quarta-feira, 28 de julho de 2010

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 85


OS PAQUETES ALEMÃES “BAYERN” E “BADEN”

EM DIFICULDADES Á ENTRADA DE LEIXÓES E UM PILOTO DA BARRA EM APUROS



BAYERN / postal da HAPAG - colecção de Rui Amaro /.



A 03/03/1932, pelas 00h30, noite de vento forte de Oés-sudoeste, aguaceiros e vaga um pouco alterosa, a lancha P1 foi pilotar o vapor Norueguês SPES, de 1917/ 73m/ 1.124tb, procedente de Newport com carvão, que entrou e foi fundear na covada do molhe Sul. Quando a lancha depois de recolher o piloto José Fernandes Amaro Júnior, que conduzira aquele carvoeiro, se dirigia para terra e após um prolongado aguaceiro, que limitava a visibilidade, avistou-se um vapor de grande porte, já muito próximo dos molhes, pedindo piloto através da sua sirene. O cabo-piloto Paulino Pereira da Silva Soares conduziu a lancha para o porto de serviço, a fim de desembarcar o piloto do vapor SPES e embarcar o piloto Manuel Pinto da Costa, que por escala iria conduzir a manobra de entrada daquele vapor, que começou a fazer-se ao porto sem, todavia receber autorização ou qualquer orientação dos pilotos da barra.

Inexplicavelmente aquele vapor, que era o paquete Alemão BAYERN, 148,5m/9.014gt, meteu leme a estibordo seguindo ao longo da parte exterior do molhe Sul e só se detendo na curva daquele molhe, a bater com a amura de bombordo sobre o enrocamento, pelo que se pôs a trabalhar com a máquina em toda força à ré, tentando sem sucesso sair da situação critica, que se encontrava, possivelmente por estar um pouco leve. A lancha retrocedeu de imediato e dirigiu-se ao paquete por estibordo para levar o piloto José Fernandes Amaro Júnior, a fim de dirigir, interinamente a manobra de colocar o navio a salvo e o conduzir para dentro do porto. Entretanto o cabo-piloto manobrou a lancha com bastante dificuldade para atracar ao navio mas esta foi desviada para o largo, devido à força das águas, originada pelo trabalhar do hélice, vaga perigosa e vento forte, deixando o piloto José Fernandes Amaro Júnior, em apuros, suspenso e agarrado a uma das últimas travessas da escada de quebra-costas. Aquele piloto, que estava equipado com capa de oleado, capuz e botas altas de borracha, começou a prever o pior, que lhe aconteceria naquele turbilhão de águas descontroladas, sem que a lancha conseguisse aproximar-se para o resgatar. Valeu-lhe os tripulantes no convés, que foram içando a escada de altura considerável e procuraram colocar uma outra escada, com a celeridade possível. Aquele piloto, já a perder as forças, felizmente alcançou a borda do navio e saltou para o convés.

O piloto chegado à ponte de comando e após recomposto da situação aflitiva porque passara, tratou de analisar a situação com o comandante, que aceitou a sua sugestão de manobra para retirar o seu vapor daquela situação difícil, pois já estava arrombado e a meter-se de proa. Parece que, naquela noite, não havia qualquer rebocador no porto de Leixões ou estavam com o fogo apagado, que pudessem prestar auxilio. O paquete de quatro mastros encontrava-se na posição Sueste/Noroeste paralela com o molhe Sul, pelo que não podendo safar-se continuamente a trabalhar de marcha à ré, devido ao mau tempo, embora após algumas tentativas tivesse conseguido afastar-se um pouco do enrocamento, contudo de popa o leme não obedecia para estibordo, então aquele experimentado piloto optou por meter leme a estibordo e toda força avante para tentar seguir ao longo da praia de Matosinhos ou caso a manobra não fosse bem sucedida, encalhá-lo nessa praia, a fim do navio não se afundar. Felizmente, o BAYERN consegue livrar-se do enrocamento, sem bater de popa e manobrando para o largo junto do castelo do Queijo, sem bater no fundo, talvez a maré estivesse na preamar, faz o enfiamento entre molhes e entra na bacia do porto de Leixões.





Sempre a meter-se de proa, rumou para junto da antiga praia da Sardinha, ao Sul, local de águas menos profundas, estando o sota-piloto-mor António Joaquim de Matos e o piloto de escala Manuel Pinto da Costa na lancha a marcar o fundeadouro, mandou largar o ferro de estibordo e passou o comando do resto da manobra para aquele piloto, que estava ao primeiro na escala de serviço, que entretanto subira a bordo, dando seguimento às manobras de amarração. O comandante, que efectuava a sua última viagem, desgostoso tentou suicidar-se, tendo sido impedido de o fazer pelos seus oficiais.

