onde os reclamavam. Ao mesmo tempo ouviam-se os primeiros silvos das sirenes de bordo em aflitivos pedidos de socorro. Era o navio-motor Norueguês INGRIA, que ia de garra, descaindo perigosamente sobre embarcações próximas. O salva-vidas CARVALHO ARAÚJO e as lanchas de pilotos foram em seu socorro, auxiliando a sua tripulação a reforçar as amarras, conseguindo-se por essa vez evitar o perigo.
Não havia decorrido nem se quer uma hora, e de novo os alarmantes pedidos de socorro, silvos estridentes repetidos, anunciavam que outros perigos ameaçavam as embarcações fundeadas na Bacia. Desta vez eram o navio-motor ASHANTI, Inglês, vapores SILVA GOUVEIA, ALFERRAREDE e o petroleiro PENTEOLA, todos os três Portugueses, que impelidos pelo vento e pelas voltas de mar que entravam pelo porto dentro, começavam a ir de garra sujeitos a encalhar ou colidir com outras embarcações, por mais que os experimentados pilotos embarcados tentassem as manobras mais inverosímeis para o evitar.
O navio-motor Norueguês INGRIA, apesar de lhe terem reforçado as amarras também não conseguia aguentar-se. Em socorro dos navios em perigo foram então o salva-vidas CARVALHO ARAUJO e o rebocador MARS 2º, o único que por sorte se encontrava surto no porto de Leixões.
O navio-motor ASHANTI, já com uma importante avaria na máquina, foi impelido na direcção do molhe Norte onde esteve prestes a naufragar. Valeu-lhe o rebocador MARS 2º, estabelecendo um forte cabo de reboque retirando-o "in extremis" da zona rochosa. O vapor SILVA GOUVEIA que chegou a sofrer um acentuado desvio para fora do seu ancoradouro, esteve ameaçado de ir sobre o molhe Norte, mas lá conseguiu aguentar-se.

Enquanto na Bacia as embarcações de socorro, rebocador MARS 2º, salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, lanchas de pilotos P1 e P3, acudiam às emergências mais aflitivas dos barcos ali fundeados, desencadeava-se nova e medonha tempestade, que às primeiras horas da manhã deveria atingir o auge sob a forma de um violento furacão e todo o seu cortejo de desastres. A ventania cada vez mais forte tornava as vagas por vezes alterosas que desabavam com horrível fragor sobre os molhes e cais e entravam pela Bacia dentro, inundando por completo as imediações do cais do Marégrafo e do porto de serviço, pelo que não havia qualquer ancoradouro seguro, e tudo isto passava-se dentro do porto, a que qualificavam de "porto de abrigo". A ter direito a essa denominação faltava-lhe a extensão em quebra-mar elevado, ai para cerca de oitocentos metros para sudoeste do molhe Norte, o que sossegaria as águas na Bacia.
Note-se que naquela época ainda não existia qualquer doca, iniciava-se a construção da doca nº 1, ali na foz do rio Leça, mas também pouco valeria, porque as amarrações estabelecidas para os cais rebentariam devido à forte ressaca.
A chuva fustigada pelo vento desaparecia por momentos para dar lugar a violentas saraivadas. E para que o quadro fosse completo, os raios riscavam os céus amiúde, e os espaçados trovões ribombavam fragorosamente abalando a terra e os espíritos mais resolutos.
As famílias dos pobres tripulantes das traineiras temendo pela sorte dos seus, corriam em alta gritaria soltando exclamações de dor como se assistissem aos últimos momentos daqueles que sobre as águas lutavam ainda embora muitos deles sem esperança de salvação.
Pelas 06h00, quando o temporal se fazia sentir com extrema violência, o INGRIA garrou novamente, ficando a vogar sobre as águas livremente, e inteiramente ao sabor do movimento da ondulação e da ressaca. Ouviram-se então apitos reclamando imediato socorro, e tanto o MARS 2º como o CARVALHO ARAUJO aproximaram-se o mais possível num esforço supremo para evitarem o que então já era inevitável. Devido à brusca derivação do INGRIA, afundaram-se dentro de poucos minutos quatro fragatas, a MONDEGO, de ferro, pertencente à Empresa de Transportes Fluviais, Lda, (Garland, Laidley & Co. Ltd.), da praça do Porto, com carregamento de toros de madeira do Amazonas e farinha de mandioca ensacada, baldeada de um vapor da Booth Line, mercadoria essa consignada à firma Marques Pinto, Lda., do Porto, foi a primeira a soçobrar. A bordo encontravam-se o seu arrais, António Dias Moreira, e os tripulantes Deolindo Pinto Ferreira e Manuel Alves Paulo Barqueiro. Os dois primeiros conseguiram salvar-se a nado, tendo o último desaparecido. Era casado e residia na Rua dos Pelames, 18, da cidade do Porto. A fragata MONDEGO era uma das fragatas de maior porte com as suas 350 tb. Crê-se que foi a popa do INGRIA que provocou o afundamento. A seguir soçobrou a fragata VENUS, pertencente à firma Portuense A. J. Gonçalves de Moraes, Lda, e com ela se perdeu um carregamento de ferro recebido de bordo do vapor SILVA GOUVEIA. A fragata foi cortada a meio, sendo engolida pelas águas em fúria em poucos segundos, logo a seguir afundava-se a fragata SENHORA DO PILAR propriedade da firma José Joaquim Gouveia, do Porto, estava carregada, também com ferro vindo pelo SILVA GOUVEIA, e quase ao mesmo tempo afundava-se a fragata MINA pertencente a Companhia de Navegação Costeira, da praça de Lisboa, com um carregamento de arroz proveniente de Setúbal, que também fora abalroada pelo INGRIA. Todas estas fragatas estavam fundeadas junto do lugre-motor HORISONTE, que mais tarde também acabara por se afundar no enrocamento a leste da pedra do Salgueiros, junto do cais Oeste do porto de Serviço.