O BAYERN sofreu um rombo à proa, que lhe inundou o porão nº 1 com três metros de água, e pela manhã foi vistoriado por mergulhadores, os quais detectaram, que aquela avaria não era de muita gravidade, pelo que poderia ser reparada em Leixões, recorrendo-se ao usual sistema de cimento. Entretanto, o nível de água no porão já subira para sete metros, pelo que foi para bordo uma bomba estanca-rios para auxiliar a esgotar a água.

O navio mudou para o Norte, fundeando a dois ferros, perto do cais das Gruas, a fim de sofrer as necessárias reparações e após estas concluídas, foi vistoriado pela autoridade marítima e zarpou do porto de Leixões, passados três dias, com destino ao Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires, com 35 passageiros e alguma carga de Leixões, além da carga e 89 passageiros embarcados em Hamburgo e Villagarcia, portos de onde o BAYERN procedia. O salvadego Alemão MAX BARENDT chegou a dirigir-se ao porto de Leixões, a fim de prestar assistência e colaborar nas reparações mas os seus serviços não foram necessários.



O BAYERN fundeado no porto de Leixões após o acidente / Imprensa diária /.



O BAYERN foi lançado ao mar pelo estaleiro Bremer Vulkan, Vegesack, a 02/06/1921, destinado ao tráfego da costa Leste dos E.U.A., da companhia Hamburg Amerikanische Linie (H.A.P.A.G.), de Hamburgo. A 13/09/1921 partiu do porto de Hamburgo na sua viagem inaugural ao porto de Nova Iorque e a sua última viagem efectuou-se a 08/12/1923, sendo então transferido para a linha do Extremo-Oriente, e alguns anos mais tarde entrou no tráfego de carga e passageiros com Brasil e Rio da Prata. A 08/12/1936 foi vendido ao armador Francês Union Maritime Mediterranée, subsidiária da Compagnie des Messageries Maritimes, de Marselha, tendo sido preparado para o transporte de legionários destinados à Indochina, recebendo o nome de SONTAY. Em 1941 foi detido pelos Britânicos, passando a ser administrado pelo armador Union Castle Line, e em 1947 foi adquirido pelo armador Compagnie des Messageries Maritimes, que o colocou no transporte de tropas de França para a Indochina e Coreia. Após, o que ficou afecto ao repatriamento dos militares de Tonkin. Em Janeiro de 1955 foi adquirido pelo armador Wheelock, Marden & Co., Ltd., (Hong Kong), bandeira do Panamá, tendo sido registado com o nome de SUNLOCK e em 1959 foi vendido a sucateiros Japoneses para demolição.

Um acidente semelhante ocorrera a 03/10/1927, pelas 08h00, com o paquete Alemão BADEN, um dos gémeos do BAYERN, quando fazia a aproximação ao porto de Leixões, ainda sem piloto da barra a bordo, sob denso nevoeiro. O rebocador MARS 2º navegava ao seu encontro e a lancha P1 estava junto dos molhes, conduzindo o piloto da barra, que iria dirigir as manobras daquele vapor, quando este, sem que nada o previsse, foi embater na penedia submersa denominada Orça, situada a pouca distância para Oeste do molhe Norte, ficando arrombado e apitando a pedir socorro urgente, tendo sido assistido de imediato pelo rebocador e pela lancha dos pilotos.

Após o piloto Manuel Pinto da Costa subir a bordo, o BADEN ainda debaixo de denso nevoeiro, demandou o porto de Leixões a arriar-se de popa, devido ao enorme volume de água, que lhe estava a inundar os porões. Encalhado diante da praia da Sardinha, ao Sul, para não se afundar demasiado, procedeu-se ao desembarque dos passageiros e foi aliviado de parte da sua carga, tendo ficado a aguardar a chegada de dois salvadegos, que vieram colaborar na reparação provisória dos rombos e no desencalhe. Essa tarefa prolongou-se por alguns dias, após o que o navio seguiu viagem para o porto de Hamburgo escoltado pelos salvadegos.

Curiosamente, entre os seus passageiros, viajava Joaquim Viseu, sota-piloto-mor do Douro e Leixões reformado, que embarcara no Rio de Janeiro, onde fora visitar familiares seus, o qual ainda no camarote acordou com o estrondo do choque na penedia, que fez estremecer, fortemente o navio e dissera para consigo. Este já bateu na Orça!



BADEN / imagem da HAPAG - colecção de Rui Amaro /.



O BADEN do mesmo armador e características idênticas ao BAYERN foi construído pelo mesmo estaleiro, tendo sido afundado a 26/12/1940 pelos cruzadores ligeiros Britânicos HMS BERWICK e HMS BONAVENTURE em pleno Atlântico Norte, quando servia de navio de abastecimento do cruzador pesado Alemão ADMIRAL HIPPER, o qual ludibriando a patrulha conseguiu escapar, refugiando-se no porto de Brest, após ter atacado um comboio naval, atingindo o transporte militar Britânico EMPIRE TROOPER.

Desses paquetes de quatro mastros, uma chaminé, uma hélice, 13 nós de velocidade, capacidade de passageiros, que chegava a cerca de 800, também existia o WURTTEMBERG construído pelo mesmo estaleiro para a linha de Nova Iorque, contudo a partir de 1922 foi transferido para o tráfego da costa Leste da América do Sul. Em 1935 foi vendido a interesses Alemães, que o adaptaram a navio fábrica baleeiro e o rebaptizaram com o nome de JAN WALLEM, tendo sido afundado por contratorpedeiros Ingleses no porto de Narvik em 13/04/1940. Posto a flutuar e após ter sido reparado pelos Alemães, foi transformado em navio-tanque. Avariado no porto de Memel em 1945, foi rebocado para o porto de Kiel e em 1947 chegava ao porto de Blyth, Escócia, para demolição.

Da série de seis unidades, com enorme disparidade na capacidade de passageiros, cujos comprimentos fora/fora e deslocamentos rondavam entre 139m/8,109tb e 149m/9.370tb, embora não fossem usuais visitantes do porto de Leixões, faziam parte o HESSEN, lançado à água a 18/11/1921 e vendido em Outubro de 1935 ao armador Unterweser Reederei, Bremen, tomando o nome de FECHENHEIM. Em 12/02/1943 foi torpedeado pelo submarino Soviético K3 no Bastfjord, ficando semi-afundado. O SACHSEN lançado ao mar a 03/06/1922 foi vendido em 1935 ao armador da concorrência Hamburg Sudamerikanische Dampfs. Ges., Hamburgo, que o colocou na linha do Brasil e Rio da Prata, substituindo-lhe em 30/06/1936, o nome para LA PLATA. Em Setembro de 1939, no eclodir da guerra encontrava-se no porto de Vigo, na sua escala usual, tendo em Dezembro de 1940 conseguido alcançar a Alemanha e a 23/06/1942 é colocado como transporte militar ao serviço da “Kriegsmarine”. A 04/10/1943 foi atingido por bombardeamento aéreo no porto Norueguês de Bodo, ficando bastante danificado, acabando por ser varado numa praia e em 1949 foi desmantelado para sucata. O PREUSSEN entregue pelo estaleiro em 1922, foi torpedeado e afundado pelo submarino Britânico HMS TRUANT, quando a 23/05/1940 navegava ao largo da Sicília.

Esta série pode muito bem ter sido a percursora do projecto da construção daquela, que viria a fazer parte o vapor ALLER do armador Nordeutscher Lloyd, Bremen, que em 1943 passou a ser o SOFALA, 1927/ 161m/ 7.957tb, da Companhia Nacional de Navegação, de Lisboa, até então o maior navio de nacionalidade Portuguesa, e ainda um dos cerca de noventa maiores navios de carga a nível mundial, acima dos 150m. Os restantes gémeos do ALLER eram os seguintes vapores: ALSTER, LAHN, MOSEL e NECKAR.

Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Miramar Ship Index; HAPAG; WWW.Schiffe-Maximun.

(continua)

Rui Amaro

2 comentários:

Unknown disse...

Sr. Rui, continua a sêr um sonho com um prazer enorme, lêr os seus escritos, eu continuo por cá "expiando" os meus blogs mais queridos.
Um abraço.
Carlos Filipe

Rui Amaro disse...

Caro Calos Filipe
Grato pelo seu amável comentário, pois estas coisas da pilotagem do Douro e Leixões, nomeadamente do Douro não lhe são alheias, e V- sabe apreciar, quanto mais não seja por ser cá lugar "A Cantareira, a capital".
Melhor saúde
Abraço
Rui Amaro