Pelas 07h00 registava-se o afundamento do lugre-motor HORISONTE, da praça de Lisboa e do iate CISNE, da praça da Figueira da Foz, carregado de bidões de carbonilo que deveria seguir para a Figueira da Foz, e do iate-motor HARMONIA LIGEIRO também da mesma praça. As tripulações destes navios foram salvas pela lancha salva-vidas CARVALHO ARAUJO, que a muito custo, devido à forte ressaca, pode traze-las para terra. Os Bombeiros Voluntários de Matosinhos e Leça chegaram a ter pronto um foguetão para estabelecer um cabo de vaivém entre o iate CISNE e terra por se achar em perigo iminente a sua tripulação que acendera fogachos a bordo, indicando deste modo a sua critica situação. Nas proximidades do INGRIA encontravam-se diversas traineiras com as suas tripulações de quarto a bordo. Logo que foi notado o perigo, estas aproveitando a circunstância de terem as caldeiras acesas puseram-se à distância, indo algumas delas procurar abrigo mais seguro à rebessa do molhe Sul, local onde o vento de sudoeste não se fazia sentir tão violentamente.

O temporal sempre violento e medonho continuava ás primeiras horas da manhã, a fazer sentir os seus efeitos. O INGRIA, à mercê das ondas e do vendaval, com os dois hélices bloqueados, foi após a primeira série de desastres embater violentamente com a proa no cais Oeste do porto de Serviço, ficando bastante amolgada, a norte da Bacia onde o mar continuava a açoitar com enorme braveza, desfazendo-se contra o seu costado, em altas voltas de mar que por vezes subiam até grande altura, mesmo ao convés.
Eram 08h00, e em face de novo perigo, mais uma vez as sirenes de bordo soltaram os seus gemidos de angústia, implorando imediato socorro. Aquele enorme navio com água a inundar-lhe os porões, desgovernado estava em risco iminente de naufragar. A bordo os tripulantes em número de 28 e o piloto da barra, andavam em grande azáfama procurando ainda conseguir fazer alguma coisa na tentativa vã de evitar o desastre. Como a vida daqueles homens corria perigo foi ordenada a retirada de bordo de todo o pessoal, o que se verificou cerca das 16h00 com o auxilio dos prestabilíssimos Bombeiros Voluntários de Matosinhos - Leça e também os Voluntários de Leixões, contudo antes dos tripulantes abandonaram o seu navio inundaram por ordem superior os cinco porões, a fim de obterem a estabilização do navio, obrigando-o a pousar no fundo e evitando assim que o casco se pudesse deslocar á deriva e viesse a causar mais desastres.
O INGRIA era um navio moderno, dos melhores da frota mercante Norueguesa. Deslocava 4.366tb, 120m de comprimento fora a fora, e foi construído pelos famosos estaleiros Burmester & Wain, de Copenhaga, em 1931 para o armador Norueguês Jacob Kjod. Tinha estivada nos seus cinco porões 2.608 tons de carga geral, da qual faziam parte uma partida de automóveis destinados a importadores da cidade do Porto, e ainda um grande número de aparelhos receptores de rádio importados directamente dos EUA pela Emissora Nacional.
O capitão Frederik Ditlefsen, o seu imediato, o 2º piloto, e o prático Alfredo Pereira Franco, permaneceram a bordo até mais tarde, tendo abandonado o navio ao princípio da noite. O INGRIA que sofreu enormes avarias, foi espiado á noite com cabos de arame e viradores de 18 polegadas, um dos quais apenas tinha resistido, quando antes da meia-noite foram revistas as amarrações, e mesmo assim, não obstante ter os seus porões inundados, e o mar já não estar tão encapelado, o INGRIA cerca da meia-noite deslocando-se ao sabor das ondas, afastou-se mais de 30 metros do cais.

Durante o vendaval da manhã afundaram-se ou encalharam as traineiras SÃO JORGE, SÃO PEDRO e ALENTEJANO, assim como arrastão Belga INDEPENDENCE, da praça de Ostende, que devido ao mau tempo procurara abrigo no porto de Leixões, encalhara junto da praia do Pescado, sendo as respectivas tripulações salvas pelo salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, embarcação esta que prestou os mais relevantes serviços num trabalho incessante desde as primeiras horas da madrugada até ao inicio da noite de ontem, se bem que cerca das 18h00 sofrera uma importante avaria, ficando impossibilitado de prestar mais socorros enquanto a mesma não fosse reparada, e como se trata de enrodilhamento de cabos na hélice, terá de ser executada com o auxilio de um mergulhador, que não será possível levar a cabo enquanto o mau tempo prevalecer. A sua tripulação era composta pelo patrão António Crista e o motorista Aristides Muleta da Silva, que evidenciaram grande sangue-frio nos salvamentos heroicamente realizados.
Ao principio da noite naufragaram mais embarcações, junto do molhe Sul, que foram as traineiras ALIANÇA, SANTA CRUZ, NUN' ALVARES PEREIRA, SANTO ANTONIO DO MONTE, RIO DOURO e MERI, e ainda o vapor de pesca do Cabo Branco ALTAIR, este da praça de Lisboa.

Devido ainda à forte agitação das águas dentro do porto e ao vento violentíssimo perderam as amarras o navio-motor Inglês ASHANTI, que transportava carvão, e os vapores Portugueses SILVA GOUVEIA e ALFERRAREDE, da Sociedade Geral, de Lisboa, e ainda o petroleiro PENTEOLA, propriedade da Companhia Shell, de Lisboa.
O ASHANTI que conservava a tripulação a bordo até á tarde, oferecia por vezes grave risco para a segurança dos outros navios por ir de garra por diversas vezes, sendo-lhe prestado auxilio pelo rebocador MARS 2º, contudo ao escurecer rebentaram-se-lhe as amarras e foi ao sabor das ondas, acabando por encalhar.
Ao princípio da noite um pedido SOS de bordo de um vapor de nacionalidade Holandesa, que deu os sinais de código P.F.E.N., e informava encontrar-se próximo das Berlengas em critica situação. Pouco tempo depois deixava de emitir os pedidos de socorro, o que pode fazer supor que naufragara, consoante a opinião dos homens do mar, dos mais calejados.
Devido ao violento embate do INGRIA contra o cais Oeste do porto de Serviço, este fendeu na extensão de 80 metros, ameaçando ruir. Aquele navio que ficou com roda de proa torcida, sofreu ainda um rombo de mais de 3 metros.
E o mau tempo continuava. Cerca das 13h00 passou ao largo de Leixões um novo furacão, que ainda se fez sentir com certa violência. Nessa ocasião desabou uma fortíssima saraivada, caindo pedras de grande tamanho, que originaram uma enorme quantidade de vidros partidos.
Durante a noite as traineiras, que ainda tinham tripulações a bordo, pediam insistentemente socorro acendendo fogachos no convés e fazendo ouvir as suas sirenes.
O vapor SILVA GOUVEIA cerca das 17h00 informava para terra, possuir apenas carvão bastante para manter as caldeiras acesas até às 18h00, acabando por ser abastecido com 3 toneladas pelo salva-vidas CARVALHO ARAUJO.

No torreão do castelo de Leça, torre de vigia Corporação de Pilotos, o sota-piloto-mor e os seus subalternos estavam atentos à situação, e na capitania, o Comandante Rodrigues Coelho deu logo todas as ordens prioritárias e o Senhor Conde de Vilas Boas, Comandante Adjunto, deixou imediatamente a sua residência na Avenida da Boavista, a fim de se inteirar da situação. Não faltava o mais modesto funcionário, pois o momento era de sério perigo. Encapelara-se o mar. A gerbes pirotécnicas em branco cegavam, confundiam-se com o céu.
A tragédia começou logo à 07h45, dia enublado e ameaçador de borrasca, com o iate CISNE, carregado de sal. A água sorveu-o num volver de olhos. Centenas de contos perdidos em poucos segundos. A seguir foi o iate HARMONIA LIGEIRO, com carga completa de cimento ensacado. Já em Leixões a população clamava por socorro para os náufragos, e os Bombeiros Voluntários de Matosinhos – Leça e os Voluntários de Leixões, foram dos primeiros a comparecer na sua força máxima.
Meia hora mais tarde o INGRIA, sob a orientação do piloto Alfredo Pereira Franco, um experimentado prático nato, embarcado desde véspera, cumprindo ordens de terra, e olhando ao porte do seu navio, assistido pelo rebocador MARS 2º manobrava para abandonar o porto, e fazer-se ao largo, como em tantas outras ocasiões de borrasca, com outros navios, assim procedera, só que por infelicidade as amarras do lugre HORISONTE pegaram-se nos hélices, ficando o INGRIA sem se poder movimentar pelos seus próprios meios, pelo que foi de garra, indo embater com a fragata MINA, que de imediato submergiu. O INGRIA seguindo o seu triste calvário acabou por ir embater com o cais Oeste do porto de serviço, derrubando-o e sofrendo graves avarias à proa e à popa.
A manhã começara com o INGRIA, e quase simultaneamente desaparece o lugre HORISONTE. A carga de cimento, não se sabe se por efeito de explosão da máquina ou por qualquer combustão incendiou-se, desconhecendo o perigo, o pessoal deixou-se ficar por perto. Muitos olhos ficaram inflamados pelo que muitos dos atingidos deslocaram ao Hospital de Matosinhos. O conhecido jornalista Daniel Felgueiras também foi vitima dos rolos negros do querosene. Os Voluntários de Matosinhos – Leça, duma dedicação que não é demais exaltar, cuidaram dele e de muitos outros atingidos desveladamente.

Na refrega, também garrara e acabara por encalhar junto à foz do rio Leça, a fragata TÂMEGA, gémea da MONDEGO e pertença do mesmo armador.

O pescador ALTAIR, pelas 18h00, estando a debater-se com a borrasca e mar, hélice avariada, amarras rebentadas, acaba por ir sem governo, encalhando, ao sul, na praia do Senhor do Padrão, sendo toda a tripulação e o piloto António Duarte resgatados pelo salva-vidas CARVALHO ARAÚJO.

Durante toda tragédia encontravam-se no porto de Leixões os seguintes navios, uns para operações comerciais, outros arribados do mau tempo:
Portugueses – vapor ALFERRAREDE, piloto Júlio Pinto de Carvalho; vapor SILVA GOUVEIA, Joaquim Alves Matias; petroleiro PENTEOLA, João Pinto de Carvalho; vapor de pesca MACHADO, Aristides Pereira Ramalheira; vapor de pesca ALTAIR, António Duarte; n/m NEREIDA, Francisco Campos Evangelista; lugre motor HORISONTE, sem piloto; lugre HARMONIA LIGEIRO, sem piloto; iate CISNE, sem piloto; fragatas TAMEGA, MONDEGO, MINA, VENUS e SENHORA DO PILAR, sem piloto; quebra-rocha Francês SYKORNE, sem piloto; n/m Alemão OLBERS, ?? ; Ingleses – n/m LOANDA, José Fernandes Tato; n/m ASHANTI, ?? ; vapor Finlandês EVA, Mário Francisco da Madalena; Noruegueses – GRANA, Bento da Costa; INGRIA, Alfredo Pereira Franco.
A maior parte das embarcações naufragadas foram postas a flutuar tempos depois.

O temporal fez grandes estragos por toda a costa, e o rio Douro levava uma grande cheia. A escala da Régua marcava 14 metros acima do nível das águas.
No porto comercial do Douro, os pilotos e seu pessoal andavam em grande azáfama, reforçando as amarras dos navios ali surtos, que eram os seguintes:
Vapores Portugueses SECIL e OUREM, vapores de pesca FAFE e ESTRELA DO MAR, canhoneira NRP ZAIRE; vapores Alemães SIRIUS e AQUILES e o Checoslovaco PETER, e ainda alguns lugres bacalhoeiros.
Sob as ordens do piloto Manuel de Oliveira Alegre, que fazia as vezes de cabo-piloto, os seus colegas Eurico Pereira Franco, José Jeremias dos Santos, José Fernandes Amaro Júnior, Francisco Piedade, Aires Pereira Franco, Francisco Soares de Melo, Joel da Cunha Monteiro e o praticante António Natalino Cordeiro.
O piloto Joel da Cunha Monteiro foi para bordo da canhoneira NRP ZAIRE amarrada no Quadro do Navios de Guerra, em Massarelos, onde permaneceu três dias.

INGRIA-120m/ 4.366tb/ 11,5 nós, construído pelo estaleiro Burmeister & Wain's Maskin – og Skibsbyggeri A/S, Copenhaga, para o armador A/S Inger, gestor Jacob Kjode A/S, Bergen, tendo sido entregue em 08/1931. Navio-motor de linhas bastante avançadas para a sua época, gémeo do CYPRIA, que resistiu à guerra.
Em plena guerra, 24/02/1943, o INGRIA, inserido num comboio naval ON-166, efectuava a viagem do porto de Loch Ewe, Hull, para Nova Iorque em lastro, quando pelas 05h15 foi torpedeado pelo submarino Alemão U600, entre o porão nº 4 e a casa da máquina, a estibordo. De imediato, toda a tripulação abandonou o navio nas lanchas salva-vidas, fazendo-se ao largo e logo a seguir foi o INGRIA, que teimosamente não submergia, atingido por novo torpedo, desta vez lançado pelo submarino U628, tendo acabado por se afundar nas coordenadas 45.12N-39.17W, mais tarde, todos os 37 sobreviventes, incluindo o cozinheiro e o despenseiro, ambos de nacionalidade Portuguesa, foram recolhidos pela corveta canadiana HMCS ROSTHERN (K169) e levados para o porto de S. João da Terra Nova. Daquele comboio foram afundados mais sete navios.
O CYPRIA, do armador A/S D/S Hassel, gestores A/S Rederiet Odfjell, Bergen, gémeo do INGRIA, também usual visitante do porto de Leixões resistiu ao conflito mundial, navegando por todo o mundo e apesar de atacado e atingido por submarinos inimigos, sempre lhes conseguiu escapar. Terminada a guerra retomou o serviço Marselha/Nova Iorque da Fabre Line, Marselha, com escala pelos portos de Lisboa e Leixões, juntamente com o navio-motor Norueguês ESTRELLA, também este resistente ao ataque dos submarinos Germânicos. Todos aqueles três navios Noruegueses estavam fretados sob contrato "Long Time Charter" ao armador Cyprien Fabre (Fabre Line), Marselha.


Fotos dos efeitos funestos do ciclone / jornal O Comércio do Porto /.


 
Em cima: A fragata TÂMEGA encalhada junto à foz do rio Leça, onde se vislumbra já a construção da futura doca nº 1. Em baixo: uma traineira compltamete destruida. / jornal O Comercio do Porto /. 
 
O arrastão Belga INDÉPENDENCE encalhado junto da rampa do pescado, Matosimhos / jornal O Comércio do Porto /.
 
 O INGRIA entre o cais oeste do porto de Serviço e o molhe Norte / jornal O Comércio do Porto /.


Uma traineira afundada junto às escadaria do cais do Marégrafo / jornal O Comércio do Porto /.


 
 
Duas imagens do ASHANTI já encalhado / imagem de cima - colecção H. Ventura, Matosinhos; imagem debaixo - jornal O Comércio do Porto /.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior, Jornal "O Comercio do Porto", Lloyd´s Register of Shipping, UBoat-Net, Norwegian Merchant Fleet 1939 – 1945.
(continua)
Rui Amaro

ATENÇÃO: Se houver alguém que se ache com direitos sobre as imagens postadas neste blogue, deve-o comunicar de imediato. a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena, contudo rogo a sua compreensão e autorização para a continuação da(s) mesma(s)neste Blogue, o que muito se agradece.
ATTENTION. If there is anyone who thinks they have “copyrights” of any images/photos posted on this blog, should contact me immediately, in order I remove them, but will be sadness. However I appeal for your comprehension and authorizing the continuation of the same on this Blog, which will be very much appreciated.